Quer saber mais sobre a Literatura Contemporânea brasileira? Confira este resumo e se prepare para arrasar na sua prova de literatura!
A literatura da primeira década do século XXI está diretamente ligada às tendências que se formaram na segunda metade do século XX. Metalinguagem, experimentalismo formal, engajamento social, mistura de tendências estéticas são alguns dos traços que marcam a produção contemporânea.
A poesia
O crítico Manuel da Costa Pinto avalia assim o atual quadro da poesia brasileira:
“Existem duas ideias sobre a poesia brasileira que são consensuais, a ponto de terem virado lugares-comuns. A primeira diz que um de seus traços dominantes é o diálogo cerrado com a tradição. Mas não qualquer tradição. O marco zero, por assim dizer, seria a poesia que emergiu com a Semana de Arte Moderna de 22. A segunda ideia, decorrente da primeira, é que essa linhagem modernista se bifurca em dois eixos principais: uma vertente mais lírica, subjetiva, articulada em torno de Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade; e outra mais objetiva, experimental, formalista, representada por Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto e a poesia concreta.”
(Literatura brasileira hoje. São Paulo: Publifolha, 2004. p. 14)
Leitura
Você vai ler a seguir quatro poemas representativos de algumas das tendências da produção poética brasileira das últimas décadas. O texto I é de autoria de Décio Pignatari e faz parte do Concretismo, movimento poético que surgiu na década de 1950; o texto II é de Ferreira Gullar, poeta contemporâneo que se destacou na poesia social; o texto III é de Paulo Leminski, poeta que fez parte da poesia marginal dos anos 1970; e o texto IV é de Arnaldo Antunes, poeta e compositor da atualidade. Leia e compare os textos.
Texto I
(Décio Pignatari, Poesia concreta. São Paulo: Abril Educação, 1982. Literatura Comentada)
Texto II
(Ferreira Gullar. Dentro da noite veloz & Poema sujo. São Paulo: Círculo do Livro. s.d, p. 55)
Texto III
(Paulo Leminski. In: Fred Góes e Álvaro Marins, orgs. Melhores poemas de Paulo Leminski. 4. ed. São Paulo: Global, 1999, p. 87)
Texto IV
(Arnaldo Antunes e Márcia Leite Xavier. Et Eu Tu. São Paulo: Cosac Naify, 2003. www.arnaldoantunes.com.br/?sec=livro&id=10)
Da poesia visual à poesia digital
Com a ruptura do verso linear e convencional, as possibilidades da poesia se multiplicam. Primeiramente, ela passa a contar com recursos como cores, formas e texturas dos materiais, misturando-se às artes visuais. Além disso, ela ganha também diferentes meios e suportes, como o cartaz, o panfleto, as paredes, os muros, o disco e as telas do computador. Hoje, com a internet, as possibilidades da poesia se ampliam ainda mais: palavra, cor, som, forma, movimento, textura, tudo participa da aventura inesgotável da palavra.
O Concretismo: o poema-ícone
“Em virtude da influência que exerceu e ainda exerce sobre sucessivos grupos de poetas, artistas plásticos e músicos, o Concretismo provavelmente foi, da década de 1950 até os nossos dias, a principal corrente de vanguarda em nossa literatura.
O movimento, iniciado em 1956, teve a liderança de três poetas paulistas: Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. Como porta-voz de suas ideias, o grupo criou a revista Noigandres.
Os poetas concretos, a exemplo de João Cabral de Melo Neto, pregam o fim da poesia intimista e o desaparecimento do eu lírico, além de uma concepção poética baseada na geometrização e visualização da linguagem.
Para isso, retomam certos procedimentos adotados pelas correntes de vanguarda do começo do século XX, como o Futurismo e o Cubismo, e dão continuidade a certas experiências formais já feitas por Murilo Mendes, Drummond e João Cabral de Melo Neto.
Rompendo com a estrutura discursiva do verso tradicional, os concretistas procuram valer-se de materiais gráficos e visuais e criar uma poesia urbana, capaz de captar e transmitir a realidade das grandes cidades, com seus anúncios propagandísticos, outdoors e neon.
Os recursos da poesia concretista são os mais variados; vão de experiências sonoras, com aliterações e paronomásias, até o emprego de caracteres tipográficos de diferentes formas e tamanhos, da diagramação do texto na página até a criação de neologismos. O poema assume a forma de cartaz, de cartão, de anúncio, de dobradura, de fotografia, de colagem, enfim, a forma de um objeto qualquer da produção industrial. E o poeta se transforma num artista gráfico, num artesão sintonizado com o seu tempo. Observe a seguir.”(Literatura Brasileira: em diálogo com outras literaturas e outras linguagens. / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. 4 ed. reform. São Paulo: Atual, 2009)
O Concretismo teve vários desdobramentos, como o surgimento do Neoconcretismo, no Rio de Janeiro, com a participação de poetas e artistas plásticos como Ferreira Gullar, Amílcar de Castro, Frans Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark e outros. Dele se originaram ainda outros movimentos, como o do poema-processo, liderado por Wladimir Dias Pino, e o da poesia-práxis, liderado por Mário Chamie.
O contexto dos anos 1950-1960
O Brasil viveu da década de 1950 até 1964 um período de euforia política e econômica. Essa foi a época do governo democrático-populista de Juscelino Kubistchek (1956-1961), que empreendeu uma eficiente política econômica industrial e desenvolvimentista.
A aplicação do Plano de Metas do governo, concebido para permitir que o Brasil se desenvolvesse “cinquenta anos em cinco”, levou à abertura do país ao capital estrangeiro, que aqui instalou suas indústrias, aproveitando-se de nossa mão de obra barata. A construção de Brasília, a geração de novos empregos na indústria e no comércio, a ampliação do consumo, tudo isso criou uma atmosfera ingênua de euforia entre as pessoas. No plano internacional, a vitória da Revolução Cubana fez surgir a discussão sobre as relações de força entre as grandes nações e aguçou nos países do Terceiro Mundo a consciência da necessidade de independência em relação aos Estados Unidos e à União Soviética.
A cultura brasileira acompanhava o ritmo das mudanças. Novas ideias surgiram nos diferentes domínios da arte, com a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Teatro de Arena, as vanguardas concretas na poesia e nas artes plásticas, os festivais de música transmitidos pela televisão.
Após 1964, quando se iniciou o regime militar, a atividade cultural do país se manteve dinâmica ainda por mais alguns anos. Surgiu o Teatro Oficina, que encenou O rei da vela, de Oswald de Andrade; foram criados as CPCs (Centros Populares de Cultura), que visavam levar cultura para as ruas; o Tropicalismo ganhou as rádios e a televisão. Esse período efervescente teve fim com a decretação do AI-5, em 1968, o exílio de políticos e artistas e a instituição de uma censura prévia a eventos culturais.
Ferreira Gullar e Thiago de Mello: cantos de luta e de solidariedade
O poeta maranhense Ferreira Gullar (1930) e o poeta amazonense Thiago de Mello (1926) são os principais representantes da poesia social e engajada que se fez no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, no contexto do Regime Militar e das ditaduras latino-americanas em geral. Ambos deixaram seus Estados para viver no Rio de Janeiro durante a efervescência cultural carioca dos anos 1950. Trilharam, entretanto, caminhos diferentes.
Ferreira Gullar participou da primeira exposição de poesia concreta, em 1956, e depois do grupo neoconcreto carioca. É dessa fase, por exemplo, o poema a seguir , que integra o livro “Poemas concretos/neoconcretos”.
(Toda poesia. São Paulo: Círculo do Livro, p. 163)
Pouco antes de 1964, Gullar rompeu com a poesia concreta e, retomando o verso discursivo, passou a abordar temas de interesse social, como a Guerra Fria, a corrida atômica, o neocapitalismo, o Terceiro Mundo etc.
Com a implantação do regime militar no Brasil, em 1964, e o recrudescimento do autoritarismo político em 1968, acentuou-se o engajamento do autor, que, ao lado de outros escritores, artistas e compositores, como Antônio Callado, José J. Veiga, Gianfrancesco Guarnieri e Chico Buarque de Hollanda, realizou a partir de então uma verdadeira poesia de resistência. São desse período as principais realizações de Ferreira Gullar: “Dentro da noite veloz” (1975) e “Poema sujo” (1976), o último dos quais escrito no exílio, em Buenos Aires. Em 1999, depois de doze anos sem publicar poesia, Gullar surpreende com outro importante livro, “Muitas vozes”.
Ferreira Gullar tem contribuições à cultura brasileira ainda nos domínios da dramaturgia e da ensaística, em que se destaca a peça “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, feita em parceria com Oduvaldo Viana Filho, e o ensaio “Vanguarda e subdesenvolvimento” (1969), sobre sociologia da arte. Também vem se firmando no campo da literatura infantil e juvenil, com obras como “Um gato chamado gatinho” e “O touro encantado”, entre outras.
Com a morte de João Cabral de Melo Neto, em 1999, Ferreira Gullar vem sendo apontado por alguns críticos como o mais importante poeta brasileiro da atualidade. Veja um exemplo de sua melhor poesia social:
Thiago de Mello publicou seu primeiro livro, “Palavra e silêncio”, em 1951. Foi adido cultural da embaixada do Brasil no Chile, onde desenvolveu longa amizade com o poeta chileno Pablo Neruda, tornando-se um de seus tradutores. Durante o regime militar – período em que chegou a ser preso e exilado – escreveu alguns livros que o tornaram definitivamente consagrado, como “Faz escuro mas eu conto” (1965) e “Poesia comprometida com a minha e a tua vida” (1975).
Sua obra mais popular, entretanto, é “Os estatutos do homem”, traduzida para várias línguas e conhecida internacionalmente. Publicou muitos outros livros de poesia – dentre eles, “Campo de milagres”, vencedor do Prêmio Jabuti em 1991. Os traços principais de sua poesia são a luta contra a opressão, o amor à terra e à Amazônia, o sentimento de alteridade, a solidariedade aos oprimidos, a alegria de viver. Veja, como exemplo, um fragmento do poema “Os estatutos do homem”:
(Os Estatutos do Homem – Ato Institucional Permanente, Thiago de Mello)
“Escrevo sobre o silêncio sonoro da floresta ou sobre a menina que dorme com fome. Sobre as ancas da moça que passa ou sobre o milagre do telescópio que fotografou a luz fossilizada dos primeiros estilhaços do big-bang. Sobre a dor dos deserdados e a esperança de quem tem fé.”
(Thiago Melo, em entrevista a Fabrício Carpinejar. www.palavrarte.com/Entrevistas/entrev_carpinejar_thiagodemello.htm)
O contexto dos anos 1970-1980
Com a decretação do AI-5, em 1969, a década de 1970 foi fortemente marcada pelo endurecimento político do regime militar, que se manifestou sob a forma de prisões, exílios e censura aos meios de comunicação. Com exceção do movimento da poesia marginal, de modo geral, a década de 1970 caracterizou-se pela dispersão na literatura e nas artes. Por isso, acreditava-se que, com o fim da censura, grandes obras literárias viriam à tona.
Entretanto, com o fim do regime militar, em 1985, isso não aconteceu. Os grandes escritores continuaram sendo aqueles já consagrados, como Drummond, João Cabral e os concretistas, ao lado de outros que haviam despontado décadas antes e que então se firmaram, como Lygia Fagundes Telles, Osman Lins e Mário Quintana. Verificou-se também o aparecimento de uma vasta geração de novos poetas e prosadores, porém, sem que houvesse entre eles um projeto literário comum.
Da poesia marginal aos nossos dias
As últimas produções literárias em nossa literatura, da década de 1970 até o início do século XXI, não receberam ainda um estudo mais aprofundado e sistematizado por parte dos historiadores e críticos literários. Isso se deve a duas razões centrais: de um lado, a falta de distanciamento histórico, que permita um enfoque mais abrangente e crítico; de outro, a dúvida sobre a qualidade dessa produção, em virtude das condições históricas de censura e repressão cultural em que parte dela foi concebida.
O poeta da década de 1970, principalmente o poeta social, tinha poucas opções diante do controle da censura: utilizar uma linguagem indireta, metafórica, e publicar nos meios editoriais convencionais, ou driblar a censura e cuidar ele mesmo da produção, divulgação e distribuição de seu trabalho.
Os que trilharam esse último caminho foram chamados de “poetas marginais” e se empenharam na criação de revistas e jornais literários, folhetos mimeografados, pôsteres poéticos, cartazes, caixas de poemas, antologias impressas em pequenas gráficas. Até uma “chuva de poesia” foi produzida em dezembro de 1980: partindo do alto do edifício Itália, papéis impressos tomaram os céus de São Paulo.
Um novo perfil de poeta começou a surgir. Deixando de ser um produtor cultural solitário, o poeta foi para as ruas, para os bares, para as portas de cinemas e teatros, onde expunha seu trabalho em forma de declamações, happenings e shows musicais e promovia sua venda diretamente ao consumidor.
Nos dias atuais, cresce o interesse dos poetas pela música popular, em razão de sua penetração mais eficaz junto ao grande público. Wally Salomão, Capinam, Cacaso, Paulo Leminski e Antônio Cícero, por exemplo, são coautores de composições que fizeram sucesso no rádio e na tevê, enquanto compositores como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Fernando Brandt, Beto Guedes, Djavan, Zeca Baleiro e Lenine apresentam nas letras de suas canções certa sofisticação que as aproxima do literário.
O número de poetas é imenso. Além dos já citados e do tropicalista Torquato Neto, que se suicidou em 1972, destacam-se, entre outros, Ana Cristina César, Charles, Chacal, Alex Polari, Ulisses Tavares, Nicolas Behr, Francisco Alvim, Roberto Piva, Alice Ruiz, Adélia Prado, Sebastião Uchoa Leite, Affonso Ávilla e Hilda Hilst.
A produção desse período conta com várias tendências, que vão desde as que têm influência dos modernistas de 1922 (Bandeira e Oswald, principalmente), de Drummond e Cabral, às que se ligam ao Concretismo, ainda vivo e atuante. O poema-pílula a seguir, de Alice Ruiz, por exemplo, lembra os de Oswald de Andrade.
(In: Poesia jovem – Anos 70. São Paulo: Nova Cultural, 1982. Literatura Comentada)
De modo geral, o que caracteriza a produção poética realizada entre os anos 1970 e 1980 é o experimentalismo, a recuperação da oralidade, a preocupação ideológica, a irreverência e o formalismo. Dos anos 1990 até o momento atual, surge um novo grupo de escritores, influenciados tanto pelos poetas dos anos 1970 quanto pelas grandes referências do passado: Bandeira, Drummond, Cabral.
Segundo o crítico Manuel da Costa Pinto, o que tem caracterizado a produção desse período (embora essa tendência não abranja exatamente todos os poetas) é uma preocupação teórica e metalinguística, o rigor construtivo e a precisão léxica. Diz o crítico:
“(…) a atenção aos componentes estruturais da palavra poética não é privilégio dos concretos e consolida uma visão, essencialmente moderna, da poesia como artefato no qual os outros componentes (subjetivos, sociais, religiosos etc) estão subordinados ao trabalho da forma.”
(Literatura brasileira hoje, cit., p. 15)
A literatura na era da tecnologia digital
O poeta e compositor Arnaldo Antunes comenta sobre o assunto:
“Quando a cultura de massas não estava tão incorporada, essas coisas [erudito e popular] eram mais separadas. Literatura era uma coisa, música outra, música popular uma terceira, a arte era considerada representação da realidade. Muito disso foi posto de lado pelas vanguardas do século 20, pela modernidade em geral, e chegou à nossa época, com a tecnologia digital, a um trânsito muito mais fluente entre as linguagens, o que permite que os repertórios se misturem mais.”
(Revista Língua Portuguesa, nº 13)
Entre os poetas da atualidade, destacam-se: Carlito Azevedo, Nelson Ascher, Age de Carvalho, Arnaldo Antunes, Glauco Mattoso, Fernando Paixão, Frederico Barbosa, Antônio Risério e Fabrício Carpinejar.
Adélia Prado: fogo de Deus em Divinópolis
A poeta e prosadora Adélia Prado (1935) nasceu em Divinópolis (MG) e estreou na literatura em 1975, com o livro de poemas “Bagagem”. Sobre a escritora, comentou Carlos Drummond de Andrade: “Adélia é lírica, bíblica, existencial […] Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis”.
Seus poemas, contos e romances registram o cotidiano das pequenas cidades interioranas, com fortes manifestações de religiosidade. Segundo o crítico Manuel da Costa Pinto:
“Adélia Prado criou uma espécie de ‘círculo virtuoso’: o fervor religioso conduz a uma feliz resignação, de matiz católica (“dor não é amargura”), e o recolhimento na vida conjugal e na comunidade da província constitui uma aprendizagem do efêmero contra o pano de fundo do ‘esplêndido caos’ da Criação.”
(Op. cit., p. 31.)
Paulo Leminski: poeta transcultural
O curitibano Paulo Leminski (1944-1989) foi poeta, prosador, compositor, tradutor e ensaísta. Destacou-se como um dos principais poetas brasileiros entre os anos 1970-80. Veja o comentário feito pela crítica Leyla Perrone-Moisés por ocasião da morte do poeta:
“Como outros poetas, ele encontrou no haicai o humor e a imagem, a economia verbal e a objetividade, qualidades que, segundo Octavio Paz, são também os elementos centrais da poesia moderna.
Leminski era transcultural: polonês, caboclo e “japonês”, malandro e samurai, provinciano e internacional. Jogava na várzea e falava latim. Eclético e autodidata, era o mais brasileiro dos poetas, talvez o discípulo mais fiel deixado pelo Oswald pau-brasil: ‘a palmeira estremece / palmas para ela / que ela merece’.”(www.usp.br/revistausp/n3/leyla.html)
A prosa
A ficção brasileira a partir da década de 1960 consolida a tendência, já apontada pela geração de 1940-50, de abandonar a abordagem realista. A visão de um mundo complexo e fragmentado manifestou-se na prosa de ficção com a ruptura da narrativa linear e totalizante e com a construção de uma narração desordenada, fragmentária, sem um foco narrativo claramente definido.
Nesse período, a crônica e o conto, mais do que a poesia, ganharam novos representantes. A crônica é amplamente difundida em jornais e revistas semanais, revelando ou confirmando autores como Luís Fernando Veríssimo, Jô Soares, Marcos Rey, Walcyr Carrasco, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Mário Prata, entre outros. O romance desdobra-se em diferentes linhas, como o romance policial, o psicológico, o histórico e o memorialista.
Comenta o crítico Manuel da Costa Pinto a respeito da ficção mais recente:
“A ficção brasileira contemporânea está concentrada em solo urbano. E, assim como acontece com as grandes metrópoles, é difícil encontrar um eixo que a defina. Não existe homogeneidade de estilos, no máximo uma afinidade temática – que, às vezes, pode ser surpreendente. Assim, se os autores da chamada Geração 90 frequentam os mesmos lugares inóspitos que os escritores da periferia – ruas deterioradas, botecos esquálidos, casas traumatizadas pelo desemprego, pela violência e pela loucura –, há uma percepção geral do isolamento e da vulnerabilidade do sujeito moderno (e urbano). Essa percepção pode tomar a forma dos fragmentos de Dalton Trevisan, das narrativas ‘instáveis’ de Bernardo Carvalho e Chico Buarque ou dos nomadismos de João Gilberto Noll. Em todos eles, permanece como experiência de fundo o desenraizamento proporcionado pela cidade.”
(Op. cit., p. 82)
Luís Fernando Veríssimo
Filho de Érico Veríssimo, o escritor Luís Fernando Veríssimo (1936) é um dos autores brasileiros mais lidos nos últimos tempos. Consagrou-se como cronista explorando com muito humor temas do cotidiano, o relacionamento amoroso, a culinária, a política, o comportamento de gerações, a desigualdade social etc.
Autor de obras como “O analista de Bagé” (1981) e “Comédias da vida privada” (1994), Veríssimo é, segundo o crítico Manuel da Costa Pinto, “o grande retratista dos absurdos e das irrealidades de nossa realidade cotidiana.”
A crônica
A crônica tem assumido, na literatura brasileira, um papel cada vez mais relevante, destacando-se como gênero literário mais lido pelo grande público. Veiculada geralmente em jornais diários ou em revistas periódicas, a crônica foi aos poucos abandonando o caráter exclusivamente jornalístico, voltado apenas para os fatos ocorridos no dia a dia, e penetrando lentamente o universo da ficção.
Hoje, o gênero é diversificado, apresentando feições que vão do comentário do fato jornalístico à ficção, do humor à crítica social, da reflexão filosófica à defesa de ideias, mas tendo sempre como base um olhar crítico sobre a vida presente e cotidiana.
Entre os cronistas da atualidade, destacam-se: Fernando Sabino, Luís Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Fernando Bonassi, Affonso Romano de Sant’Anna, Walcyr Carrasco e Mário Prata.
Carlos Heitor Cony
O escritor carioca Carlos Heitor Cony (1926) é jornalista, cronista, contista, romancista e tradutor. A primeira obra literária que publicou, “O ventre” (1956), é um romance existencialista. Durante o regime militar, chegou a ser preso e censurado. Escreveu, entre outras obras, os romances “O piano e a orquestra” (1996), “O indigitado” (2001) e “O harém das bananeiras” (2001). Membro da Academia Brasileira de Letras, atualmente vem escrevendo crônicas em jornais diários.
O conto
Coma estética modernista, o conto foi submetido a radicais transformações, sendo uma delas o enriquecimento temático proporcionado pela contribuição da literatura regionalista. Do ponto de vista técnico, o relato objetivo e linear, com sua estrutura de começo, meio e fim, e a narrativa mantida pelo suspense deu pouco a pouco lugar à simples evocação, ao instantâneo fotográfico, aos episódios ricos de sugestão, aos flagrantes de atmosferas intensamente poéticas, aos casos densos de significação humana.
São representantes do gênero, entre outros, Lygia Fagundes Telles, Homero Homem, Osman Lins, Murilo Rubião, Autran Dourado, Moacyr Scliar, Otto Lara Rezende, Samuel Rawet, Dalton Trevisan, José J. Veiga, Nélida Piñon, Rubem Fonseca, João Antônio, Domingos Pelegrini Jr., Ricardo Ramos, Marina Colasanti, Luiz Vilela, Ivan Ângelo, Hilda Hilst, Ignácio de Loyola Brandão, Sérgio Sant’Anna, Milton Hatoum, Modesto Carone, Wander Piroli, Caio Fernando Abreu e Antônio Carlos Viana.
O romance
Em linhas gerais, o romance contemporâneo seguiu direções tradicionais de nossa ficção – a regionalista e a psicológica –, enriquecendo-a, diversificando-a, inovando-a, através da adoção de novos temas, como a violência urbana; ou por uma abordagem mais realista e crua de temas já gastos; ou pela introdução de personagens dos chamados grupos marginalizados; ou pela incorporação do fantástico, do simbólico, do absurdo; ou pelo uso de técnicas originárias do novo romance francês e da linguagem cinematográfica e pictórica.
A ficção documentária urbano-social, que retrata problemas da pequena burguesia, do proletariado e da luta de classes, se faz presente nas obras de autores como José Condé (“Um ramo para Luísa”), Carlos Heitor Cony e Antônio Olavo Pereira (“Marcoré”).
A ficção regionalista, que focaliza o homem no ambiente das zonas rurais, com seus problemas geográficos e sociais, é representada por romancistas como Mário Palmério (“Vila dos Confins”, “Chapadão do Bugre”), José Cândido de Carvalho (“O coronel e o lobisomem”), Bernardo Élis (“O tronco”), Herberto Sales (“Além dos Maribus”), Márcio de Souza (“Galvez, imperador do Acre”), Antônio Callado (“Quarup”), Geraldo Ferraz (“Doramundo”) e Francisco Dantas (“Os desvalidos”).
A ficção intimista desenvolve-se no sentido da indagação interior, da introspecção psicológica, dos problemas da alma, do destino, da consciência, da conduta da personalidade humana diante de si mesma ou diante dos outros homens. Preocupa-se com problemas psicológicos, religiosos, morais, metafísicos, mas também com os de convivência. Enfatiza a vida urbana, aliando-se à introspecção e análise de costumes. Entre outros, integram essa linha: Autran Dourado (“A barca dos homens”, “Ópera dos mortos”, “O risco no bordado”), Aníbal Machado (“João Ternura”), Lygia Fagundes Telles (“Ciranda de pedra”, “As meninas”), Fernando Sabino (“O encontro marcado”), Adonias Filho (“Memórias de Lázaro”, “Corpo vivo”), Josué Montello (“Os degraus do paraíso”, “Noite sobre Alcântara”), Lya Luft (“Reunião de família”, “As parceiras”), Chico Buarque (“Estorvo”, “Budapeste”), Carlos Heitor Cony, João Gilberto Noll (“Hotel Atlântico”), Caio Fernando Abreu, Bernardo Carvalho (“Mongólia”), Cristóvão Tezza (“Uma noite em Curitiba”, “Trapo”, “O filho eterno”), Carola Saavedra (“Toda terça”), Letícia Wierzchowski (“A casa das sete mulheres”) e Luís Rufatto (coleção “Inferno provisório”).
Há ainda a mencionar inúmeros outros autores cujas obras ora se engajam numa das linhas mencionadas, ora enveredam por outros caminhos, como o do realismo fantástico, o do surrealismo, o da denúncia, o do novo romance, o da paródia: José Louzeiro (“Aracelli, meu amor”, “Em carne viva”, “Lúcio Flávio, passageiro da agonia”), Josué Guimarães (“A ferro e fogo”), José J. Veiga (“A hora dos ruminantes”, “Sombra de reis barbudos”, “A casa da serpente”), Osman Lins (“Nove novena”, “Avalovara”), Ignácio de Loyola Brandão (“Zero”, “Não verás país nenhum”), João Ubaldo Ribeiro (“Sargento Getúlio”, “Viva o povo brasileiro”, “Diário do farol”), Raduan Nassar (“Lavoura arcaica”, “Um copo de cólera”) e Antônio Torres (“Pelo fundo da agulha”).
O romance policial, cujo representante principal no Brasil é Rubem Fonseca (“A grande arte”, “Buffo &Spallanzi”, “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”, “Agosto”) ganhou em 1997 mais uma obra do autor: “E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto”. O gênero foi fortalecido pela publicação de “Bala na Agulha”, de Marcelo Rubens Paiva, e pela grande revelação no gênero, a jovem escritora Patrícia Melo, autora de “Acqua profana”, “O matador”, “Inferno” e “Jonas, o copromanta”.
O romance histórico e/ou biográfico tem se destacado com as publicações de Ana Miranda (“Desmundo”, “Boca do inferno”, “A última quimera”), e ainda com as do escritor e jornalista José Roberto Torero (“O chalaça”, “Terra papagalis”). Também contribuem para a afirmação do gênero Rubem Fonseca, com “O selvagem da ópera”, Moacyr Scliar, com “Sonhos tropicais”, Ruy Castro, com Era no tempo do rei, Jô Soares, com “O Xangô de Baker Street” e “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras”, Nélida Piñon, com “República dos Sonhos”, e Deonísio da Silva, com “A cidade dos padres”. A vida política dos comunistas brasileiros perseguidos na década de 1930 pelo governo getulista é tema de “Olga”, de Fernando Morais.
Romances que misturam ficção com memórias, prosa autobiográfica e relatos de viagem constituem a vasta produção que surgiu na década de 1980 retratando os anos de regime militar, de censura, de exílio, de tortura e de luta estudantil. Entre os autores que mais se destacam nesse tipo de abordagem, temos Roberto Drummond (“Sangue e Coca-Cola”, “Hilda Furacão”), Fernando Gabeira (“O que é isso, companheiro?”, “O crepúsculo do macho”), Marcelo Rubens Paiva (“Feliz ano velho”), Milton Hatoum (“Retrato de um certo oriente”) e Raduan Nassar.
Exercícios
1 – A poesia de Arnaldo Antunes é fortemente influenciada pelo Concretismo. Sobre as principais características desse movimento literário brasileiro, é incorreto afirmar:
a) Principal corrente de vanguarda da literatura brasileira, o Concretismo foi fortemente influenciado pelas vanguardas europeias do começo do século XX.
b) O concretismo foi responsável por marcar um avanço na arte multimídia, pois a poesia passou a ter relação imediata com outras artes.
c) O Concretismo foi marcado pelas experiências estéticas no campo da linguagem, apresentando poucas inovações em relação à forma.
d) Uma das principais características do Concretismo foi a ruptura com a estrutura discursiva do verso tradicional.
e) Entre os recursos da poesia concretista estão: experiências sonoras, emprego de caracteres tipográficos de diferentes formas e tamanhos e criação de neologismo.
2 – FDV (Faculdade de Direito de Vitória)
Para melhor compreender a obra poética de Arnaldo Antunes é necessário conhecer as influências que nela incidem. Acerca da poesia marginal dos anos 70, movimento cultural cujos elementos são identificáveis em sua obra, é INCORRETO afirmar que:
a) Ela se desenvolveu em pleno regime militar, porém não ousou contestar quaisquer valores impostos pela ditadura.
b) Nasceu do interesse de jovens escritores pela poesia justamente após o AI-5 que, entre outros procedimentos, impôs uma censura severa aos textos escritos, falados ou cantados.
c) Ana Cristina César, Chacal, Antônio Carlos Brito, Paulo Leminski são alguns de seus representantes.
d) Foi considerada “marginal”, entre outros motivos, pela forma como os textos eram distribuídos, ou seja, à margem da política editorial vigente.
e) Alguns textos eram mimeografados, outros xerocopiados ou impressos em antigas tipografias suburbanas.
3 – (Mackenzie – 2014)
O assassino era o escriba
Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado de sua vida,
Regular como um paradigma da 1ª conjunção.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito
assindético de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido na sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conectivos e agentes da passiva o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
Paulo Leminski
Sobre o texto de Paulo Leminski todas as alternativas estão corretas, EXCETO
a) A terminologia sintática e morfológica, que em um primeiro momento é motivo de estranhamento, concede o efeito de humor ao poema.
b) O eu lírico demonstra por meio da composição de texto pessoal e confessional o seu desconhecimento gramatical.
c) Nos primeiros sete versos o eu lírico apresenta seu professor, que, por meio de suas ações e funções, é caracterizado como um torturador.
d) Entre os versos 8 e 16 o leitor toma consciência de todos os fracassos que compuseram a vida do professor.
e) O texto é estruturado em forma de narrativa policial, mas em função de sua organização gráfica, métrica e rítmica é considerado um poema.
Gabarito
1 – C
Comentário: O Concretismo apresentou grandes inovações estéticas não só no campo da linguagem, mas também na estrutura discursiva do poema, valendo-se de materiais gráficos e visuais.
2 – A
Comentário: A Poesia Marginal, ou Geração Mimeógrafo, foi um movimento literário brasileiro que ocorreu entre os anos 1970 e 80 em função da censura imposta pela ditadura civil-militar, como forma de resistência ao regime.
3 – B.
Comentário: As referências gramaticais do texto não permitem que se conclua que o autor desconhecesse o assunto. Além disso, o texto não é propriamente confessional. Sua principal intenção é provocar efeito de humor fazendo trocadilhos com elementos da sintaxe e da semântica da língua portuguesa.