Tudo sobre variação linguística para você nunca mais esquecer e arrasar sempre 😀
Como é sabido, a língua é um instrumento de comunicação, já que é composta de regras gramaticais que possibilitam que determinado grupo de falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam comunicar-se e compreender-se. Assim, a língua, pertence a um conjunto de pessoas para que estas possam se comunicar, o que comprova seu caráter social.
Nesse sentido, sabe-se, por meio da Sociolinguística, que todas as línguas mudam. A cada situação de fala, cada falante recria a língua e cada um diz as coisas de determinada maneira, porque é daquela maneira que se costuma dizer. A língua está sempre sendo recriada e inovada, embora nem toda inovação seja mantida. De acordo com a perspectiva variacionista, toda mudança está ligada, necessariamente, à variação, ou seja, a mudança é gradual.
Dessa forma, as línguas são consideradas heterogêneas porque apresentam variações, assim como a sociedade também apresenta a heterogeneidade. Isso é explicado pelo ponto de partida da Sociolinguística ser a comunidade linguística, que é entendida como o conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos.
Durante o estudo de uma comunidade linguística, pode-se perceber a existência de diversidade ou variação no modo de falar. Estas maneiras diferentes de falar chamam-se variedades linguísticas, e ocorrem dentro de uma mesma comunidade de fala, pois pessoas de origem geográfica, de idade e de sexo diferentes falam distintamente e, assim, os falantes adquirem as variedades linguísticas.
É perceptível que a língua não é utilizada da mesma forma pelos falantes. Alguns fatores podem influenciar o emprego da língua, como a região geográfica, as identidades sociais, as situações sociais, os jargões profissionais, etc. Cada um deles gerará uma variação linguística diferente do idioma:
Variação diacrônica
A língua varia no tempo e essa variação passa a ser notada ao comparar dois estados de uma língua. O processo de mudança é gradual, ou seja, não acontece de repente.
Uma língua muda porque é falada segundo os costumes, a cultura, as tradições, a modernização tecnológica e o modo de viver da população, que estão sempre em constante processo de mudança devido ao tempo. Por isso, as mudanças da língua podem ser percebidas com o contato com pessoas de outras faixas etárias e com textos escritos ou falados de outras épocas.
O pronome tu, por exemplo, antigamente, era o único pronome de segunda pessoa do singular; entretanto, com o tempo, outras formas de tratamento surgiram, como Vossa Mercê e Vossa Majestade. A palavra “vossa mercê” se transformou sucessivamente em “vossemecê”, “vosmecê”, “vancê” e “você”. Além disso, ao longo do tempo, algumas palavras tiveram alteração na pronúncia, mas não na escrita, enquanto um mesmo som pode ser apresentado com diferentes representações.
Variação diatópica
A língua varia no espaço pois pode ser empregada diferentemente dependendo do local em que o indivíduo está. A variação diatópica diz respeito justamente às diferenças linguísticas que podem ser vistas em falantes de lugares geográficos diferentes. Por isso, é mais observada em locais diferentes mas com falantes da mesma língua.
A macaxeira, por exemplo, muito consumida no Norte e no Nordeste, é chamada de aipim ou mandioca no Sudeste. Outro exemplo é a palavra “mexerica”, que, em algumas regiões, é conhecida como “bergamota” e, em outras, como “tangerina”. No entanto, essa variação não se trata apenas de uma variação no léxico: questões fonéticas e gramaticais também são amplamente consideradas. No que se refere à sintaxe, nota-se que é grande a recorrência de alguns termos sintáticos, como, por exemplo, “vou não” em vez de “não vou” e “é não” em vez de “não é”.
São diversos os exemplos desse tipo de variação. Muitos deles são apropriados pelas diferentes regiões, tratando-se apenas de variações bem-conhecidas. No entanto, há casos de desconhecimento e dificuldade de comunicação devido à divergência dos termos para um mesmo significado.
Variação diastrática
A língua varia de acordo com fatores sociais. A variação social está relacionada a fatores como faixa etária, grau de escolaridade e grupo profissional e é marcada pelas gírias, jargões e pelo linguajar singelo, já que são aspectos característicos de certos grupos.
Fator etário
A idade dos participantes da comunicação é um dado relevante, já que, a partir dela, serão feitas escolhas linguísticas diferentes. Isso é visível na comparação entre um jovem e uma pessoa mais velha, em que cada um usará vocábulos mais comuns à sua geração.
Fator da escolaridade
Este fator se liga a uma categoria essencial, que é a educação. Na escola, aprende-se a usar a língua em situações formais de acordo com a “norma padrão” ou “norma culta”. Esta norma está ligada ao conjunto de usos e costumes linguísticos que rege qualquer língua e é tão indispensável quanto as variações linguísticas: se na fala escolhe-se um vocabulário coloquial, menos preocupado com as regras gramaticais, na escrita deve-se optar pela linguagem padrão, pois um texto repleto de expressões informais pode não ser acessível para todos os tipos de leitores.
Fator profissional
Cada grupo profissional possui um conjunto de nomes e expressões que se ligam à atividade desempenhada; ou seja, essa fator trata do jargão típico de cada área. O campo do Direito, por exemplo, utiliza palavras relacionadas a leis, a artigos e a determinados documentos, assim como a área da Medicina utiliza um vocabulário que apenas os médicos são capazes de entender.
Variação diafásica
A língua varia de acordo com o contexto comunicativo, isto é, a ocasião determina o modo de falar, que pode ser formal ou informal. Esta variação, portanto, refere-se ao registro empregado pelo falante em determinado contexto interacional, ou seja, depende da situação em que a pessoa está inserida.
Em uma palestra, por exemplo, um professor deve utilizar a linguagem formal, isto é, aquela que respeita as regras gramaticais da norma padrão. Por outro lado, em uma conversa com os amigos, esse mesmo professor pode se expressar de forma mais natural e espontânea, sem a obrigação de refletir sobre a utilização da língua de acordo com a norma culta. Nesse mesmo sentido, deve-se reforçar que a linguagem usada na internet e em um texto formal deve ser diferenciada: enquanto, na internet, é permitido o uso de abreviações e o uso de “pra” no lugar de “para”, em uma redação, isso é proibido, uma vez que é um texto que exige a norma culta da língua.
Exercícios
1) (ENEM 2009) Serafim da Silva Neto defendia a tese da unidade da língua portuguesa no Brasil, entrevendo que no Brasil as delimitações dialetais espaciais não eram tão marcadas como as isoglossas1 da România Antiga. Mas Paul Teyssier, na sua História da Língua Portuguesa, reconhece que na diversidade socioletal essa pretensa unidade se desfaz. Diz Teyssier: “A realidade, porém, é que as divisões ‘dialetais’ no Brasil são menos geográficas que socioculturais. As diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distantes uma da outra.”
SILVA, R. V. M. O português brasileiro e o português europeu contemporâneo: alguns aspectos da diferença. Disponível em: www.uniroma.it. Acesso em: 23 jun. 2008.
1 isoglossa – linha imaginária que, em um mapa, une os pontos de ocorrência de traços e fenômenos linguísticos idênticos.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
De acordo com as informações presentes no texto, os pontos de vista de Serafim da Silva Neto e de Paul Teyssier convergem em relação
a) à influência dos aspectos socioculturais nas diferenças dos falares entre indivíduos, pois ambos consideram que pessoas de mesmo nível sociocultural falam de forma semelhante.
b) à delimitação dialetal no Brasil assemelhar-se ao que ocorria na România Antiga, pois ambos consideram a variação linguística no Brasil como decorrente de aspectos geográficos.
c) à variação sociocultural entre brasileiros de diferentes regiões, pois ambos consideram o fator sociocultural de bastante peso na constituição das variedades linguísticas no Brasil.
d) à diversidade da língua portuguesa na România Antiga, que até hoje continua a existir, manifestando-se nas variantes linguísticas do português atual no Brasil.
e) à existência de delimitações dialetais geográficas pouco marcadas no Brasil, embora cada um enfatize aspectos diferentes da questão.
2) (ENEM 2014)
Óia eu aqui de novo xaxando
Óia eu aqui de novo pra xaxar
Vou mostrar pr’esses cabras
Que eu ainda dou no couro
Isso é um desaforo
Que eu não posso levar
Que eu aqui de novo cantando
Que eu aqui de novo xaxando
Óia eu aqui de novo mostrando
Como se deve xaxar.
Vem cá morena linda
Vestida de chita
Você é a mais bonita
Desse meu lugar
Vai, chama Maria, chama Luzia
Vai, chama Zabé, chama Raque
Diz que tou aqui com alegria.
(BARROS, A. Óia eu aqui de novo. Disponível em: www.luizluagonzaga.mus.br. Acesso em: 5 mai. 2013.)
A letra da canção de Antônio Barros manifesta aspectos do repertório linguístico e cultural do Brasil. O verso que singulariza uma forma do falar popular regional é
a) “Isso é um desaforo”
b) “Diz que eu tou aqui com alegria”
c) “Vou mostrar pr’esses cabras”
d) “Vai, chama Maria, chama Luzia”
e) “Vem cá, morena linda, vestida de chita”
3) (ENEM 2011)
Motivadas ou não historicamente, normas prestigiadas ou estigmatizadas pela comunidade sobrepõem-se ao longo do território, seja numa relação de oposição, seja de complementaridade, sem, contudo, anular a interseção de usos que configuram uma norma nacional distinta da do português europeu. Ao focalizar essa ao longo do território, seja numa relação de oposição, seja de complementaridade, sem, contudo, anular a interseção de usos que configuram uma norma nacional distinta da do português europeu. Ao focalizar essa a pensar na bifurcação das variantes continentais, ora em consequência de mudanças ocorridas no Brasil, ora em Portugal, ora, ainda, em ambos os territórios. CALLOU, D. Gramática, variação e normas.
In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. (orgs). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007 (adaptado).O português do Brasil não é uma língua uniforme.
A variação linguística é um fenômeno natural, ao qual todas as línguas estão sujeitas. Ao considerar as variedades linguísticas, o texto mostra que as normas podem ser aprovadas ou condenadas socialmente, chamando a atenção do leitor para
a) desconsideração da existência das normas populares pelos falantes da norma culta.
b) difusão do português de Portugal em todas as regiões do Brasil só a partir do século XVIII.
c) existência de usos da língua que caracterizam uma norma nacional do Brasil, distinta da de Portugal.
d) inexistência de normas cultas locais e populares ou vernáculas em um determinado país.
e) necessidade de se rejeitar a ideia de que os usos frequentes de uma língua devem ser aceitos.
4) (ENEM 2012) A substituição do haver por ter em construções existenciais, no português do Brasil, corresponde a um dos processos mais característicos da história da língua portuguesa, paralelo ao que já ocorrera em relação à ampliação do domínio de ter na área semântica de “posse”, no final da fase arcaica. Mattos e Silva (2001:136) analisa as vitórias de ter sobre haver e discute a emergência de ter existencial, tomando por base a obra pedagógica de João de Barros. Em textos escritos nos anos quarenta e cinquenta do século XVI, encontram-se evidências, embora raras, tanto de ter “existencial”, não mencionado pelos clássicos estudos de sintaxe histórica, quanto de haver como verbo existencial com concordância, lembrado por Ivo Castro, e anotado como “novidade” no século XVIII por Said Ali. Como se vê, nada é categórico e um purismo estreito só revela um conhecimento deficiente da língua. Há mais perguntas que respostas. Pode-se conceber uma norma única e prescritiva? É válido confundir o bom uso e a norma com a própria língua e dessa forma fazer uma avaliação crítica e hierarquizante de outros usos e, através deles, dos usuários? Substitui-se uma norma por outra?
CALLOU, D. A propósito de norma, correção e preconceito linguístico: do presente para o passado. In: Cadernos de Letras da UFF, n. 36, 2008. Disponível em: www.uff.br. Acesso em: 26 fev. 2012 (adaptado).
Para a autora, a substituição de “haver” por “ter” em diferentes contextos evidencia que
a) o estabelecimento de uma norma prescinde de uma pesquisa histórica.
b) os estudos clássicos de sintaxe histórica enfatizam a variação e a mudança na língua.
c) a avaliação crítica e hierarquizante dos usos da língua fundamenta a definição da norma.
d) a adoção de uma única norma revela uma atitude adequada para os estudos linguísticos.
e) os comportamentos puristas são prejudiciais à compreensão da constituição linguística.
5) (ENEM 2012)
TEXTO I
Antigamente
Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua, nem escapulia do mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos. Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete, depois de fintar e engambelar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.
ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983 (fragmento).
TEXTO II
Na leitura do fragmento do texto Antigamente constata-se, pelo emprego de palavras obsoletas, que itens lexicais outrora produtivos não mais o são no português brasileiro atual. Esse fenômeno revela que
a) a língua portuguesa de antigamente carecia de termos para se referir a fatos e coisas do cotidiano.
b) o português brasileiro se constitui evitando a ampliação do léxico proveniente do português europeu.
c) a heterogeneidade do português leva a uma estabilidade do seu léxico no eixo temporal.
d) o português brasileiro apoia-se no léxico inglês para ser reconhecido como língua independente.
e) o léxico do português representa uma realidade linguística variável e diversificada.
GABARITO
1) C
2) E
3) C
4) E
5) E