Todo aluno do Descomplica já ouviu falar na “Canção do Exílio”, obra prima de Gonçalves Dias, escritor da primeira fase do Romantismo e constantemente usadas nos exercícios da língua português dos principais vestibulares do Brasil.
No entanto, nem todo mundo sabe que na canção há bons exemplos de intertextualidade. Por isso, hoje nós decidimos falar mais sobre esse assunto recorrente.
Canção do exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Aliás, quem nunca declamou em plena prova de trigonometria “minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, seno a cosseno b, seno b cosseno a” para fazer o seno da soma de dois ângulos? O poema é tão famoso que vários outros textos fazem referência a ele, criando relações de intertextualidade.
Quer ver só? Vamos falar de exemplos de intertextualidade
Paráfrase
Carlos Drummond de Andrade optou pela paráfrase, isto é, o tipo de intertextualidade na qual retoma-se a ideia inicial e reproduz-se partes do texto original com outras palavras. Quando o cara é gênio não tem medo, faz paráfrase e pronto! Veja:
Nova Canção do Exílio
Carlos Drummond de Andrade
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
Paródia
Murilo Mendes, poeta modernista, alterou o sentido do texto original, deu um tom mais crítico à poesia e colocou uma pitada de ironia. Essas são características de uma paródia, que nada mais é que a intertextualidade das diferenças! Gostou dessa, né?
Canção do exílio
Murilo Mendes
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
Epígrafe
Essa é a mais sinistra de todas! Sabia que a “Canção do Exílio” possui uma epígrafe de um verso do escritor alemão Goethe? Ah! Só pra refrescar a sua memória, epígrafe significa posição superior, é um dos exemplos de intertextualidade e ocorre quando um autor, para introduzir o seu texto, recorre a um trecho de algum outro texto já existente.
Gonçalves Dias lia Goethe e você aí com preguiça de estudar para o ENEM! Estamos de olho! Veja só que maneiro:
Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,
Im dunkeln die Gold-Orangen glühen,
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!
Möcht ich… ziehn.
Goethe
Tradução da epígrafe feita pelo poeta Manuel Bandeira:
[Conheces o país onde florescem as laranjeiras?
Ardem na escura fronde os frutos de ouro…
Conhecê-lo? Para lá, para lá quisera eu ir!]
Goethe
Citação
Achamos uma tirinha superfofa com uma citação da Canção do Exílio! A citação é uma intertextualidade que ocorre quando um autor transcreve um trecho de um texto de outro autor no próprio texto. Geralmente, a citação é marcada pelo uso de aspas.
Agora que você já conheceu os quatro exemplos de intertextualidade presente na Canção do Exílio, borá entender como o assunto pode ser cobrado no Vestibular?
Questão do ENEM sobre Intertextualidade
(ENEM 2009)
TEXTO A
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
[…]
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, a noite –
Mais prazer eu encontro la;
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras
Onde canta o Sabiá.
DIAS, G. Poesia e prosa completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1998.
TEXTO B
Canto de regresso à Pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase tem mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita
Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo
ANDRADE, O. Cademos de poesia do aluno Oswald. São Paulo: Cfrculo do Livro. s/d.
Os textos A e B, escritos em contextos históricos e culturais diversos, enfocam o mesmo motivo poético: a paisagem brasileira entrevista a distância. Analisando-os, conclui-se que:
a) o ufanismo, atitude de quem se orgulha excessivamente do país em que nasceu, e o tom de que se revestem os dois textos.
b) a exaltação da natureza é a principal característica do texto B, que valoriza a paisagem tropical realçada no texto A.
c) o texto B aborda o tema da nação, como o texto A, mas sem perder a visão crítica da realidade brasileira.
d) o texto B, em oposição ao texto A, revela distanciamento geográfico do poeta em relação à pátria.
e) ambos os textos apresentam ironicamente a paisagem brasileira.
Gabarito: c)
Embora a abordagem do tema seja a mesma, o segundo texto faz revisita o primeiro, só que de forma crítica, que é uma característica da paródia, estabelecendo, assim, a intertextualidade.
Gostaram dos exemplos de intertextualidade ? Então nos conte nos comentários o que mais podemos descomplicar para o vestibular? Afinal, essa é a nossa missão!