O conturbado final do século XIX levou ao fim uma das maiores experiências monárquicas das Américas, iniciando, assim, o processo para a Proclamação da República.
Mas qual era o cenário político brasileiro neste período? Quais foram as principais mobilizações que resultaram na proclamação da república? Como se configurou o Estado brasileiro pós-imperial?
Tendo em vista tais questões, olharemos para os anos finais do império, a fim de compreender a insatisfação das elites.
Essa perspectiva é fundamental para entendermos o nascimento da república e as consequências da proclamação da república. Nos acompanhe e entenda tudo!
Contexto da Proclamação da República
Para compreendermos o processo de transição do Império para a proclamação da República, é necessário um panorama sobre o cenário político e social da época.
Na segunda metade do século XIX, podemos perceber uma série de eventos que acabaram desgastando a monarquia, como:
- Crise sucessória com a morte dos dois filhos de D. Pedro II;
- Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870, terminando com a vitória brasileira, mas iniciando uma crise econômica;
- Início do Ciclo do Café e o aumento do poder político e econômico dos barões paulistas;
- Fundação do Partido Republicano Paulista, em 1873, durante a Convenção de Itu;
- Crescimento da influência positivista no Exército na segunda metade do século XIX;
- Adesão social à campanha abolicionista, levando à criação de leis e ao fim da escravidão;
- Atritos de D. Pedro II com a Igreja Católica;
- Decadência do Império e enfraquecimento do Imperador durante a década de 1880.;
- Conspiração republicana entre militares, políticos e jornalistas;
- Proclamação da República no dia 15 de novembro de 1889.
Um trono em disputa e o “príncipe conspirador”.
Em 1880, a figura de D. Pedro II cada vez mais se distanciava do altivo imperador dos anos anteriores.
Neste período, muito doente e cansado, o monarca era frequentemente visto como uma figura moribunda. Suas sonecas em aparições públicas, principalmente nos teatros, rendiam charges e comentários na imprensa oposicionista.
Naturalmente, essa visão de um monarca frágil era constantemente associada a própria fraqueza do império e do Estado brasileiro.
A debilidade do imperador, assim, mobilizava grupos que já desejavam assumir o poder, sobretudo com a proclamação da república.
Pedro II, em vida, viu três de seus filhos morrerem, em 1847, 1850 e 1871, os bebês herdeiros Afonso e Pedro Afonso e a filha Leopoldina.
Sem expectativas de um filho homem assumir o trono, restaria a Isabel a importante missão de prosseguir com o império até a maioridade de seu filho.
Entretanto, neste cenário, a posse de Princesa Isabel era temida por liberais e conservadores, já que ela era criticada por:
- ser uma princesa muito beata e conservadora.
- seu casamento com o francês Gastão de Orléans, o Conde D’Eu, o que entregaria o trono para um estrangeiro.
- ser mulher.
Uma das opções ventiladas, inclusive entre republicanos, era o apoio ao jovem príncipe Pedro Augusto. Filho de Leopoldina e o neto favorito de Pedro II, o jovem chegou a mobilizar apoio para um possível golpe.
O interesse de Pedro Augusto pelo trono e o apoio de políticos, naturalmente gerou uma disputa interna pela sucessão.
Antes mesmo da morte do velho D. Pedro II, seu trono já estava em debate. Deste modo, a continuidade do império ou a proclamação da república se colocava em questão desde 1880.
Neste cenário, enfim, uma sucessão com o chamado “Príncipe Conspirador” parecia muito mais bem vista do que com a “princesa beata”.
O que levou a proclamação da república
A crise econômica do segundo reinado
Apesar da crescente dívida externa, os primeiros anos do 2º Império experimentaram certa estabilidade política e econômica. Essa conjuntura permitiu:
- Um funcionamento estável do parlamento;
- A eliminação das revoltas;
- Um surto industrial, na chamada Era Mauá;
- O sucesso do café.
Tendo em vista as instabilidades europeias com as revoluções, a aparente estabilidade brasileira atraiu muitos imigrantes na segunda metade do XIX. Sendo a maioria deles destinados aos trabalhos nas crescentes lavouras paulistas.
Contudo, a ilusão de um cenário estável logo ganhou outros contornos a partir de 1864, com a Guerra do Paraguai.
O conflito brasileiro contra o país de Solano López se estendeu por seis anos, exigindo gastos exorbitantes com equipamentos militares e deslocamento de tropas.
A crise econômica que se instalou e a dívida externa por conta dessa guerra tiveram um impacto considerável no aumento da inflação.
Os problemas financeiros do império foram tão grandes, que até mesmo a república, proclamada quase 20 anos depois, ainda herdaria essa crise.
A questão militar
Após a Guerra do Paraguai, os esforços militares, para muitos generais do exército, pareciam não terem sido recompensados e prestigiados à altura. Ao voltar da guerra, o Exército despertou interesse ainda maior pelo positivismo, que defendia o republicanismo.
A tendência positivista, de certa forma, tornou os militares muito mais interessados pela participação política e pela luta por seus interesses.
Desta forma, a partir de 1883, uma série de desentendimentos entre o Exército e o parlamento teve início. Essas desavenças obrigaram D. Pedro II a desmobilizar certos núcleos politizados do exército, enviando batalhões para o interior.
Essas atitudes soaram como afrontas para muitos militares, que cada vez mais passaram a apoiar o fim do Império.
O desgaste da figura do imperador entre os militares cresceu ao mesmo tempo que a difusão do pensamento de Augusto Comte entre os mesmos.
O positivismo seduziu os militares brasileiros, sobretudo Benjamin Constant, que se tornou um dos grandes idealizadores da proclamação da república.
A liderança de Benjamin Constant foi fundamental, inclusive, para a criação, em 26 de junho de 1887, do chamado Clube Militar. Essa associação tinha como finalidade reunir militares para debaterem seus interesses e estratégias para alcançarem seus objetivos.
Dentre seus presidentes, além de Benjamin Constant (provisório), também se encontram nomes importantes da proclamação da república, como Marechal Deodoro e Floriano Peixoto.
A questão abolicionista
A Guerra do Paraguai também agiu como um importante estimulante para o crescimento da onda abolicionista.
Muitos dos escravizados que lutaram nas batalhas, além de receberem o prestígio dos militares, retornaram alforriados para o Brasil.
Outros, no entanto, serviram ao império e tiveram ainda que voltar para seus proprietários, sem qualquer recompensa.
Essa conjuntura provocou a reflexão em novas camadas sociais, sobretudo na política, fortalecendo os movimentos abolicionistas.
Apesar de D. Pedro II ser simpático à causa em discursos internacionais, entre os latifundiários e escravocratas a postura era conservadora.
A gradual conquista da abolição com a lei Eusébio de Queiroz, lei do ventre-livre e lei do sexagenário desagradava a elite econômica.
Entretanto, foi com a Lei Áurea (1888), que aboliu a escravidão sem indenização para escravizados e senhores, que o laço entre império e cafeicultores ruiu.
Insatisfeitos com a medida tomada pela Princesa Isabel, a monarquia, enfim, perdeu um de seus principais aliados. Em palavras quase proféticas, o Barão de Cotegipe anunciou para Isabel: “Vossa alteza libertou uma raça, mas perdeu o trono”.
Vale destacar que, parte da elite rural já não apoiava a monarquia e, desde 1873, com a fundação do P.R.P., visava novos horizontes.
Assim, a monarquia, a partir de 1888, perdeu todo o apoio que tinha dos cafeicultores paulistas. Por um lado, já não contava com os liberais do P.R.P. e agora encaravam os chamados “republicanos de última hora”, que também queriam vingança.
A questão religiosa
Enfim, a chamada questão religiosa desestabilizou ainda mais as bases imperiais.
Por conta do regime de beneplácito, presente na Constituição de 1824, as decisões papais deveriam ser aprovadas pelo Imperador.
Em 1864, o Papa Pio IX condenou a participação de católicos em lojas maçônicas e se posicionou contra o liberalismo através das encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum.
No Brasil, as ordens papais foram combatidas por Pedro II usando seus poderes constitucionais. Entretanto, os bispos Dom Vital e Dom Macedo Costa, decidiram manter a ordem papal e iniciar uma perseguição aos católicos ligados à maçonaria.
Essa situação acabou levando à ordem real de prisão dos dois bispos, o que causou um estranhamento entre Igreja e Estado.
Na imprensa, a decisão de D. Pedro II tomou repercussões das mais variadas, chegando a ser debatida a necessidade de separação entre as instituições.
Enfim, com esse cenário de desentendimentos, a família real acabou perdendo também o apoio da própria Igreja Católica.
15 de novembro de 1889: a proclamação da República
No dia 9 de novembro de 1889, a monarquia realizou o famoso baile da Ilha Fiscal.
No mesmo dia, no Clube Militar, Benjamin Constant reuniu apoiadores para conspirar contra Visconde de Ouro Preto. Presidente do Conselho de Ministros, Ouro Preto havia conquistado a repulsa dos militares por uma série de desavenças e perseguições.
O próprio Marechal Deodoro, antes da proclamação da república, era amigo de Pedro II e precisou ser convencido a liderar o movimento. Desta forma, tendo em vista o conturbado cenário político do ano de 1889 e a questão militar, a conspiração republicana ganhou forma.
No dia 14, uma notícia falsa sobre uma ordem de prisão a Benjamin Constant e a Deodoro chegou ao Exército. Este boato se tornou um catalisador para a proclamação da república, pois finalmente convenceu Deodoro, que estava doente no dia 15, a liderar o movimento.
Além do boato, neste dia, algumas horas depois, Deodoro ainda descobriu que seu velho rival, Silveira Martins, seria escolhido para o lugar de Ouro Preto.
A decisão de Pedro II para ocupar o novo ministério, enfim deu ainda mais certezas a Deodoro sobre o que deveria ser feito.
Assim, Deodoro, apoiado por jornalistas e militares, reuniu as tropas e saiu em marcha pelas ruas da capital. Seguindo pela antiga rua Direita, atual 1º de março, os apoiadores de Deodoro marcharam como em uma parada militar.
Segundo relatos, alguns positivistas mais radicais ainda cantavam o hino da França e faziam referências à Revolução Francesa.
Entretanto, o povo, sem qualquer participação em todo o processo, pouco entendia o que estava acontecendo.
Segundo o jornalista Aristides Lobo, em uma publicação no Diário Popular, no dia 18 de novembro: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.”
A instalação da República após a proclamação
Após um processo pacífico de golpe militar, o ministro Ouro Preto foi deposto e preso por Floriano Peixoto. A monarquia, isolada e sem muitas escolhas, ainda tentou negociar a criação de um novo gabinete, com a demissão de Ouro Preto.
Entretanto, os esforços do cansado imperador foram em vão. Na noite do dia 15, José do Patrocínio redigiu a carta oficial de proclamação oficial da República dos Estados Unidos do Brasil.
Em um ambiente hostil, a família imperial não tinha mais forças para lutar e aceitou pacificamente o exílio para a Europa. No Brasil, após anos de monarquia, instalava-se definitivamente um governo republicano.
Assim, os discursos de jornalistas, políticos e militares era o de um exílio da velha política e da instalação do novo, do moderno.
Para os republicanos, o novo governo chegaria para resolver os problemas do Brasil, modernizar o país e extirpar a herança colonial.
A república nascia com promessas e ar de modernidade, impregnada de discursos liberais e projetos nacionais em conflitos. Entretanto, as consequências da instalação da república caminharam inicialmente por um percurso muito mais autoritário:
- Para garantir a vitória da república, os governos militares promoveram ações extremamente autoritárias em diversas regiões;
- Para a população negra e recém liberta, a inserção nesta nova sociedade foi dura e sem o auxílio da república.
- Para os homens do interior do Brasil, a marginalização e o autoritarismo provocaram verdadeiros genocídios, como em Canudos;
- No plano social, os barões do café conquistaram, enfim, um grande poder político e econômico;
- Na economia, instalou-se a chamada crise do encilhamento, um verdadeiro desafio para a recente república.
As imagens e símbolos da República
Assim como na Revolução Francesa, um velho monarca havia caído para dar início a uma república. Na França, no final do século XVIII, os símbolos absolutistas rapidamente deram lugar aos republicanos.
As faces dos velhos reis foram substituídas pela jovem Marianne, com seu barrete frígio, simbolizando a revolução.
No Brasil, este processo não foi diferente. Para a consolidação da República e para atrair o apoio popular, construindo uma nova identidade nacional, novos símbolos e heróis foram construídos.
Importada da França, a Marianne, como o grande símbolo republicano, também passou a estampar em terras brasileiras a arquitetura dos novos prédios e documentos oficiais.
No panteão de heróis brasileiros da República, brilhavam líderes contemporâneos, como Marechal Deodoro, José do Patrocínio e Quintino Bocaiúva.
Entretanto, dentre eles, consagrado como um mártir de todo o processo de proclamação da república, ganhou grande destaque a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Palácio Tiradentes – Halley Pacheco de Oliveira, 2010.
O mártir da Inconfidência Mineira se tornou símbolo da luta republicana e rapidamente ganhou estátuas, praças e pinturas.
A coroação foi em 1926, com a construção, no Rio de Janeiro, do Palácio Tiradentes, que sediaria a Câmara dos Deputados da República.
Este Palácio, coberto por símbolos republicanos, como o rosto de Marianne e as folhas de café, tornou-se um importante símbolo da República.
A construção do Palácio Tiradentes se deu no lugar do prédio da “Cadeia Velha”, que era uma construção de 1640, que sediou, durante o império, a Câmara dos Deputados.
Enfim, a destruição da “Cadeia Velha” e a construção de um monumental Palácio republicano no lugar, simbolizou a destruição das memórias imperiais e a imposição da república.
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