1. (ENEM 2013)
TEXTO I
“Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto. Era necessária tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável”.
DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia. São Paulo, Abril Cultural, 1973 (adaptado).
TEXTO II
“É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela duvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria duvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida”.
SILVA, F.L.Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado).
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar a reconstrução radical do conhecimento deve-se:
a) Retomar o método da tradição para edificar a ciência com legitimidade.
b) Questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e concepções.
c) Investigar os conteúdos da consciência dos homens menos esclarecidos.
d) Buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e ultrapassados.
e) Encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser questionados.
GABARITO
1. B
E aí, povo meu, tudo em ordem? O tema de nossa monitoria dessa semana é um dos mais importantes filósofos de todos os tempos: o francês René Descartes. Dentre todas as questões que iremos solucionar juntos na monitoria, selecionei essa aqui, do ENEM, para que a gente possa estudar de maneira mais detalhada. Ela é uma questão bem interessante, pois trata de um tema muito importante para Descartes: o problema do método filosófico. Quer entender? Então, vem comigo!
Desde os primórdios da filosofia, desde que se iniciou a busca pela explicação racional da realidade como um todo, os filósofos sempre se viram obrigados a questionar se esse próprio projeto é possível, isto é, se é possível de fato conhecer as coisas tais como elas são. Surgiram, então, rapidamente dois tipos de postura: o dogmatismo e o ceticismo. No linguajar filosófico, dogmáticos são aqueles pensadores que acreditam que sim, há verdades absolutas e, portanto, é possível o conhecimento completamente certo da realidade. Os céticos, por sua vez, são aqueles que acreditam que não, não é possível um conhecimento absolutamente certo, afinal, toda verdade é relativa e pode ser posta em dúvida.
Ora, e o que torna Descartes um sujeito especial nessa história? É simples responder. Por um lado, nosso filósofo era totalmente avesso ao ceticismo. De fato, segundo ele, nenhum homem pode se sentir plenamente saciado enquanto não tiver posso de um conhecimento seguro, absolutamente certo. Por outro lado, Descartes conhecia bem a longa tradição de pensadores que haviam tentado estabelecer as bases do conhecimento, sem nunca entrarem em acordo. Diante desse impasse, o que pensar? A conclusão cartesiana foi de que o que faltava à filosofia era um método seguro e objetivo, capaz de encerrar a discussão.
O método proposto por Descartes, centro de todo o seu pensamento, foi o chamado método da dúvida. Segundo ele, se queremos chegar a um conhecimento completamente certo das coisas, devemos curiosamente estar dispostos a duvidar de todas as nossas crenças, a pôr em xeque todas as nossas convicções. Aquelas crenças que sobreviverem a toda dúvida mostrarão que são firmes, inabaláveis e, portanto, absolutas. Percebe a esperteza do rapaz? Se os céticos orgulhavam-se duvidar de tudo e não terem certeza alguma, Descartes espertamente usou a dúvida contra o próprio ceticismo. Duvidando radicalmente de tudo, tal como os céticos faziam, nosso filósofo procurou mostrar que o próprio ceticismo é impossível e fazer a justificação definitiva do dogmatismo. Com efeito, a partir do método da dúvida, Descartes construiu todo um sistema filosófico que, segundo ele, resolvia definitivamente os problemas da filosofia.
Tendo tudo isso em mente, não é difícil perceber porque o gabarito é a letra B. A letra A é falsa, pois Descartes não retoma a tradição, mas sim a questiona. A letra C é equivocada, pois Descartes põe em dúvida suas próprias crenças e não as dos outros. A letra D é falsa, pois duvidar de uma crença não é o mesmo que fingir que ela não existe e apagá-la da memória. Por fim, a letra E não serve, pois, para Descartes, a verdadeira evidência não dispensa a dúvida, mas vem justamente dela.