Hoje é o dia que você vai aprender mais sobre Gêneros Textuais – Texto Artístico e Crônica com o professor Eduardo Valladares! <3 <3 Aproveite esse post para conferir o horário da aula e baixar o material de apoio! 🙂
Português: Gêneros Textuais – Texto Artístico e Crônica
Turma da Noite: 18:30 às 19:30, com o professor Eduardo Valladares.
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MATERIAL DE AULA AO VIVO
O Texto Artístico
O texto artístico diferencia-se do texto técnico, essencialmente, pelo trabalho que é feito com a linguagem: enquanto no primeiro predomina a conotação, no segundo faz-se presente a denotação – majoritariamente. Contudo, essa distinção apenas seria simplista. O verdadeiro artista é aquele capaz de trabalhar liricamente a mensagem, fazendo com que o público leitor, de fato, se emocione. O emocionar, aqui, não diz respeito ao verter de lágrimas ao fim de uma leitura, mas sim ao despertar de um prazer estético e de um processo de catarse que só mesmo o texto artístico é capaz de produzir.
Outro ponto importante é o fato de a Literatura ser uma forma de arte. Os antigos estudiosos, dentre os quais se destacam Platão e Aristóteles, deixaram uma grande contribuição para o correto entendimento do que seja arte.
Segundo eles, o homem tem a necessidade de expressar suas emoções (conflitos, desejos, angústias) diante do mundo em que vive. Para isso, o artista utiliza os mais variados instrumentos (dentre eles, a palavra) de forma criativa para produzir uma imitação desse sentimento ou dessa situação vivida. Esse processo foi chamado de mímesis. O receptor da obra de arte, ao se deparar com aquela sensação imitada, pode, assim, se identificar com o que foi exposto e vivencia‑ ‑lo, projetando ‑se na obra. A isso chamamos catarse. Para que isso seja possível, a obra deve apresentar coerência, interna ou externa, o que denominamos verossimilhança.
Veja o quadro de resumo abaixo:
• Mímesis: processo por meio do qual o artista opera uma imitação da realidade externa ou interna do ser humano.
• Catarse: processo por meio do qual o leitor se identifica com a obra e nela se projeta, possibilitando a liberação de emoções reprimidas ou a vivência de novas.
• Verossimilhança: é a coerência que a obra deve ter para formar um todo lógico e organizado.
Compreende ‑se, assim, que a arte é sempre o reflexo das tensões existenciais de um ser humano, inserido num determinado contexto. É possível, então, pensarmos que aquilo que é considerado arte por um europeu não o seja por um brasileiro e que aquilo que o foi para um carioca do século XVI não o seja para outro do século XXI. Esse raciocínio, no entanto, traz um questionamento: como justificar o fato de que obras produzidas há mais de dois mil anos, como a Ilíada de Homero, ainda hoje possam ser lidas e apreciadas? A pergunta reside num outro ponto fundamental para o reconhecimento do valor artístico de uma obra: a arte se pretende atemporal e universal. Ela apresenta questões que perpassam o espírito de qualquer homem, em qualquer momento, em qualquer lugar.
No século XX, muitos desses conceitos foram relativizados, e a discussão em torno da definição de arte perdeu espaço para uma outra: qual é a finalidade da arte? A arte permite ao homem transmitir valores do seu grupo (função cultural), refletir sobre si mesmo (função expressiva), modificar sua realidade social (função social), criar prazer estético (função estética), dentre outras.
Exemplos:
Receita
Ingredientes
2 Conflitos de gerações
4 Esperanças perdidas
3 Litros de sangue fervido
5 Sonhos eróticos
2 Canções dos Beatles
Modo de preparar:
– dissolva os sonhos eróticos nos três litros de sangue fervido e deixe gelar seu coração.
– leve a mistura ao fogo adicionando dois conflitos de gerações às esperanças perdidas.
– corte tudo em pedacinhos e repita com as canções dos Beatles o mesmo processo usado com os sonhos eróticos mas desta vez deixe ferver um pouco mais e mexa até dissolver.
– parte do sangue pode ser substituído por suco de groselha mas os resultados não serão os mesmos.
– sirva o poema simples ou com ilusões.
BEHR, Nicolas. In: HOLANDA, Heloísa Buarque de & PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (Orgs.). Poesia jovem anos 70. São Paulo: Abril Educação, 1982.
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993. p. 214.
A Crônica
O gênero textual conhecido como crônica ganhou extrema popularidade principalmente a partir da década de 70. Hoje, sem dúvidas, é uma das modalidades que mais aparecem em provas vestibulares.
Suas características principais tornam fácil entender por que o público tem tamanha predileção pela crônica:
– São textos curtos, de leitura rápida.
– Costumam tratar de temas do cotidiano ou inspirados nele – garantindo a identificação do leitor.
– São trabalhados sob um ponto de vista alternativo e subjetivo – a visão do cronista – que pode apresentar diversas nuances: do crítico ao reflexivo, do filosófico ao humorístico.
– A linguagem costuma ser “livre”, variando do culto ao coloquial, de acordo com a vontade e o estilo do cronista.
Exemplo:
O Day After do carioca (Ou: O dia em que o Rio de Janeiro derreteu)
Aparentemente aquele dia amanheceu igual a todos os outros do mês de janeiro. Céu azul, lavado, um sol forte e musculoso ainda se espreguiçando, uma promessa de calor. Manhã sob medida para turistas, estudantes em férias e desempregados. O Rio, quando quer, sabe como nenhuma outra cidade se enfeitar para o verão. D. Odete Araújo abriu a janela de sua casinha em Bangu e girou a cabeça como se tentando perscrutar o tempo. Viu um cidadão parado na calçada segurando um cigarro. A fumaça do cigarro subia em linha reta, parecia traçada a régua. Não havia a mais leve brisa no ar. D. Odete respirou fundo, passou as costas da mão na testa gotejante e comentou com a vizinha:
— Acho que hoje chegaremos aos 45 graus.
Os moradores de Bangu entendem mais do que todos de altas temperaturas. A vizinha deu de ombros. Um grau a mais ou a menos não faz diferença neste inferno suburbano. Na véspera, os termômetros de Bangu acusaram 44.8 graus, quebrando os recordes dos anos de 84, 85, 86 e 87. D. Odete comentou num tom cabalístico que aquele era o 13º dia consecutivo que o Rio se debatia com uma febre de 40 graus.
No Centro da cidade, um movimento típico das manhãs de verão. As pessoas procurando as sombras, procurando os bares, procurando diminuir o ritmo. Nada de anormal. O contínuo Ademar Ferreira, porém, percebeu o termômetro digital, que uma hora antes acusava 43 graus, agora marcando 48. O amigo, com quem conversava numa esquina da Avenida Rio Branco, disse que os termômetros estavam de miolo mole. Ontem vira um marcando 54 graus. Ademar continuou conversando, tornou a olhar o termômetro: 49 graus. Notou certa inquietação no ar. Os transeuntes se mexiam mais, tiravam o paletó, afrouxavam a gravata: 50 graus. Outras pessoas começaram a perceber a escalada dos termômetros. O calor aumentava: 51 graus. Um grupo preocupado se reuniu em torno de um orelhão e ligou para o Serviço de Meteorologia. O que está acontecendo? Os cientistas admitiam que a temperatura subia. vertiginosa, mas desconheciam as razões. Estavam acompanhando uma frente fria encalhada na Patagônia.
As pessoas se aglomeravam diante dos termômetros como se acompanhassem o movimento de apostas no Jóquei: 53 graus. As expressões revelavam medo e tensão. O calor tornava-se escaldante. Era como se tivessem ligado o forno da Rio Branco: 55 graus. Não dava mais para ficar exposto ao sol. As pessoas procuraram proteção embaixo das marquises. Muitas, nervosas, se refugiavam em lojas e escritórios com ar condicionado: 56 graus. Um bando de honrados cidadãos invadiu uma loja de eletrodomésticos:
— Liguem os ventiladores, pelo amor de Deus! — Infelizmente vendemos todos — respondeu o vendedor, torcendo o lenço empapado de suor.
Na Zona Sul o pânico se alastrava como um rastilho de pólvora. Edevaldo Santos, vendedor de picolés na praia, notou que algo estranho acontecia quando abriu a caixa de isopor e viu os palitos boiando num caldo de sorvete: 60 graus. Não dava mais para atravessar a areia quente. Quem ficou na praia já não podia sair. Dois helicópteros procuravam transportar os banhistas. Primeiro, velhos e crianças! A praia, como a cidade, já estava sob o império do caos, apesar das rádios e televisões pedirem calma à população. A corda que pendia dos helicópteros era disputada a tapa: 65 graus. Faltava ar, a garganta secava, o corpo parecia incandescente. A estudante Luísa Coelho lembrou-se de Joana D’Arc. Teve início a invasão de bares, restaurantes, supermercados. Todos corriam às prateleiras de bebidas. Água, refrigerantes, cerveja, vinho, champanhe, qualquer líquido. Tinha gente bebendo Pinho-Sol.
O trânsito enlouqueceu de vez. Os motoristas abandonavam seus carros nos congestionamentos. Os ônibus eram largados em qualquer lugar. Os veículos transformavam-se em fornos crematórios: 74 graus. Os pneus começaram a derreter. Nas ruas as pessoas iam se desfazendo das roupas. Vários executivos foram vistos se esgueirando pelos cantos, de cueca, meias e pasta. Começou a invasão dos apartamentos com ar condicionado. Eles viraram uma espécie de abrigo nuclear. Só na minha sala havia 67 pessoas se empurrando para botar a cara na frente do aparelho: 80 graus. De repente ouviu-se um ruído e logo o silêncio do ar-condicionado. A cidade ficara sem energia. O calor derreteu os cabos da Light. O sol esquentava os vidros e o concreto dos prédios. Era insuportável o calor nos apartamentos. A população desesperada saiu às ruas à cata de sombras. Num poste em Madureira havia 23 pessoas espremidas e perfiladas ao longo de sua tira de sombra: 84 graus!
Os carros dos Bombeiros circulavam pelas ruas com um restinho de água molhando a população. “Aqui, aqui! Joga aqui antes que eu pegue fogo!” Os chafarizes da cidade. estavam mais cheios do que trem da Central. Milhares de. pessoas mergulhavam na Lagoa Rodrigo dA Freitas. Só que esta, como as outras lagoas da cidade, secava rapidamente. As poucas matas pegavam fogo. As ruas de terra rachavam ao melhor estilo nordestino. O asfalto começou a borbulhar. Ploft! A cidade se transformava num caldeirão: 88 graus. No cais do porto os marinheiros se atiravam do convés como se os navios estivessem naufragando. No Santos Dumont um avião da Ponte-Aérea, ao invés de levantar vôo, embicou dentro d’água. O piloto foi aplaudidíssimo pelos passageiros.
A temperatura estava em torno dos 94 graus. No Sumaré as antenas das emissoras de televisão adernavam, desmaiando lentamente. O Pão de Açúcar começou a derreter como um sorvete de casquinha. Uma mancha escura se espalhava pelo mar. No meio, boiando, o bondinho com turistas americanos fotografando tudo. Outros morros também derretiam. O Dois Irmãos, para surpresa geral, entrou em erupção. A estátua de Cristo tinha desaparecido do alto do Corcovado. Dizem que, quando o morro começou a desmanchar, Ele saiu voando com seus braços abertos. Todo mundo já estava tendo visões e alucinações. Nas calçadas da Visconde de Pirajá — lado da sombra — as pessoas se arrastavam aos gritos de “água, água”. Eram inúmeras as miragens. O pipoqueiro Manuel de Souza jura que viu as Sete Quedas na Praça Nossa Senhora da Paz.
As 17h12min, por fim, o sol começou a perder a força. As pessoas, ainda desconfiadas, foram saindo de dentro das geladeiras, freezers, frigoríficos. Nas câmaras frigoríficas da Cibrazem — contou-se … — havia 12 mil 344 pessoas. Uma sensação de forno quente pairava sobre o Rio. Somente à meia-noite os termômetros voltaram ao normal: 40 graus. Terminara o efeito-estufa, deixando um rastro de dor e destruição. Não havia uma única gota d’água na cidade. Fomos dormir e no Day After, como não havia trabalho, saímos todos para a praia. Pois creiam: no meio do comércio de sanduíches naturais, chapéus, cocadas, óleo para bronzear, o diabo, já tinha nego vendendo um aparelhozinho para dessalinizar a água do mar.
Carlos Eduardo Novaes
A Descrição
O texto descritivo “padrão”:
Descrever é criar com palavras a “imagem” do objeto descrito. É configurar. É “pintar com palavras”. Deve-se entender por objeto descrito o ser, o objeto (coisa em si), ambiente, espaço, situações, enfim, qualquer elemento que seja apreendido pelos sentidos e transformado, com palavras, em imagens.
Dito de outro modo, para que a descrição ocorra, há a necessidade de que o objeto descrito seja caracterizado por elementos que demonstrem e/ou comprovem que ele foi apreendido sensorialmente. Assim, a linguagem descritiva dita “padrão” pode – ou deve – conter algumas especificidades, listadas abaixo.
• Presença de adjetivos, locuções adjetivas e orações dessa mesma natureza.
• Verbos que anulam a noção de ação (ou seja, os chamados verbos de estado).
• Unidade temporal.
• Metáforas e comparações.
• Elementos sensoriais soltos ou agrupados em sinestesia.
Exemplo1:
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
(…)
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
(Clarice Lispector, Felicidade clandestina)
Exemplo 2:
Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de S. Luiz do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quasi que se não podia sahir à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampeões faiscavam ao sol corno enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das arvores nem se mexiam; as carroças d’agoa passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os predios; e os aguadeiros, em mangas de camiza e pernas arregaçadas, invadiam sem ceremonia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava, concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho.
(Aluísio Azevedo, O Mulato)
Exemplo 3:
Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.
O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.
(Lygia Fagundes Telles, Mistérios)
Exemplo 4:
Para ser um dia de chuva, só faltava mesmo que caísse água. Manhã noiteira, sem sol, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente. A serra neblinava, açucarada, e lá pelas cabeceiras o tempo ainda devia de estar pior.
(Guimarães Rosa, Sagarana)
Observações:
• Existem duas espécies de descrição: a descrição objetiva, que se caracteriza pelo distanciamento entre o sujeito e o objeto; aquele tenta passar a imagem deste pelo objeto em si mesmo. Já a descrição subjetiva aparece quando o sujeito incorpora o objeto e o absorve em sua visão pessoal. Nesse caso, objeto e sujeito elidem-se.
• As personagens podem ser caracterizadas de três modos distintos: física, psicologicamente ou a partir de suas ações.
Geralmente, o leitor de um texto descritivo tem a impressão de estaticidade. Essa sensação decorre do fato de que todos os relatos daquele dado elemento são simultâneos, isto é, para que se apreenda o sentido de um texto descritivo, é necessário imaginar todas as informações veiculadas pelos enunciadores como se elas ocorressem concomitantemente. Para exemplificar o dito, poderíamos reescrever o texto de Guimarães Rosa (exemplo 4) dando aos enunciados uma outra ordem. Observe:
Manhã noiteira, sem sol, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente. . A serra neblinava, açucarada. Para ser um dia de chuva, só faltava mesmo que caísse água. E lá pelas cabeceiras o tempo ainda devia de estar pior.
Exercícios:
1. A questão refere-se ao trecho de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, reproduzido a seguir.
Nessa obra, a personagem Diadorim é uma mulher que se faz de homem para entrar no bando de Riobaldo – narrador da história – e vingar a morte de seu pai. Riobaldo só descobre isso depois da morte de Diadorim.
Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza ainda maior, fora de todo comum. Os olhos – vislumbre meu – que cresciam sem beira, dum verde dos outros verdes, como o de nenhum pasto. (…) De que jeito eu podia amar um homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico em suas ações?! Me franzi. Ele tinha a culpa? Eu tinha a culpa?
Guimarães Rosa
As orações interrogativas que finalizam o trecho permitem entender que
a) o amor representa, necessariamente, indecisão.
b) o amor não revela a sensibilidade humana.
c) sem culpa não se vive o amor.
d) não há culpados quando se ama.
e) o amor é sentimento de culpa e sofrimento.
2. Bonde
O transatlântico mesclado
Dlendlena e esguicha luz
Postretutas e famias sacolejam
Oswald de Andrade
Do ponto de vista temático-ideológico, o texto expressa:
a) uma crítica à linguagem inculta das classes urbanas paulistas.
b) uma denúncia à promiscuidade urbana do início do século XX.
c) uma concepção de sociedade sem fronteiras rígidas de classe e de valores.
d) uma crítica ao aspecto provinciano e caótico da cidade de São Paulo.
e) um ideal nacionalista que ironiza a cultura popular.
3. Zoo
Uma cascavel, nas encolhas*. Sua massa infame.
Crime: prenderam, na gaiola da cascavel, um ratinho branco. O pobrinho se comprime num dos cantos do alto da parede de tela, no lugar mais longe que pôde. Olha para fora, transido, arrepiado, não ousando choramingar. Periodicamente, treme. A cobra ainda dorme.
*
Meu Deus, que pelo menos a morte do ratinho branco seja instantânea!
*
Tenho de subornar um guarda, para que liberte o ratinho branco da jaula da cascavel. Talvez ainda não seja tarde.
*
Mas, ainda que eu salve o ratinho branco, outro terá de morrer em seu lugar. E, deste outro, terei sido eu o culpado.
(*) nas encolhas = retraída, imóvel
(Fragmentos extraídos de Ave, palavra, de Guimarães Rosa)
A situação do ratinho branco, preso na gaiola da cascavel, provocou no narrador
a) imediato sentimento de culpa, que o levou a declarar-se responsável pela situação.
b) desejo imediato de intervenção, a fim de antecipar o previsível desfecho.
c) reação espontânea e indignada, da qual veio a se arrepender mais tarde.
d) compaixão e desejo de intervir, seguidos de uma reflexão moral.
e) curiosidade e repulsa, a que se seguiu a indiferença diante do inevitável.
4. Epígrafe*
Murmúrio de água na clepsidra** gotejante,
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio de areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante***
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre…
Homem, que fazes tu? Para que tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a Beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa…
(Eugênio de Castro. “Antologia pessoal da poesia portuguesa”)
(*) Epígrafe: inscrição colocada no ponto mais alto; tema.
(**) Clepsidra: relógio de água.
(***) Pedra do quadrante: parte superior de um relógio de sol.
Neste poema, o que leva o poeta a questionar determinadas ações humanas (versos 6 e 7) é a:
a) infantilidade do ser humano.
b) destruição da natureza.
c) exaltação da violência.
d) inutilidade do trabalho.
e) brevidade da vida.
5. Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião. 6ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 55.
A partir do texto, foram feitas as seguintes afirmações:
I – O autor se recusa a cantar um mundo que não existe.
II – O autor deseja solidarizar-se e não se isolar.
III – O autor usa a literatura poética para fugir da realidade e alienar-se do mundo em que vive.
IV – O autor usa a poesia como expressão sentimental reservada a seu mundo interior.
Dessas afirmações, pode-se concluir que
a) somente I está correta.
b) I, II e IV estão corretas.
c) III e IV estão corretas.
d) somente I e II estão corretas.
e) somente II e IV estão corretas.
6. História estranha
Um homem vem caminhando por um parque quando de repente se vê com sete anos de idade. Está com quarenta, quarenta e poucos. De repente dá com ele mesmo chutando uma bola perto de um banco onde está a sua babá fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que é ele mesmo. Reconhece a sua própria cara, reconhece o banco e a babá. Tem uma vaga lembrança daquela cena. Um dia ele estava jogando bola no parque quando de repente aproximou-se um homem e… O homem aproxima-se dele mesmo. Ajoelha-se, põe as mãos nos seus ombros e olha nos seus olhos. Seus olhos se enchem de lágrimas. Sente uma coisa no peito. Que coisa é a vida. Que coisa pior ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como os meus olhos eram limpos. O homem tenta dizer alguma coisa, mas não encontra o que dizer. Apenas abraça a si mesmo, longamente. Depois sai caminhando, chorando, sem olhar para trás.
O garoto fica olhando para a sua figura que se afasta. Também se reconheceu. E fica pensando, aborrecido: quando eu tiver quarenta, quarenta e poucos anos, como eu vou ser sentimental!
(Luis Fernando Veríssimo, Comédias para se ler na escola)
A estranheza dessa história deve-se, basicamente, ao fato de que nela
a) há superposição de espaços sem que haja superposição de tempos.
b) a memória afetiva faz um quarentão se lembrar de uma cena da infância.
c) a narrativa é conduzida por vários narradores.
d) o tempo é representado como irreversível.
e) tempos distintos convergem e tornam-se simultâneos.
7. A crônica muitas vezes constitui um espaço para reflexão sobre aspectos da sociedade em que vivemos.
“Eu, na rua, com pressa, e o menino segurou no meu braço, falou qualquer coisa que não entendi. Fui logo dizendo que não tinha, certa de que ele estava pedindo dinheiro. Não estava. Queria saber a hora.
Talvez não fosse um Menino De Família, mas também não era um Menino De Rua. É assim que a gente divide. Menino De Família é aquele bem-vestido com tênis da moda e camiseta de marca, que usa relógio e a mãe dá outro se o dele for roubado por um Menino De Rua. Menino De Rua é aquele que quando a gente passa perto segura a bolsa com força porque pensa que ele é pivete, trombadinha, ladrão. (…) Na verdade não existem meninos De rua. Existem meninos NA rua. E toda vez que um menino está NA rua é porque alguém o botou lá. Os meninos não vão sozinhos aos lugares. Assim como são postos no mundo, durante muitos anos também são postos onde quer que estejam. Resta ver quem os põe na rua. E por quê.”
(COLASSANTI, Marina. In: Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.)
No terceiro parágrafo em “… não existem meninos De rua. Existem meninos NA rua.”, a troca de De pelo Na determina que a relação de sentido entre “menino” e “rua” seja
a) de localização e não de qualidade.
b) de origem e não de posse.
c) de origem e não de localização.
d) de qualidade e não de origem.
e) de posse e não de localização.
8. Brincar com palavras – Nos jogos verbais, Exercícios de literatura
Você sabe o que é um palíndromo?
É uma palavra ou mesmo uma frase que pode ser lida de frente pra trás e de trás pra frente mantendo o mesmo sentido. Por exemplo, em português: “amor” e “Roma”; em espanhol: “Anita lava la tina”. Ou, então, a frase latina: “Sator arepo tenet opera rotas”, que não só pode ser lida de trás pra frente, mas pode ser lida na vertical, na horizontal, de baixo pra cima, de cima pra baixo, girando os olhos em redor deste quadrado:
S A T O R
A R E P O
T E N E T
O P E R A
R O T A S
Essa frase latina polivalente foi criada pelo escravo romano Loreius 200 anos antes de Cristo, e tem dois significados: “O lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos” e/ou “o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita”. Osman Lins construiu o romance “Avalovara” (1973) em torno desse palíndromo.
Muita gente sabe o que é um caligrama – aqueles textos que existiam desde a Grécia em que as letras e frases iam desenhando o objeto a que se referiam – um vaso, um ovo, ou então, como num autor moderno tipo Apollinaire, as frases do poema se inscrevendo em forma de cavalo ou na perpendicular imitando o feitio da chuva.
Mas pouca gente sabe o que é um lipograma.
Lipo significa tirar, aspirar, esconder. Portanto, um lipograma é um texto que sofreu a lipoaspiração de uma letra. O autor resolve esconder essa letra por razões lúdicas. Já o grego Píndaro havia escrito uma ode, sem a letra “s”. Os autores barrocos no século XVII também usavam este tipo de ocultação, porque estavam envolvidos com o ocultismo, com a cabala e com a numerologia.
Por que estou dizendo essas coisas?
Culpa da Internet.
Esses jogos verbais que vinham sendo feitos desde as cavernas agora foram potencializados com a informática. Dizia eu numa entrevista outro dia que estamos vivendo um paradoxo riquíssimo: a mais avançada tecnologia eletrônica está resgatando o uso lúdico da linguagem e uma das mais arcaicas atividades humanas – a poesia. Os poetas, mais que quaisquer outros escritores, invadiram a Internet. Se em relação às coisas prosaicas se diz que a vingança vem a cavalo, no caso da poesia a vingança veio a cabo, galopando eletronicamente. Por isto que toda vez que um jovem iniciante me procura com a angústia de publicar seu livro, aconselho-o logo: “Meu filho, abra uma página sua na Internet para não mais se constranger e se sentir constrangido diante dos editores e críticos. Estampe seu texto na Internet e deixe rolar”.
(ROMANO, Affonso de Sant’Anna. O Globo, 15/09/1999.)
O autor avalia as inovações introduzidas pela Internet, diante das tradições da literatura.
a) Aponte dois aspectos que, segundo ele, são positivos no uso da Internet.
b) Há muitos séculos, já se exploravam as possibilidades de distribuição das palavras no espaço de modo análogo ao que passou a ocorrer nas telas de computador. Cite dois exemplos do texto que evidenciam a exploração dessas possibilidades.
9.
10. De cabeça pensada
Tinha 30 anos quando decidiu: a partir de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos, pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade.
Tinha 50, e o marido já não pedia, os filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeçada preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o constante brotar.
Aos 80, a velhice a deixou entregue a uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.
E tudo o que ela havia temido aconteceu.
Levadas pela água, escorrendo liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.
(Marina Colasanti, “Contos de amor rasgados”)
Na descrição feita acima, percebe-se claramente a intenção do autor em:
a) Descrever o cotidiano de uma mulher qualquer, buscando maior intimidade com os leitores, em especial os do sexo feminino.
b) Traçar um perfil psicológico da personagem, mostrando toda a sua complexidade por meio de uma decisão inusitada.
c) Explorar as características físicas da personagem, mostrando suas sutilezas nos gestos e movimentos.
d) Caracterizar os hábitos da personagem, a fim de promover um julgamento acerca de suas atitudes.
e) Demonstrar, de forma apaixonada, o “retrato verbal” de alguém por quem ele possui enorme admiração.
11. “Na descrição subjetiva, a interferência do autor é sempre maior e costuma ser caracterizada pela emissão de juízos de valor. Já na descrição objetiva, o autor interfere menos, tentando nos passar uma imagem mais próxima ao real, evitando os juízos de valor”
(Ernani & Nicola).
A partir das ideias do fragmento entre aspas, pode-se dizer que a descrição feita por Marina Colasanti é:
a) Objetiva, já que faz um relato visual preciso, atentando para todos os detalhes da personagem.
b) Subjetiva, pois o autor trabalha com elementos psicológicos da personagem, deixando as características físicas como secundárias.
c) Parcialmente objetiva, porque, ainda que busque a imparcialidade, o texto não é desprovido de juízo de valores nem de percepções individuais.
d) Parcialmente subjetiva, porque fala de uma personagem que o autor conhece intimamente.
e) Nenhuma das respostas acima.
12. Também é possível dizer que o autor apresenta aspectos sensoriais distintos para elaborar a descrição.
a) Destaque os termos do 2o parágrafo em que isso pode ser observado mais claramente.
b) Diga quais os sentidos envolvidos.
13. Da imagem que Marina Colasanti cria para sua personagem depreende-se que ela é:
a) Precisa e realista, com elementos descritivos meramente visuais.
b) Vaga e complexa, calcada em comportamentos atípicos.
c) Poética e confusa, partindo de impressões pessoais variadas e pouco claras.
d) Padrão e específica, semelhante a de uma mulher qualquer.
e) Simples e direta, com dados concretos e de fácil entendimento.
Gabarito
1. D
2. C
3. D
4. E
O autor associa a passagem da vida ao fluir de areia na “ampulheta vigilante” onde “se escoa a hora”, sugerindo os momentos breves que caracterizam a fugacidade da existência humana.
5. D
6. E
7. A
8. a) Dois dentre os aspectos:
– resgate da poesia
– resgate do uso lúdico da linguagem
– divulgação da obra poética ou da produção literária
9. E
LISTA DE EXERCÍCIOS
Certo milionário brasileiro foi traído pela esposa. Quis gritar, mas a infiel disse-lhe sem medo: – “Eu não amo você, nem você a mim. Não temos nenhum amor a trair”. O marido baixou a cabeça. Doeu-lhe, porém, o escândalo. Resolveu viajar para a China, certo de que a distância é o esquecimento. Primeiro, andou em Hong Kong. Um dia, apanhou o automóvel e correu como um louco. Foi parar quase na fronteira com a China. Desce e percorre, a pé, uma aldeia miserável. Viu, por toda a parte, as faces escavadas da fome. Até que entra na primeira porta. Tinha sede e queria beber. Olhou aquela miséria abjeta. E, súbito, vê surgir, como num milagre, uma menina linda, linda. Aquela beleza absurda, no meio de sordidez tamanha, parecia um delírio. O amor começou ali. Um amor que não tinha fim, nem princípio, que começara muito antes e continuaria muito depois. Não houve uma palavra entre os dois, nunca. Um não conhecia a língua do outro. Mas, pouco a pouco, o brasileiro foi percebendo esta verdade: – são as palavras que separam. Durou um ano o amor sem palavras. Os dois formavam um maravilhoso ser único. Até que, de repente, o brasileiro teve que voltar para o Brasil. Foi também um adeus sem palavras. Quando embarcou, ele a viu num junco que queria seguir o navio eternamente. Ele ficou muito tempo olhando. Depois não viu mais o junco. A menina não voltou. Morreu só, tão só. Passou de um silêncio a outro silêncio mais profundo.
(RODRIGUES, Nelson. A cabra vadia: novas confissões. São Paulo: Companhia das Letras,1995.)
1. O narrador de um conto assume determinados pontos de vista para conduzir o seu leitor a observar o mundo sob perspectivas diversificadas.
No conto de Nelson Rodrigues, a narrativa busca emocionar o leitor por meio do seguinte recurso:
a) expressa diretamente o ponto de vista do personagem milionário
b) expressa de maneira indireta o ponto de vista da personagem chinesa
c) alterna o ponto de vista do personagem milionário com o do narrador
d) alterna o ponto de vista do personagem milionário com o da personagem chinesa
Brasileiro, Homem do Amanhã
Há em nosso povo duas constantes que nos induzem a sustentar que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo. Brasileiro até demais. Colunas da brasilidade, as duas colunas são: a capacidade de dar um jeito; a capacidade de adiar.
A primeira é ainda escassamente conhecida, e nada compreendida, no exterior; a segunda, no entanto, já anda bastante divulgada lá fora, sem que, direta ou sistematicamente, o corpo diplomático contribua para isso.
Aquilo que alguns autores ingleses diziam apenas por humorismo (nunca se fazer amanhã aquilo que se pode fazer depois de amanhã), não é no Brasil uma deliberada norma de conduta, uma diretriz fundamental. Não, é mais, é bem mais forte do que qualquer princípio da vontade: é um instinto inelutável, uma força espontânea da estranha e surpreendente raça brasileira.
Para o brasileiro, os atos fundamentais da existência são: nascimento, reprodução, adiamento e morte (esta última, se possível, também protelada).
Adiamos em virtude dum verdadeiro e inevitável estímulo inibitório, do mesmo modo que protegemos os olhos com as mãos ao surgir na nossa frente um foco luminoso intenso. A coisa deu em reflexo condicionado: proposto qualquer problema a um brasileiro, ele reage de pronto com as palavras: logo à tarde, só à noite; amanhã; segunda-feira; depois do carnaval; no ano que vem.
Adiamos tudo: o bem e o mal, o bom e o mau, que não se confundem, mas tantas vezes se desemparelham. Adiamos o trabalho, o encontro, o almoço, o telefonema, o dentista, o dentista nos adia, a conversa séria, o pagamento do imposto de renda, as férias, a reforma agrária, o seguro de vida, o exame médico, a visita e pêsames, o conserto do automóvel, o concerto de Beethoven, o túnel para Niterói, a festa de aniversário da criança, as relações com a China, tudo. Até o amor. Só a morte e a promissória são mais ou menos pontuais entre nós. Mesmo assim, há remédio para a promissória: o adiamento bi ou trimestral da reforma, uma instituição sacrossanta no Brasil.
O brasileiro adia; logo existe. A única palavra importante para ele é amanhã.
O resto eu adio para a semana que vem.
(Paulo Mendes Campos – Adaptação)
2. O autor revela-se um cidadão tipicamente brasileiro quando
a) adia algo para a semana que vem.
b) tem uma atitude inconsequente diante da vida.
c) demonstra constante preocupação com o próprio bem-estar.
d) evita assumir qualquer tipo de responsabilidade no dia.
e) aconselha o adiantamento indiscriminado como solução para a maioria dos problemas.
O autor do texto abaixo critica, ainda que em linguagem metafórica, a sociedade contemporânea em relação aos seus hábitos alimentares.
“Vocês que têm mais de 15 anos, se lembram quando a gente comprava Ieite em garrafa, na leiteira da esquina? (…)
Mas vocês não se lembram de nada, pô? Vai ver nem sabem o que é vaca. Nem o que é leite. Estou falando isso porque agora mesmo peguei um pacote de leite – leite em pacote, imagina, Tereza! – na porta dos fundos e estava escrito que é pasterizado, ou pasteurizado, sei lá, tem vitamina, é garantido pela embromatologia, foi enriquecido e o escambau.
Será que isso é mesmo leite? No dicionário diz que leite é outra coisa: ‘Líquido branco, contendo água, proteína, açúcar e sais minerais’. Um alimento pra ninguém botar defeito. O ser humano o usa há mais de 5.000 anos. É o único alimento só alimento. A carne serve pro animal andar, a fruta serve pra fazer outra fruta, o ovo serve pra fazer outra galinha (…) O leite é só leite. Ou toma ou bota fora.
Esse aqui examinando bem, é só pra botar fora. Tem chumbo, tem benzina, tem mais água do que leite, tem serragem, sou capaz de jurar que nem vaca tem por trás desse negócio.
Depois o pessoal ainda acha estranho que os meninos não gostem de leite. Mas, como não gostam? Não gostam como? Nunca tomaram! Múúúúúúú!”
(FERNANDES, Millôr. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1999)
3. A crítica do autor é dirigida:
a) ao desconhecimento, pelas novas gerações, da importância do leiteiro para a economia nacional.
b) à diminuição da produção de leite após o desenvolvimento de tecnologias que têm substituído os produtos naturais por produtos artificiais.
c) à artificialização abusiva de alimentos tradicionais, com perda de critério para julgar sua qualidade e sabor.
d) permanência de hábitos alimentares a partir da revolução agrícola e da domesticação de animais iniciada há 5.000 anos.
e) à importância dada ao pacote de leite para a conservação de um produto perecível e que necessita de aperfeiçoamento tecnológico.
4. A palavra embromatologia usada pelo autor é:
a) um termo científico que significa estudo dos bromatos.
b) uma composição do termo de gíria “embromação” (enganação) com bromatologia, que é o estudo dos alimentos.
c) uma junção do termo de gíria “embromação” (enganação) com lactologia, que é o estudo das embalagens para leite.
d) um neologismo da química orgânica que significa a técnica de retirar bromatos dos laticínios.
e) uma corruptela de termo da agropecuária que significa a ordenha mecânica.
Miguilim
“De repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo.
– Deus te abençoe, pequenino. Como é teu nome?
– Miguilim. Eu sou irmão do Dito.
– E o seu irmão Dito é o dono daqui?
– Não, meu senhor. O Ditinho está em glória.
O homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo, formoso como nenhum outro.
Redizia:
– Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda… Mas que é que há, Miguilim?
Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que o encarava.
– Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que está em tua casa?
– É Mãe, e os meninos…
Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada. O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo: – ‘Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está enxergando? E agora?”
(ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.)
5. Esta história, com narrador observador em terceira pessoa, apresenta os acontecimentos da perspectiva de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narrador ter Miguilim como referência, inclusive espacial, fica explicitado em:
a) “O homem trouxe o cavalo cá bem junto.”
b) “Ele era de óculos, corado, alto (…)”
c) “O homem esbarrava o avanço do cavalo, (…)”
d) “Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, (…)”
e) “Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos”
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinicius de Moraes)
Por enquanto
Mudaram as estações
Nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim, tão diferente
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber
Que o pra sempre
Sempre acaba.
(Renato Russo)
6. Em “Por enquanto”, Renato Russo diz que “… o pra sempre/sempre acaba”. Essa ideia, no poema de Vinicius de Moraes, aparece no seguinte verso:
a) “Mas que seja infinito enquanto dure”.
b) “Quero vivê-lo em cada vão momento”.
c) “Quem sabe a morte, angústia de quem vive”.
d) “Quem sabe a solidão, fim de que ama”.
e) “Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto”.
MULHER AO ESPELHO
Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
(MEIRELES, Cecília. Poesias Completa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.)
7. O uso de palavras e expressões cotidianas, neste texto, é carregado de sentido simbólico.
a) Uma expressão utilizada no poema possui um sentido correspondente ao da expressão “da cabeça aos pés”. Retire-a do texto.
b) Na 3a estrofe, o substantivo “tinta” se refere a uma expressão que o antecede.
Transcreva essa expressão e indique a conotação que o substantivo “tinta” adquire no texto.
Na planície avermelhada, os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da caatinga rala.
(Graciliano Ramo, Vidas secas)
8. Tendo em vista a relação, neste texto, entre o vocabulário e os efeitos de sentido, é INCORRETO afirmar que
a) o adjetivo “avermelhada” retrata o rigor do clima.
b) “rio seco”, “galhos pelados”, “caatinga rala” caracterizam um espaço hostil aos viajantes.
c) as palavras empregadas pelo narrador reproduzem as das personagens.
d) os nomes dos viajantes substituem-se por um adjetivo substantivado – “os infelizes”.
e) a expressão “o dia inteiro” equivale a “todo o dia”.
“Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. ELE, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera(…).
– Fabiano, VOCÊ é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. (…) Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, ALGUÉM tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
– Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho capaz de vencer dificuldades”.
9. Assinale a alternativa que interpreta incorretamente o trecho anterior:
a) Fabiano mostra-se orgulhoso por ter conseguido livrar a família da miséria absoluta
b) as lembranças do passado enchem de beleza e ternura a vida de Fabiano
c) no trecho citado, o autor se refere ao processo de desumanização ao qual os retirantes nordestinos são submetidos, comparando-os a animais
d) depois de muito sofrimento, Fabiano e sua família conseguem se instalar em uma pequena propriedade rural
e) nesse trecho, evidencia-se que Fabiano e sua família são retirantes da seca
“Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se e viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim entenderam-se, voando o mais em ímpeto de nau tangida pelo vento. Mas, tudo tendo que ser secreto, claro, coberto de sete capas.”
(Guimarães Rosa)
10. Quanto às relações de sentido, sobre o Texto, assinale a alternativa incorreta.
a) secreto pode ser substituído por oculto.
b) pegou o amor é uma expressão conotativa, dando ao sentimento um caráter epidêmico.
c) o termo ímpeto pode ser substituído por força.
d) olhos de viva mosca significa olhar inquieto e inconstante.
e) sete capas é uma expressão denotativa e significa ao abrigo das intempéries.
Gabarito
1. C
2. A
3. C
4. B
5. A
O advérbio “cá” aproxima o narrador da perspectiva de Miguilim, como se narrador e personagem percebessem a aproximação do cavalo no mesmo plano espacial. Ao contrário do que é mencionado no enunciado, o narrador é onisciente, pois tem acesso ao mundo interior do personagem, percebendo seus sentimentos e emoções.
6. A
7. a) do alto penteado ao rubro artelho
b) cor fingida
Associa-se à ideia de falsidade, aparência ou superficialidade
8. C
9. B
10. E