Fala, meu povo, tudo em casa? Olha, como muitos de vocês sabem, além de monitor do Descomplica, eu também sou professor presencial em um rede particular de ensino. Pois bem, uma das coisas mais comuns na minha experiência dando aulas é ouvir dos alunos a famosa pergunta: “Professor, por que a gente só estuda esses caras de séculos atrás? Não existe mais filósofo hoje em dia?” Existe sim, ôxe! Nosso resumo, aliás, é justamente sobre um deles, o pensador alemão Jürgen Habermas, que está com 85 anos de idade e é um queridinho tanto do Enem, que já passou (ele caiu esse ano, inclusive), quanto da UEL, cuja prova de específicas está vindo por aí. Candidatos para a UFPR, em particular, fiquem atentos! Segundo o próprio edital, um dos textos da específica de filosofia desse ano é do homem.
Para entender Habermas, precisamos, é claro, entender antes de tudo qual é o projeto central de seu pensamento, qual é a questão que ele deseja responder. Ora, durante a juventude, Habermas foi membro da chamada Escola de Frankfurt, uma vertente da sociologia que tinha forte inspiração marxista, mas que fazia uma apropriação bem particular de Marx. O objetivo dos frankfurtianos era construir a chamada teoria crítica da sociedade, capaz de nos entender e enfrentar os problemas de nosso tempo. Grosso modo, sua conclusão foi bastante pessimista: os membros da Escola de Frankfurt viram no desenvolvimento tecnológico do capitalismo, proporcionado pela Revolução Industrial, muito mais do que a exploração do operário denunciada por Marx. No império da técnica e da máquina, os frankfurtianos viram sim o total fracasso do projeto iluminista (e moderno, de maneira geral) de valorização da razão. Para autores como Adorno e Horkheimer, o mundo em vivemos é a verdadeira antítese do sonho iluminista onde a razão emanciparia os indivíduos e as sociedades. Afinal, o que a racionalização total da existência produziu não foi uma era de liberdade, mas sim a eficiência cega das fábricas e do mundo técnico: uma eficiência completa, inteiramente racional, mas brutal e opressora.
Ora, foi precisamente contra essa crítica frankfurtiana da Modernidade que a obra de Habermas se levantou. Não que ele discorde inteiramente do diagnóstico. Pelo contrário. O que o filósofo alemão não aceita, porém, é a identificação dessa racionalidade calculadora e estratégica que impera em nosso tempo com a racionalidade em geral. Contra a Escola de Frankfurt, Habermas defende que há, na verdade, duas formas de racionalidade: a razão instrumental, técnica, calculadora, que procura apenas encontrar os meios mais eficazes para a realização de certos fins; e a razão comunicativa, que é realmente emancipadora. Para Habermas, a crítica da Escola de Frankfurt é correta se deixa de ser uma crítica à razão em geral e passa a se tornar uma crítica ao excesso de poder de um tipo específico de razão. Segundo o filósofo, a razão instrumental não é nem propriamente ruim, caso se mantenha em sua esfera específica. O problema está na universalização de seu alcance. E é justamente para pôr freio a ele, pondo ainda fé no projeto iluminista, que o pensador alemão deposita sua confiança na razão comunicativa.
Pois bem, o que diferencia a razão comunicativa? Segundo Habermas, o que especifica essa racionalidade é que ela não se preocupa com a eficiência, isto é, não calcula a melhor relação entre meios e fins. Sua característica é ser fundamentalmente ética, moral. A racionalidade comunicativa é aquela que nos permite pensar e julgar a respeito do certo e do errado, do que devemos ou não fazer. Isto não está sujeito a cálculo, não é uma questão de eficiência, mas sim de moralidade. Por que então o filósofo a chama de razão comunicativa? Habermas faz assim, pois pensa que a grande característica da razão comunicativa é que ela não é individual. Para ele, aliás, o grande erro dos modernos, como Descartes e Kant, foi conceber a razão como algo subjetivo, monológico. Ao contrário, para nosso filósofo a razão é essencialmente dialógica, partilhada – por isso é comunicativa. Nesta perspectiva, os princípios corretos de ação não são aqueles aos quais se chega depois de uma longa reflexão pessoal, mas sim os que nós, em conjunto, somos capazes de admitir em consenso. Por isso na visão habermasiana a razão comunicativa pode realizar o sonho iluminista de emancipação: é porque ela não domina o homem pela técnica, mas sim lhe permite construir coletivamente seus princípios de ação. É claro que um consenso genuíno aqui só pode se dar caso não haja qualquer tipo de coerção ou uso de força que condicione o debate. Fica, de qualquer modo, claro aí o grande projeto de Habermas: a fundamentação de uma ética racional capaz de enfrentar os dilemas de nosso tempo. Trata-se de uma ética da comunicação ou, como ele mesmo diz, uma Ética do Discurso.