A escravidão no Brasil foi um instituição que durou quase 400 anos, logo estamos falando de quatro séculos de exploração da população africana e de seus descendentes. O Brasil foi a colônia que recebeu o maior contingente de escravizados e foi o último país da América a pôr fim nela.
Ao longo de todo o período, a resistência negra a essa exploração de seus corpos foi uma constante. Embora a historiografia tradicional negue a essa população o seu protagonismo, a luta negra para abolição da escravidão foi essencial. E nesse artigo, nós vamos dar voz a quem é de direito. Vamos que vamos!
Escravo x Escravizados
A escravidão está diretamente ligada a uma estrutura hierarquizante de poder e por isso faz-se necessário citar que atualmente a historiografia vem deixando de utilizar o termo “escravo” e passando a usar o “escravizado”. O intuito é combater a ideia de que essas pessoas trazidas à força eram naturalmente escravas, quando na verdade ela foram tornadas tal.
Esse movimento de modificação dos termos é extremamente importante para combater ideias arraigadas dentro das sociedades que utilizaram a mão de obra escravizada negra, pois combate a naturalização da coisificação e da desumanização desses corpos.
A pressão inglesa
Um dos fatores que contribuíram para a abolição da escravatura foi a pressão que os ingleses fizeram junto a Portugal para que o tráfico chegasse ao fim. Para além do humanitário, o interesse inglês estava ligado a sua recente industrialização e a necessidade cada vez maior de mercado consumidor.
Como resposta a essa tensão, foi criada a Lei de Feijó em 1831 que proibia a importação de escravizados para o Brasil. Você provavelmente nunca ouviu falar dessa lei, né? Porque foi dela que surgiu a expressão “lei para inglês ver”, já que ela foi promulgada, mas ninguém obedecia.
Fato é que o Império Brasileiro já sabia que o sistema escravagista chegaria ao fim. Mas como a principal mão de obra do país era a escravizada, eles promulgaram uma série de leis com o intuito de postergar esse fim, dentre elas:
- Lei Eusébio de Queiroz (1850): reafirmava a proibição do tráfico de escravos.
- Lei do Ventre Livre (1871): filhos de escravos nascidos após essa data eram livres, porém deviam trabalhar até certa idade para pagar os “gastos” provenientes dos seus primeiros anos de vida, o que permitia que esses senhores explorassem o trabalho infantil e relutassem em libertar essas crianças.
- Lei dos Sexagenários (1885): os escravos com mais de 60 anos estavam libertos, o que na prática não teve muito efeito uma vez que a expectativa de vida dos escravizados era muito menor e aqueles que chegavam a essa idade acabavam se tornando um peso para o seu senhor.
Movimento abolicionista
O movimento a favor do fim da escravidão contou com a participação de negros e brancos, de liberais, dos escravizados, da classe média urbana e, principalmente, de libertos que utilizaram diversos métodos como forma de pressionar o governo de D. Pedro II a pôr fim à escravidão.
As fugas e rebeliões cada vez mais constantes na segunda metade do século XIX também foram um agravante nas pressões feitas sobre a coroa, juntamente com a importação cada vez maior da mão de obra imigrante. Os quilombos cresciam e tinham dentre as suas funções, não apenas a de abrigar esses fugitivos, mas também de promover ações que conscientizassem esses escravizados a fugir de tal condição.
A luta abolicionista, que já vinha sendo construída ao longo do século XIX, se intensifica após a Guerra do Paraguai. O movimento ganha a adesão dos militares que estavam descontentes com a política imperial e viam o fim da escravidão e o fim da monarquia como essenciais para o desenvolvimento de país.
A cultura a favor da libertação
Um dos principais meios utilizados pelo movimento abolicionista era a imprensa. Diversos jornais abriam espaço em suas publicações para falar sobre a causa, divulgar centros abolicionistas e atacar os senhores escravocratas. Dentro desse contexto, José do Patrocínio, negro e liberto, foi um dos jornalistas mais atuantes na causa abolicionista.
Uma outra ação promovida por abolicionistas era a promoção de espetáculos visando a arrecadação financeira para a compra de cartas de alforrias. Essas ações contaram com a articulação de diversas camadas da sociedade que lutavam pela abolição e evidencia o caráter diverso do movimento.
As brechas do sistema legal
As pequenas brechas no sistema escravista teria sido um dos fatores que possibilitou a sua manutenção por mais de 300 anos, uma vez que a ideia de uma possibilidade de liberdade alimentava a lógica racista e escravista, segundo alguns historiadores.
Dentro desse contexto, o ativista Luiz Gama, teve um papel fundamental na luta abolicionista no Brasil. Filho de uma escravizada livre, Luiza Mahin, e de um fazendeiro branco, foi vendido pelo seu pai aos 10 anos e somente conseguiu sua liberdade de volta aos 17 anos. Mesmo sem conseguir cursar a faculdade de direito, o ativista conseguiu estudar advocacia e prestou auxílio jurídico para escravizados.
Um dos principais argumentos que Gama utilizava era o fato de a Lei de Feijó ( sim, aquela lá de 1831) não apenas proibia o tráfico negreiro, como tornava livre todo africano que houvesse chegado no país após a data. Logo, a escravização dessas pessoas seria ilegal e o seu direito a liberdade estaria garantido por lei. Além disso, ajudava também a escravizados que queriam comprar sua alforria e os donos não queriam conceder.
É primordial ressaltar que tanto Luiz Gama quanto José do Patrocínio, como tantos outros ativistas negros, atuaram em várias frentes e eram muito mais do que apenas militantes da causa. Eram poetas, escritores, jornalistas, médicos e dentre tantas outras coisas, que muitas vezes ficavam em segundo plano por conta da sua cor.
A liberdade antes da abolição
Embora se fale da abolição apenas no ano de 1888, expansão e a pressão desses movimentos abolicionistas levou ao fim da escravidão em diversos locais muito antes da promulgação da Lei Áurea. Essa conquista foi o resultado de um movimento abolicionista cada vez maior e mais forte.
A liderança promovida por figuras, como Francisco José do Nascimento e José Luís Napoleão, foram essenciais para a abolição da escravidão nos estados de Ceará e Amazonas em 1884. Esses locais acabam se tornando “zonas livres” para onde muitos escravizados fugiam.
A lei Áurea
Em um país marcado pela ebulição de movimentos republicanistas e antiescravistas, a Princesa Isabel e o Império Brasileiro, pressionado por todos os lados, decretam o fim da escravidão no dia 13 de maio de 1888. A promulgação da lei foi resultado de uma crescente luta pela abolição feita por diversas camadas da sociedade.
A luta do movimento abolicionista tinha um caráter nacional e contou com nomes importantes como Esperança Garcia, André Rebouças, Joaquim Nabuco, Maria Firmina dos Reis, Adelina, entre tantos outros, que atuaram ao longo de todo o país.
Salientar que todos esses abolicionistas citados eram negros é essencial para entender que o movimento de resistência ocorreu em grande medida por parte da população negra, liberta ou escravizada, que lutava ativamente contra a subjugação dos seus semelhantes e pelo reconhecimento da humanidade desses corpos explorados por mais de 300 anos.
Mas e o pós abolição?
Passada a euforia inicial pelo fim da escravidão, o que grande parte da população libertada e seus descendentes tiveram que lidar foi com a exclusão social, a falta de acesso à educação e a falta de um tratamento digno. Não houve qualquer projeto que visasse a integração plena dessa população a sociedade brasileira como um todo.
A República que nasce se mostrou tão desigual quanto o Império havia sido com os ex-escravizados e com a população mais pobre no geral. A segregação espacial e o aprofundamento das desigualdades sociais foram apenas duas das consequências dessa libertação sem integração, mas poderíamos citar um monte.
Indicação é bom e todo mundo gosta.
Ainda hoje a população negra do Brasil sofre com os efeitos de mais de 300 anos de escravidão e de uma assimilação feita sem pensar nas consequências da exploração gratuita da mão de obra dessa população. E o vestibular, principalmente o Enem, vai querer saber exatamente isso de você. Então, que tal umas indicações de leitura para chegar na prova chamando no probleminha e arrasando nas argumentações?
- Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra – Kabengele Munanga
- Racismo Estrutural – Silvio de Almeida
- Racismo Recreativo – Adilson Moreira
- O espetáculo das raças – Lilia Moritz Schwarcz