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Cultura indígena: história, religião e costumes

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Ao falarmos sobre cultura indígena no Brasil, não podemos usar o termo no singular, mas sim no plural. O que sempre existiu e até hoje se manifesta é uma riqueza e multiplicidade de culturas. As concepções de tempo, trabalho, sociedade, religião e até mesmo de cultura, às vezes, são tão distintas que é impossível perceber uma unidade. 

Assim, para termos uma pequena noção dessa multiplicidade, estudaremos agora as principais características dos nativos brasileiros. Do genocídio causado pelos colonizadores a resistência atual, como esses povos se manifestam e percebem o mundo? 

Os povos nativos e a violência da colonização. 

O período pré-cabralino. 

A ocupação dos primeiros povos na América é um consenso entre diversos pesquisadores, que tenha acontecido há milhares de anos atrás. Tendo em vista os fósseis encontrados em regiões como o sítio de Clóvis, no México, estima-se uma ocupação há 13-14 mil anos. No caso brasileiro, os fósseis encontrados na Lagoa Santa, como o crânio da Luzia, também indicam uma ocupação milenar. Estima-se, neste caso, números entre 10 a 15 mil anos de ocupação nesse território.

Apesar de tais números serem ainda debatidos, o que mais intriga tais pesquisadores é a origem desses povos. Tendo em vista que estimamos o surgimento do Homo Sapiens na África, como chegaram os primeiros povos à América? Essa questão não foi resolvida, mas sabemos que esses povos viviam aqui há milhares de anos antes da chegada dos colonizadores. 

As estimativas sobre a sedentarização dos povos brasileiros ainda são imprecisas. Os achados arqueológicos revelam suspeitas de agricultura e criação de cerâmicas em épocas distintas. Entretanto, podemos afirmar que entre 3.000 e 1.000 a.C., já haveria um processo de sedentarização. Esses povos teriam como características:

  • Alimentação com base na agricultura, caça e coleta;
  • Produção de cerâmica e ferramentas;
  • Habitação nas margens de rios;

Parte da alimentação desses povos seria inclusive a de moluscos, o que resultou na formação dos chamados sambaquis. Esses grandes vestígios arqueológicos foram importantes fontes para o estudo desses povos. 

Assim, com a sedentarização desses primeiros habitantes, houve a criação de sociedades mais complexas. Os chamados cacicados complexos passaram a se expandir e formar grandes tribos no território brasileiro. 

Destaca-se nesse período, sobretudo, os nativos que viviam na região da Ilha de Marajó. Entre 400 e 1300 d.C., estima-se que cerca de 45 mil pessoas teriam vivido na região. Os chamados povos marajoaras ficaram famosos pela complexa arte cerâmica desenvolvida. Nas texturas eram desenhadas formas complexas, como animais e polígonos.  

Vaso de cerâmica globular da cultura marajoara.

As civilizações do século XVI.

Ao chegarem na América, os colonizadores espanhóis, portugueses e franceses se depararam com complexas e múltiplas civilizações nativas. Entretanto, sem compreender as riquezas dessas culturas, denominaram todos os povos da América como índios. A construção desse termo, portanto, generalizou a multiplicidade de troncos-linguísticos e etnias da região. 

Só no Brasil, em 1500, existiam 4 troncos-linguísticos principais: tupi-guaranis, jês, caraíbas e arauaques. Dentre eles, centenas de etnias se ramificavam e se espalhavam pelo território brasileiro. 

Os povos Jê habitavam sobretudo o centro-sul do Brasil, enquanto os Caraíbas viviam no extremo-norte e os arauaques a sudoeste da bacia amazônica. Dentre esses povos, como visto, diversas etnias podiam ser encontradas, com milhares de ramificações linguísticas. Entretanto, no litoral brasileiro encontravam-se principalmente os povos do tronco tupi-guarani. Esses foram os que mais tiveram contato com os portugueses.

Apesar de ocuparem principalmente o litoral, a língua tupi se difundiu por grande parte da América do Sul. Dentre os povos de língua tupi-guarani, encontravam-se os tamoios, os tabajaras, os tupiniquins, os tapajóses, os potiguaras e outros. Dentre eles, algumas características em comum podem ser mencionadas, como:

  • Alimentação com base na agricultura, na coleta e na caça;
  • Formação de sociedades complexas e hierarquizadas;
  • Alguns nômades e outros sedentários, com expansão de territórios através de guerras;
  • Comércio com outras tribos;
  • Locomoção através da rede fluvial americana;
  • Sociedades sem uso de escrita;
  • Tradições orais e uso de mitos e religiões com fins educativos. 

Como visto, esses grupos utilizavam principalmente a tradição oral como forma de educação e de transmissão de conhecimentos. O passado não era visto de forma linear, portanto, esses nativos estariam sempre convivendo com seus ancestrais. Desta forma, a espiritualidade, através do Pajés, realizava um papel fundamental na educação e na troca de conhecimentos. 

Os relatos dos colonizadores e a tradição oral.

De fato, as características mencionadas acabam dificultando que historiadores compreendam a fundo essas sociedades do passado. Os únicos registros escritos deixados são os dos portugueses. Estes, por sua vez, são marcados pelos pré-conceitos do colonizador e pela visão contaminada. 

Logo, apenas recentemente que a historiografia tem se debruçado mais sobre as tradições orais das tribos sobreviventes. A partir delas e da arqueologia, buscam compreender de forma mais precisa essas sociedades. Assim, sem a interferência do olhar eurocêntrico, a complexidade desses povos do passado e a riqueza das culturas se torna muito mais nítida. 

Assim como, a partir dessa perspectiva das tradições dos próprios nativos, podemos observar melhor os impactos da colonização. Sabemos, evidentemente, que a colonização foi responsável por um dos maiores genocídios da história. Entretanto, não fora apenas vidas que foram ceifadas pelas guerras e pelas doenças.

Durante o período colonial, muito das culturas nativas também foi perdido com o extermínio de etnias inteiras. Logo, tanto a cultura material quanto a imaterial, ou seja, ferramentas, vasos, cestas, armas, histórias e lendas foram perdidas para sempre. 

Assim, atualmente, muitos historiadores pertencentes a diversas etnias indígenas se empenham nessas pesquisas. Buscam resgatar e compreender seus próprios passados, destacando a importância de seus ancestrais. Para isso, é fundamental, portanto, afastar-se dos relatos eurocêntricos dos colonizadores. 

As sociedades indígenas hoje. 

A resistência e a luta política.

Após séculos de genocídios, perseguições por governos autoritários e ataques de ruralistas, a população indígena do Brasil ainda sobrevive. Atualmente essa população resiste principalmente nas reservar indígenas, com territórios demarcados pelo governo. Além dos 690 territórios, cerca de 900.000 pessoas se identificam entre as etnias indígenas dos mais de 305 povos. 

Diferente do passado, os povos indígenas atualmente são muito mais sedentários. Não por opção própria, mas sim pela tomada de seus territórios e pela construção e limitação dos mesmos às reservas. Mesmo com essas demarcações, até hoje essas terras de direito indígena ainda são usurpadas. 

Grupos ligados aos setores ruralistas possuem enorme interesse em terras no norte e no centro do país, como forma de expandir seus negócios. Logo, visando ampliar a extensão da pecuária e da agricultura, muitas vezes atacam esses povos. Outros, entretanto, conseguem tomar as terras indígenas através de alianças políticas e reformulação de leis. 

Por isso, atualmente, a resistência indígena ainda é muito importante e algumas lideranças atuam politicamente. Para valorizar as tradições indígenas e seus direitos às terras demarcadas, nomes como Sônia Guajajara, o Cacique Raoni e o Pajé Yanonami movimentam a política indigenista. Outros grupos, entretanto, ainda vivem em completo isolamento e por isso não possuem lideranças políticas, mas ainda assim são protegidos. 

Cacique Raoni na abertura da Confêrencia Nacional Indígena - 2016

Os modos de vida e os costumes atuais.

Como visto, algumas sociedades indígenas vivem em completo isolamento. No Brasil, estima-se que cerca de 100 povos indígenas vivam em isolamento na Amazônia. No entanto, esses povos muitas vezes vivem de forma nômade, sempre fugindo da expansão das atividades capitalistas na região. Essa constante movimentação acaba impactando na própria cultura desses povos, que precisa sempre se adaptar às novas regiões. 

Apesar disso, muitos povos, como visto, sustentam a vida sedentária, sobretudo nas reservas. Estes ainda conseguem manter muito mais de seus costumes e suas tradições. Podemos destacar, assim:

  • Agricultura de subsistência, principalmente de batata-doce, mandioca, milho e frutas;
  • Alimentação com base também na caça de pequenos animais e pesca;
  • Relação de uso consciente da natureza, limitando-se ao próprio sustento, com uso da flora e fauna local para construir habitações, remédios, ferramentas e adereços;
  • Consciência na conservação da biodiversidade local;
  • Convivência comunitária em casas comunais, chamadas malocas, com pouca ou nenhuma valorização de propriedade privada;
  • Manutenção das tradições orais e uso das histórias como forma de educar e transmitir conhecimentos;
  • Importância pedagógica da espiritualidade, da cosmologia e das religiões.

A questão cosmológica indígena é fundamental para entendermos essas sociedades. Afinal, suas religiões e histórias orais são parte importante da forma como se relacionam com a terra. Assim, os xamãs, ou pajés, são figuras fundamentais na vida dessas sociedades. Isso porque são eles os responsáveis pelas cerimônias, contatos espirituais e construção de narrativas. 

Essas cerimônias também são de grande importância, não só pela questão da espiritualidade, mas também da sociabilidade. É através de cerimônias e rituais que as passagens para a vida adulta são feitas, ou agradecimentos aos deuses, ou até mesmo competições. Justamente nessas cerimônias que muitos pajés utilizam alucinógenos ou formas de entrar em transe para manter contato com deuses e espíritos. 

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