Entenda a importância da Constituição-Cidadã para a democracia brasileira.
Depois de longos 26 anos de uma ditadura civil-militar, a democracia finalmente se reestabeleceu no Brasil.
A partir de 1985, um novo cenário político se construiu no país, permitindo espaço para debates sobre uma nova Constituição.
Assim, a Constituição de 1988 surgiu como um símbolo dos novos tempos.
Mas por que tamanha importância? Que novos tempos seriam esses?
Entenda neste artigo a importância desta Constituição para o estabelecimento de um regime democrático no Brasil.
Saiba quais foram as conquistas das novas leis e quais pontos ela ainda falha.
A História das Constituições brasileiras
A Constituição do Império
Entendemos que o surgimento das Constituições como resultados de um projeto iluminista está relacionado aos séculos XVIII e XIX.
Ainda que a antiguidade pese sobre nossas leis, John Locke, Montesquieu, Rousseau e Voltaire formaram a base da sociedade ocidental.
Com esses filósofos, algumas ideias passaram a nortear a política ocidental, como:
- Defesa das liberdades
- Direito à propriedade privada
- Igualdade jurídica
- Soberania do povo
Portanto, é inegável a influência iluminista, por exemplo, nas constituições brasileiras. Até mesmo em 1823, o primeiro projeto constitucional brasileiro, já buscava a referência burguesa.
A chamada “Constituição da Mandioca” tinha um forte caráter “antiabsolutista”, pois limitava os poderes do Imperador. Por mais que não fosse democrática, permitia um voto censitário para quem comprovasse renda mínima e garantia a separação dos poderes.
Tendo em vista que D. Pedro não concordava com a limitação de seu poder, ele encerra a constituinte de 1823.
Com plenos poderes, o Imperador outorgou uma nova Constituição em 1824.
Esta, estabelece o chamado Poder Moderador, garantindo para o monarca a interferência permanente nos outros poderes.
Assim, apesar de haver uma monarquia constitucional, como defendida por alguns iluministas, resquícios do absolutismo ainda sobreviviam. Desta forma, configurou-se no Brasil uma complexa disputa entre a modernização liberal e a herança absolutista por todo o século XIX.
No entanto, com tantas Revoluções liberais ao longo do século XIX, era impossível o ocidente negar a força do iluminismo. Desta forma, o liberalismo brasileiro foi aceito durante o império, mas sempre conveniente com o que as elites precisavam.
Por fim, o Estado imperial brasileiro se formou ao longo do XIX em um claro conflito entre as ideias conservadoras e as liberais.
A própria Constituição de 1824 simbolizava esse antagonismo, na forma de um “progresso” conservador.
Constituição da Proclamação da República ao Estado Novo
No dia 24 de fevereiro de 1891, uma nova Constituição foi aprovada, mas sem monarquia e parlamento.
Vigorava então, desde 1889, o regime republicano, com o presidente Deodoro da Fonseca. Apesar da chamada República da Espada ter apresentado um caráter autoritário, a nova Constituição estabeleceu diversos marcos do liberalismo.
Com ela:
- O Estado se tornava laico
- Garantiu-se a divisão e o equilíbrio dos três poderes.
- Eliminou definitivamente o poder moderador
- Instituiu o habeascorpus
- Reafirmou a abolição da escravidão
- Manteve o voto censitário, mas com menos restrições e aberto.
Apesar das mudanças, a nova Constituição também manteve certas ferramentas para garantir que uma elite oligárquica se mantivesse no poder.
Neste período, a chamada República do Café com Leite representou o domínio de cafeicultores paulistas e mineiros na política. Com o voto aberto, impedindo apenas mendigos, mulheres e analfabetos, as fraudes foram muito maiores.
Em diversas regiões do Brasil, os coronéis garantiram currais eleitorais através da violência e da manipulação do voto.
Assim, com a Política dos Governadores, a Comissão Verificadora dos poderes e o Coronelismo, as eleições permaneciam constitucionalmente viciadas.
Getúlio Vargas ainda se posicionou contra essa política em seu movimento de 1930. Entretanto, apesar de garantir mudanças na Constituição de 1934, apenas a de 1946 que realmente pôs em prática as alterações.
Ainda que em 1934 o voto secreto e feminino tenha sido garantido, Vargas logo iniciou uma ditadura.
Assim, a Constituição de 1934 foi logo substituída por uma nova em 1937. Essa, por sua vez, inspirada nas Constituições da Alemanha Nazista e da Polônia, ficou conhecida como a Polaca. De forte caráter ditatorial:
- garantiu a prisão e exílio de opositores
- Dissolveu o Congresso
- Proibiu partidos políticos
- Censurou a imprensa.
A constituição no contexto da ditadura militar
Em 1945, a ditadura do Estado Novo já não se sustentava mais.
Assim, a redemocratização teve início, levando Eurico Gaspar Dutra ao poder em 1946. No mesmo ano, uma nova constituição foi promulgada, estabelecendo, enfim, marcos liberais e democráticos.
A nova Constituição retomou muitas características da de 1934, colocando-as, desta vez, em prática. Assim, garantiu o princípio federalista, com autonomia dos estados e municípios e o equilíbrio entre os três poderes.
A mesma também manteve as conquistas trabalhistas de 1934, como a CLT, o direito à greve e a livre associação sindical.
Quanto ao voto, a Constituição garantiu o sistema democrático, com voto direto e secreto para presidente e pluripartidarismo. Desta vez, a conquista do voto feminino foi posta em prática, como um direito de todas as mulheres.
A Constituição de 1946 era, portanto, uma vitória para os direitos individuais e a defesa da liberdade e das igualdades jurídicas.
Apesar de diversas ementas e tentativas de golpe entre 1946 e 1964, garantiu minimamente o funcionamento democrático e constitucional do Estado.
Entretanto, para alguns grupos da elite e da classe média brasileira, a democracia e a liberdade se tornaram ideais indesejados. Assim, em março de 1964, o golpe civil-militar rompeu a estabilidade democrática e anulou direitos.
A Constituição manteve o funcionamento do Congresso, mas com claro desequilíbrio entre os poderes.
O executivo, agora, poderia interferir plenamente, adicionando Atos Institucionais (Ais) na própria Constituição. Com um projeto de Segurança Nacional e visando combater um “inimigo interno”, a ditadura desrespeitou os direitos e as liberdades individuais.
- Opositores foram perseguidos
- partidos fechados
- pessoas presas, exiladas e torturadas.
Com o Ai 5, de 1968, o direito de habeas corpus havia sido suspenso, tornando ainda mais vulnerável cada cidadão brasileiro.
A Constituição de 1967 foi, portanto, uma das mais violentas já criadas durante a República.
A transição democrática em 1985
O caráter de estado de exceção vigorou durante os anos com os militares no poder, perseguindo, torturando e matando opositores.
Durante 21 anos, suprimiu-se as liberdades individuais e os direitos conquistados com tantos esforços. Com a opressão e a violência, o Estado não podia ser investigado ou mesmo contestado.
Casos de corrupção eram abafados, excessos não eram denunciados e torturadores, até hoje, permanecem impunes.
Assim, ao final da década de 1970, com o desgaste do milagre econômico e do próprio autoritarismo militar, a Ditadura iniciou um processo de reabertura.
Um processo, entretanto, que se caracterizou por ser “lento, gradual e seguro”, sem pôr em risco os interesses conquistados pela elite brasileira que apoiara a ditadura nos últimos anos.
De fato, gradualmente a ditadura se tornava menos repressiva. Com a Lei de Anistia de 1979, o fim do bipartidarismo e as eleições para governadores, a participação política da população aumentava.
Nomes como Leonel Brizola, Luís Inácio Lula da Silva e Ulysses Guimarães ganharam destaque no cenário político. Essas figuras interpretavam os anseios por maior liberdade e democracia da população.
Nas ruas, a manifestação do povo era evidente, diversas passeatas, a partir dos anos 1980, passaram a exigir maiores direitos políticos.
Além da insatisfação com os militares, gritava-se “Diretas Já”, demonstrando a vontade do povo de votar diretamente para presidente. No entanto, o projeto dos militares de uma redemocratização segura saiu vitorioso.
Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, as eleições de 1985 ocorreram de forma indireta mais uma vez. Porém, agora, com a vitória de um candidato civil, Tancredo Neves.
Apesar do presidente eleito não assumir, por conta de seu falecimento, o governo continuou com um civil no poder, José Sarney. É neste contexto, portanto, que se iniciou a Assembleia Constituinte para pensar a nova Constituição.
A Assembleia Constituinte de 1987
Com a democracia se restabelecendo, em 1986, eleições por todo o Brasil formaram uma Assembleia constituída por 559 parlamentares.
Esse planejamento consistia em uma ideia de Congresso Constituinte, diferente do que havia sido feito em Constituições do passado.
Enquanto em outros casos, membros específicos foram eleitos apenas para escrever a Constituição, em 1987, o próprio Congresso era o responsável.
Estes juravam representar a população brasileira e atender aos anseios por maior democracia e liberdade. Os parlamentares pertenciam principalmente aos partidos PMDB, PFL, PTB, PSD e outros, sendo a Assembleia presidida por Ulysses Guimarães.
No esquema abaixo podemos perceber a composição desse Congresso, dominado, sobretudo, pelo PMDB:
Apesar do domínio do PMDB, havia certa pluralidade política, se compararmos com o bipartidarismo da ditadura.
Essa mínima pluralidade garantiu não apenas uma redemocratização conservadora, como também algumas medidas progressistas muito importantes.
Vale destacar que essas conquistas foram alcançadas mesmo com uma baixa representatividade. Dentre os 559 parlamentares, apenas 25 deputadas eram mulheres, por exemplo.
Assim, com esses representantes, os textos e novas leis foram debatidos durante 19 meses. Em 1988, a nova Constituição era, enfim, promulgada, com 245 artigos e o apelido de “Constituição Cidadã”.
A Constituição Federal de 1988
Nascendo em um período de redemocratização e representando os anseios por maior liberdade, a nova Carta contrariava a de 1967. Afastando o autoritarismo dos últimos anos, a Constituição de 1988 retomava as garantias básicas de todos os cidadãos brasileiros.
Através dela, garantia-se:
- os direitos à liberdade, seja de expressão, de pensamento ou de manifestação
- o direito ao voto, sendo desta vez ampliado para todos os cidadãos e cidadãs maiores de 18 anos
- eleições diretas, universais e obrigatórias
- a questão dos Direitos Humanos
- o Habeas Corpus a todos os cidadãos
- a tortura como crime inafiançável.
Na questão do trabalho, as conquistas da Constituição de 1934 foram retomadas e ampliadas. Os trabalhadores teriam direito a greve e a livre associação sindical, com a manutenção da CLT e a redução para 44h horas de trabalho semanais.
Aos trabalhadores também foi garantido o direito a férias remuneradas e a licença maternidade de 120 dias.
A Carta de 88 também atingiu alguns objetivos mais progressistas nas questões étnicas. A partir de 1988, reconheceu-se constitucionalmente o direito de indígenas e quilombolas à posse de terras ocupadas historicamente.
Ainda neste tema de questões étnicas e raciais, o racismo, finalmente, tornou-se crime inafiançável.
Enfim, apesar das conquistas liberais da Constituição Cidadã, algumas críticas e pontos ainda causam debates. Como visto, a formação da constituinte teve um viés conservador e a redemocratização foi lenta.
Assim, algumas necessidades questionadas pela sociedade foram deixadas de lado. Um grande exemplo é a própria reforma agrária, que não foi colocada em debate.
Outro ponto muito questionado, sobretudo por liberais, é a forte intervenção do Estado na economia, garantido pelas leis. Segundo alguns autores, a Constituição de 88 permite uma sobrecarga do Estado.
Confira o vídeo abaixo caso queira se aprofundar no tema:
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