Na língua, existe a variabilidade linguística, que estabelece tendências diferentes entre as expressões orais e escritas. Você conhece essas tendências? Vamos estudá-las? Ah! Uma coisa importante: antes de começarmos o estudo dessas propriedades, precisamos lembrar que tais diferenças não isolam uma ou outra variante, apenas marcam suas peculiaridades. Não se esqueça disso, tá? Vamos aprender? 🙂
A adequação da linguagem a um contexto
Em letras de música, é muito comum o eu lírico do texto usar uma linguagem com marcas de um registro popular, seja para adequar seu discurso ao contexto da música, seja para atingir o interlocutor de maneira direta. Veja este trecho da música Berreco, de Claudinho e Buchecha:
Berreco, abre o seu olho para outro não tomar sua sopa. Mantenha sua barba de molho, sua mina anda quase sem roupa. E sai por aí dando bolada, ela só que zoar, ela nem quer saber
A música utiliza uma linguagem adequada ao universo do funk. A “suposta” traição da mulher é descrita como “dar uma bolada”, sinal de que outro está “tomando a sua sopa”. O vocabulário aqui empregado é perfeitamente adequado ao contexto sociolinguístico dos músicos. A norma culta, se empregada nessa música, seria totalmente inadequada.
Repare neste outro trecho, da música As Mariposa, de Adoniran Barbosa:
As mariposa quando chega o frio fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá
Nessa música, existe uma valorização do espaço rural em relação ao espaço urbano, que pode ser determinante na variabilidade que se emprega. A ausência da concordância, além da grafia próxima à fala, é também uma valorização do discurso oral em relação ao discurso escrito.
Um exemplo muito comum de variação pode ser encontrado nas tirinhas do Chico Bento, personagem da Turma da Mônica. Você conhece? Dê uma olhada no vocabulário utilizado e na fala do personagem:
Escrita ou fala: qual tem mais valor?
Não há que se pensar que a escrita tem mais valor que a oralidade. São modalidades distintas, com sintaxes próprias. Numa sala de aula, por exemplo, quando o professor chama a atenção para algo: “Olha só isso!”, não há a necessidade de que se explicite o que é “isso”. Os alunos estão vendo. A informação pode ser recuperada por um gesto, ou um movimento. Ou ainda, ao perguntar para alguém: “Quer?”. Ora, o que foi oferecido está à vista do interlocutor, não há a necessidade do complemento. São marcas da oralidade que a escrita não tem.
Lembrou alguma situação em que a linguagem utilizada se adequa ao contexto em que está inserida? Conte pra gente nos comentários! Antes, vamos exercitar?
EXERCÍCIOS
1.
O humor do cartum se baseia no emprego de uma variabilidade linguística. Com base nas falas da família que volta de viagem, determine se essa variabilidade apresenta valor positivo ou negativo. Justifique sua resposta com frases completas, utilizando exemplos do texto.
Veja a resolução passo-a-passo dessa questão!
2. (UNICAMP):
O autoclismo da retrete
RIO DE JANEIRO – Em 1973, fui trabalhar numa revista brasileira editada em Lisboa. Logo no primeiro dia, tive uma amostra das deliciosas diferenças que nos separavam, a nós e aos portugueses, em matéria de língua. Houve um problema no banheiro da redação e eu disse à secretária: “Isabel, por favor, chame o bombeiro para consertar a descarga da privada.” Isabel franziu a testa e só entendeu as quatro primeiras palavras. Pelo visto, eu estava lhe pedindo que chamasse a Banda do Corpo de Bombeiros para das um concerto particular de marchas e dobrados na redação. Por sorte, um colega brasileiro, em Lisboa havia algum tempo e já escolado nos meandros da língua, traduziu o recado: “Isabel, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete.” E só então o belo rosto de Isabel se iluminou.
(Ruy Castro, Folha de S. Paulo.)
Em São Paulo, entende-se por “encanador” o que no Rio de Janeiro se entende por “bombeiro” e, em Lisboa, por “canalizador”. Isto permitiria afirmar que, em algum desses lugares, ocorre um uso equivocado da língua portuguesa? Justifique sua resposta.
Veja a resolução passo-a-passo dessa questão!
3. Uma reforma que viesse a uniformizar a ortografia da língua portuguesa em todos os países que a utilizam evitaria o problema de comunicação ocorrido entre o jornalista e a secretária. Você concorda com essa afirmação? Justifique.
Veja a resolução passo-a-passo dessa questão!
4. (ENEM): No romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, o vaqueiro Fabiano encontra-se com o patrão para receber o salário. Eis parte da cena:
Não se conformou: devia haver engano. (…) Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria?
O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não.
(RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2003.)
No fragmento transcrito, o padrão formal da linguagem convive com marcas de regionalismo e de coloquialismo no vocabulário. Pertence à variedade do padrão formal da linguagem o seguinte trecho:
a) “Não se conformou: devia haver engano.”
b) “e Fabiano perdeu os estribos.”
c) “Passar a vida inteira assim no toco.”
d) “entregando o que era dele de mão beijada!” e) “Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou.”
Veja a resolução passo-a-passo dessa questão!
5. (ENEM):
Óia eu aqui de novo xaxando
Óia eu aqui de novo pra xaxar
Vou mostrar pr’esses cabras
Que eu ainda dou no couro
Isso é um desaforo
Que eu não posso levar
Que eu aqui de novo cantando
Que eu aqui de novo xaxando
Óia eu aqui de novo mostrando
Como se deve xaxar.
Vem cá morena linda
Vestida de chita
Você é a mais bonita
Desse meu lugar
Vai, chama Maria, chama Luzia
Vai, chama Zabé, chama Raque
Diz que tou aqui com alegria.
(BARROS, A. Óia eu aqui de novo. Disponível em Acesso em 5 mai 2013)
A letra da canção de Antônio Barros manifesta aspectos do repertório linguístico e cultural do Brasil. O verso que singulariza uma forma do falar popular regional é:
a) “Isso é um desaforo”
b) “Diz que eu tou aqui com alegria”
c) “Vou mostrar pr’esses cabras”
d) “Vai, chama Maria, chama Luzia”
e) “Vem cá, morena linda, vestida de chita”
Veja a resolução passo-a-passo dessa questão!
GABARITO
1. O valor é negativo. Tal fato é percebido pela vergonha que a criança apresenta diante da variabilidade linguística empregada.
2. Não se trata de equívoco, mas de variações ou diferenças entre os dialetos do português falados em Portugal e nas cidades brasileiras mencionadas. No caso, as diferenças são lexicais, ou seja, dizem respeito ao vocabulário empregado e às variações regionais no sentido das palavras.
3. Não, pois a uniformização ortográfica não afeta as diferenças lexicais, que dizem respeito ao emprego do vocabulário e ao sentido das palavras.
4. A
5. C