Quer saber quais são as características do texto artístico, da crônica e da descrição? Leia esse resumo e entenda esses gêneros de uma vez por todas! 😉
São de conhecimento geral, principalmente dos ávidos leitores, as diferentes características que compõem um texto. Entre quadrinhos, ficção e autobiografia, por exemplo, é possível notar facilmente que cada texto tem em sua composição marcas textuais diferentes. Para que você entenda melhor os diferentes escritos, falaremos um pouco mais sobre o texto artístico, a crônica e a descrição. Vamos nessa?
O texto artístico
O texto artístico tem como marca a função emotiva. Ele é responsável por transportar o leitor do seu mundo real para o mundo mágico das palavras e das emoções. A arte nesse texto surge para comover, provocar sensações e liberar os sentimentos. É possível, por meio desse gênero, ter uma nova experiência ou relembrar sensações passadas. A arte expressa por via das palavras tem esse poder transformador e cria uma relação simbiótica entre leitor e texto.
Com diversas finalidades, desde entretenimento até instrumento de transmissão de valores culturais, o texto artístico é um espelho prismático que reflete as dimensões da existência humana. Além disso, é possível que nesses textos haja a simples tarefa de expressão estética, como os parnasianos se preocupavam. Vejamos agora os poemas abaixo:
Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
Aqui, vemos a função expressiva ou emotiva da linguagem. O poeta nos mostra que é limitado e um tanto impotente diante do mundo e revela um ângulo mais pessimista sobre como ele o enxerga.
Ainda podemos ver o texto artístico com função puramente estética. Vejamos em Olavo Bilac, poeta parnasiano:
Língua portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Nesse belo poema, temos o predomínio dos ideais clássicos, neutro às tentações mundanas, objetivo e com um preciosismo formal bem claro, preferindo as palavras mais cultas. Aqui não há a intenção de emocionar, mas sim de mostrar a arte pela arte, a estética e o primor.
A crônica
A crônica, muitas vezes, é a favorita dos mais jovens. Com linguagem mais informal, com marcas da coloquialidade e trabalhando com temas do cotidiano, a crônica surge para trazer o leitor para perto do texto. Muitas vezes, com histórias da vida em sociedade ou dos tantos problemas comuns das pessoas, o leitor se vê refletido nas histórias. Muitas vezes cômica, muitas vezes trágica, a crônica nos contempla com a mais variada gama de assuntos, visando o teor filosófico, crítico ou até mesmo humorístico. As marcas linguísticas são livres e não se prendem a nenhuma norma, podendo o autor selecionar a linguagem que mais achar adequada ao seu escrito. Vejamos uma crônica do aclamado Luis Fernando Veríssimo:
A metamorfose
Uma barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num serhumano. Começou a mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás do móvel. Ella quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”
Pensar, para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da sala para cobrir sua nudez. Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele, roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só um nome não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?…. Referências?… Conseguiu a muito custo um emprego como faxineira. Sua experiência de barata lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar ? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho. Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado… Finalmente acertou na loteria. Quase quatro milhões ! Entre as baratas ter ou não ter quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro. Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia Universidade Católica.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo pensamento humano foi : “Meu Deus!… A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu pelo pé da cama e correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto. Morreu cinco minutos depois , mas foram os cinco minutos mais felizes de sua vida.
Kafka não significa nada para as baratas…
A descrição
Podemos entender a descrição como um texto narrativo em que há um grande predomínio de verbos de ligação que visam retratar em detalhes um ambiente, um personagem, um objeto etc. Percebemos a imagem sendo construída de forma física e psicológica, com atributos, metáforas e comparações. A visão particular de um personagem também pode ser característica da descrição, que pode ser feita em primeira ou terceira pessoa. Se em primeira pessoa, é evidente que o personagem participa da história; se em terceira pessoa, o narrador descreve. Vejamos os exemplos a seguir:
Exemplo1:
“D. Quinquina (como a chamam suas amigas) conversa sofrível e sentimentalmente: é meiga, terna, pudibunda, e mostra ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela se dispusesse, não passaria de classificá-la entre as sonsas. D. Clementina pertencia, decididamente, a outro gênero: o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo nos lábios como o copo de vinho nos do alemão. D. Clementina é um epigrama interminável; não poupa a melhor de suas camaradas: sua vivacidade e espírito se empregam em descobrir e patentear nas outras as melhores brechas, para abatê-las na opinião dos homens com quem pratica.”
(Trecho de “A Moreninha” de Joaquim Manuel de Macedo)
Exemplo 2:
“O senhor querendo ver, primeiro veja:
Ali naquela casa de muitas janelas de bandeiras coloridas vivia Rosalina. Casa de gente de casta, segundo eles antigamente. Ainda conserva a imponência e o porte senhorial, o ar solarengo que o tempo de todo não comeu. As cores da janela e da porta estão lavadas de velhas, o reboco, caído em alguns trechos como grandes placas de ferida, mostra mesmo as pedras e os tijolos e as taipas, de sua carne e ossos, feitos para durar toda a vida; vidros quebrados nas vidraças, resultado do ataque da meninada nos dias de reinação, quando vinham provocar Rosalina (não de propósito e ruindade, mas sem-que-fazer de menino), escondida detrás das cortinas e reposteiros; nos peitoris das sacadas de ferro rendilhados formando flores estilizadas, setas, volutas, esses e gregas, falta muito das pinhas de cristal facetado cor de vinho que arrematavam nas cantoneiras a leveza daqueles balcões.”
(Trecho de “Ópera dos Mortos” de Autran Dourado)
Viram como o assunto é bem tranquilo? Continuem estudando e fazendo os exercícios, pois quando chegar a hora do ENEM todos vão arrasar!
Bons estudos!
Exercícios
1.(ENEM) Desabafo
Desculpem-me, mas não dá pra fazer uma cronicazinha divertida hoje. Simplesmente não dá. Não tem como disfarçar: esta é uma típica manhã de segunda-feira. A começar pela luz acesa da sala que esqueci ontem à noite. Seis recados para serem respondidos na secretária eletrônica. Recados chatos. Contas para pagar que venceram ontem. Estou nervoso. Estou zangado.
CARNEIRO, J. E. Veja, 11 set. 2002 (fragmento).
Nos textos em geral, é comum a manifestação simultânea de várias funções da linguagem, com o predomínio, entretanto, de uma sobre as outras. No fragmento da crônica Desabafo, a função da linguagem predominante é a emotiva ou expressiva, pois
a) o discurso do enunciador tem como foco o próprio código.
b) a atitude do enunciador se sobrepõe àquilo que está sendo dito.
c) o interlocutor é o foco do enunciador na construção da mensagem.
d) o referente é o elemento que se sobressai em detrimento dos demais.
e) o enunciador tem como objetivo principal a manutenção da comunicação.
2.(ENEM) São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas. O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:
— Quantos são aqui?
Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:
— Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos.
E outro:
— Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota dos seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor… (…)
E outro:
— Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito!
Rubem Braga. Para gostar de ler. v. 3 São Paulo: Ática, 1998, p. 32-3 (fragmento).
O fragmento acima, em que há referência a um fato sócio-histórico — o recenseamento —, apresenta característica marcante do gênero crônica ao
a) expressar o tema de forma abstrata, evocando imagens e buscando apresentar a ideia de uma coisa por meio de outra.
b) manter-se fiel aos acontecimentos, retratando os personagens em um só tempo e um só espaço.
c) contar história centrada na solução de um enigma, construindo os personagens psicologicamente e revelando-os pouco a pouco.
d) evocar, de maneira satírica, a vida na cidade, visando transmitir ensinamentos práticos do cotidiano, para manter as pessoas informadas.
e) valer-se de tema do cotidiano como ponto de partida para a construção do texto que recebe tratamento estético.
Gabarito
1.B
2.E