É estranho ouvir falar que uma revolta eclodiu porque as pessoas não queriam se vacinar. Mas como toda boa história, o buraco é mais embaixo. Diferente do que se imagina, a rebelião possuía um caráter político, social e médico.
No início do século XX, a questão médica e sanitária no país era uma questão de polícia. Imagina alguém entrar na sua casa a força e te obrigar a tomar um medicamento que você nunca viu na sua vida? Vai dar caô, ou melhor, já deu. Vem que vem com tudo.
Contexto da revolta da vacina
O final do século XIX e o início do XX é particularmente agitado para o Brasil. Com a recém instaurada república, o governo procurava meios de modernizar o país enquanto consolidava o novo sistema político. O Rio de Janeiro era a capital do país e possuía três características principais naquele momento: era suja, doente e desorganizada.
Com esse pensamento, o Governo Federal inicia uma série de reformas modernizantes com a intenção de promover o país no exterior. As reformas urbanas foram promovidas por Pereira passos, o prefeito da cidade. Ela incluiu a expulsão da população mais pobre do centro da cidade e a demolição de cortiços.
Além disso, englobava o alargamento das ruas, visando construir uma “Paris tropical”. As políticas de urbanização também contemplavam uma reforma sanitarista que tinha o intuito de combater três principais doenças: a peste negra, a febre amarela e a varíola. Que não coincidentemente, eram as que mais acometiam os estrangeiros.
Classe Perigosa
As reformas sanitárias e urbanas encontraram como principal obstáculo a classe mais pobre. Classe essa, que era composta majoritariamente por ex-escravizados e brancos pobres. Com a retirada do centro do Rio de Janeiro, essa parcela da população começou a ocupar massivamente os morros.
O Instituto Soroterápico Federal (atual FIOCRUZ) ficou responsável pelas reformas sanitárias. A partir daí, Oswaldo Cruz, diretor da instituição, vai implantar a vacinação obrigatória para combater a varíola.
A classe trabalhadora foi vista como uma classe perigosa devido à alta possibilidade de contágio graças às condições em que eles viviam. Logo, a questão médica passa a ser uma questão policial. Os agentes de saúde começaram a invadir as casas das pessoas com o auxílio de força policial e vacinar obrigatoriamente a população.
Descontentamento popular
Ainda havia toda uma preocupação com relação a esses medicamentos. Muitas pessoas ao tomar tinham algum tipo de reação a vacina. A partir daí, muitos passaram a acreditar que Oswaldo Cruz fazia uma campanha para eliminar as classes mais pobres.
As medidas foram tomadas de forma autoritária, sem explicar e conscientizar a população sobre a importância da vacinação. Além disso, existiu uma forte campanha contra a vacina de diversos setores da população, inclusive entre os letrados.
Aliado as invasões as residências, a obrigatoriedade era feita através da cobrança do registro de vacinação. Escolas, empregos, casamentos e etc. passaram a exigir da população o comprovante de vacinação.
Envolvidos
A revolta foi composta por diversos grupos heterogêneos que manifestavam por um conjunto de coisas. Diversos estudantes participaram da movimentação contra a vacinação obrigatória, indo para as ruas junto à população mais pobre.
A imprensa também possuiu um papel importante ao insuflar a população com cada vez mais críticas a atuação de Oswaldo Cruz e companhia. Muitos militares, principalmente da Marinha, também atuaram no conflito com interesses políticos em derrubar o governo de Rodrigues Alves.
Um participante extremamente importante para o movimento foi o capoeirista e estivador conhecido popularmente como, Prata Preta. A atuação do líder negro no bairro da Saúde foi de suma importância para a resistência da revolta na região próxima da favela da Providência.
A Revolta
Em 10 de novembro de 1904 uma quantidade significativa de pessoas toma as ruas do Rio de Janeiro com o intuito de protestar contra a vacinação obrigatória. Contudo, a manifestação juntava uma série de insatisfações com as medidas autoritárias implementadas pela recente república.
Muito mais do que manifestar contra a vacina, a população vai para a rua porque estava sendo expulsa de suas casas com o movimento do bota-abaixo e sendo levadas a força para sanatórios. Os revoltosos promoveram uma série de quebra-quebra no centro da cidade.
Ocorreram vários focos de resistência com a construção de barricadas ao longo da cidade. O bairro da Saúde foi um dos principais locais que resistiu bravamente a investida do exército. E o líder Prata Preta, se tornou o maior símbolo de luta da região até os dias atuais.
Desfecho
Duramente repreendidos pelas tropas governamentais, o conflito durou apenas alguns dias. Ainda assim, o movimento teve um caráter letal com a morte de alguns manifestantes. Assim como, muitos foram presos e feridos durante os confrontos.
Outra medida tomada pelo governo foi a deportação dos revoltosos para o Estado do Acre, incluindo Prata Preta. Além disso, o presidente decretou o estado de sítio para combater a insatisfação popular e militar. O que facilitou a prisão e o castigo dos envolvidos no levante.
Consequências
Como resultado do conflito, removeu-se a obrigatoriedade da vacinação como forma de acalmar a população. Contudo, o Rio de Janeiro passou por uma nova epidemia da varíola apenas alguns anos depois. Após pacificar a capital, o governo retoma a campanha de vacinação contra a doença normalmente. Pouco tempo depois, a Varíola foi erradicada do país.
A revolta foi extremamente importante dentro do contexto, ela marcou a insatisfação da população com as reformas promovidas de forma autoritária e excludente. E mais importante ainda, ela mostra como o povo brasileiro é o agente ativo da sua própria história.
Curiosidades sobre a revolta da vacina
- O Rio de Janeiro era chamado de “cemitério dos estrangeiros” devido a quantidade de pessoas que morriam na cidade.
- Com o rumor de que a vacina era feita da mistura do pus com o sangue da vaca, a população começou a acreditar que se tomasse o medicamento poderia criar características bovinas.
- Existe alguns relatos de que os agentes de saúde eram acusados de atentado ao pudor por possivelmente terem que ver os braços e partes dos corpos das mulheres.
- Existiu uma Liga contra a Vacinação Obrigatória que atuou no conflito deflagrado em 1904.
- Atualmente existe um bloco de carnaval chamado Cordão do Prata Preta em homenagem ao líder do movimento contra a vacinação obrigatória.
- A Revolta da Vacina também é conhecida como “Quebra-Lampiões”.
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