Entenda neste artigo como surgiu o socialismo, suas principais características e os países que já adotaram
Um dos grandes conflitos políticos do século XX se manifestou na polarização do mundo. De um lado, o bloco socialista, liderado pela U.R.S.S., do outro o capitalista, dos E.U.A. Essa grande divisão trouxe ao mundo um dilema, a escolha entre a liberdade prometida pelo capitalismo ou a igualdade socialista.
Este cenário, conhecido como a Guerra Fria, levantou no ocidente a questão, afinal, o que é o socialismo? Entre mentiras, alarmismos, violência, guerrilhas, perseguições e conflitos, o espectro do socialismo rondou o ocidente. Assim, este texto explora o socialismo na teoria e na prática para tirar muitas dúvidas sobre esse assunto.
1 – O que é o socialismo?
O Bolchevique, Boris Kustodiev (1920)
O socialismo é um conjunto de doutrinas culturais, sociais, econômicas e políticas voltadas para a construção de uma sociedade igualitária. Sem possuir unidade teórica, ou prática, o socialismo ao longo dos séculos é debatido por diversos intelectuais. Karl Marx e Friedrich Engels se destacaram como os principais teóricos. Entretanto, pensadores como Vladmir Lênin, Antônio Gramsci, Leon Trótski e Rosa Luxemburgo também apresentaram outras faces para o socialismo.
Certamente, sabemos que algumas características são comuns entre os diversos autores, como:
- fim da propriedade privada;
- socialização dos meios de produção;
- fim da luta de classes;
- defesa dos trabalhadores;
- fim das desigualdades;
- luta contra o capitalismo;
Contudo, alguns pontos do que poderia se tornar o socialismo na prática, ou de como alcançá-lo, não apresentam um consenso entre pensadores. Apesar de Marx defender a via revolucionária, no Chile de Salvador Allende, por exemplo, a via democrática foi vitoriosa. A própria Rosa Luxemburgo, em seus textos, criticou Lênin pelo autoritarismo da Revolução Bolchevique. Para a autora:
A prática do socialismo exige uma completa subversão no espírito das massas (…). Instintos sociais em lugar dos instintos egoístas (…). Mas ele [Lênin] se engana completamente no emprego dos meios. Decreto, poder ditatorial dos inspetores de fábrica, sanções draconianas, terror (…). A única via que leva a um renascimento é a própria escola da vida pública, uma democracia mais ampla (…). É justamente o terror que desmoraliza.
Podemos perceber, assim, que o socialismo é como um caleidoscópio, com múltiplas cores e formas. Entretanto, em sua essência ainda mantém radicalmente a luta contra o capitalismo pela libertação das classes exploradas. Libertação essa que levaria, teoricamente, a uma sociedade igualitária, sem a exploração do homem pelo homem e com propriedades coletivizadas.
2 – Teorias socialistas: o socialismo utópico.
Desde o período renascentista, a burguesia crescia paulatinamente e se tornava uma classe social de grande poder econômico. Ao acumular cada vez mais riquezas, também construía um mundo onde suas ideias se estabeleciam como hegemônicas. Assim, com a Revolução Industrial e com as Revoluções liberais, essa classe finalmente conseguiu derrubar o Antigo Regime.
Desta forma, no século XIX, a burguesia estabeleceu uma nova ordem social no ocidente e inaugurou o capitalismo industrial. Contudo, com a ascensão burguesa, novos conflitos sociais passaram a existir, sobretudo na organização de uma nova classe, o proletariado. Esse novo grupo, que surgiu nos meios urbanos no final do século XVIII, tornou-se o foco da exploração industrial.
Servindo como a principal mão de obra da nova fase do capitalismo, o proletariado não contava com os privilégios da burguesia. Enquanto as riquezas se concentravam nas mãos de poucos banqueiros e industriais, o trabalho duro e a pobreza eram coletivizados entre os operários. Desta forma, neste cenário de exploração e conflitos sociais, o sonho da construção de uma sociedade mais justa e igualitária floresceu.
Apelidados pejorativamente de socialistas utópicos, os primeiros militantes da causa eram em sua maioria nobres e burgueses. Dentre os pensadores e ativistas dessa corrente destacaram-se:
- Conde de Saint-Simon (1760-1825)
- Charles Fourier (1772-1837)
- Robert Owen (1771 – 1858)
2.1 – O industrialismo do Conde de Saint-Simon.
Envolvido com a Revolução francesa, Claude-Henri de Rouvroy, o Conde de Saint-Simon, abriu mão de sua nobreza para defender uma sociedade sem privilégios. Apesar de não se definir como socialista, Saint-Simon defendeu mudanças que levaram Marx a reconhece-lo como um socialista utópico.
Em seus textos, Saint-Simon atacou duramente aqueles que considerava ociosos, sendo eles o clero, os militares e a nobreza. Para este filósofo, a sociedade deveria ser conduzida pelo que o mesmo denominava como industrialismo. Assim, apenas aqueles que trabalhavam e produziam seriam dignos de tomar as decisões coletivas.
Vale destacar que, para este filósofo, essa sociedade de trabalhadores não seria formada exclusivamente por operários. A produção seria uma aliança entre proletários, burgueses, cientistas, sábios, artistas e todos os que não fossem ociosos. Nessa aliança, enfim, não existiria a exploração econômica de uma classe pela outra, nem o domínio da religião.
Assim, essa relação seria possível apenas com a valorização das ciências e da educação das classes mais pobres. Seria a ciência, enfim, que levaria ao progresso e a harmonia essa sociedade.
2.2 – Os falanstérios de Charles Fourier.
Influenciado por um pensamento humanista e roussoniano, o filósofo François Marie Charles Fourier acreditava que o homem seria naturalmente bom. Assim, defendia o fim da exploração humana e melhorias para os proletários. Especula-se que Fourier, tenha sido um dos primeiros a utilizar o termo socialismo, possivelmente criado por Pierre Leroux, em 1831.
Fourier defendia que a sociedade corrompia o homem e percebeu que o mundo industrial do século XIX precisava de mudanças. Assim, para melhorar as condições de trabalho e criar uma sociedade mais harmônica, propôs a construção dos chamados falanstérios.
Os falanstérios seriam, portanto, unidades de produção e consumo que tinham como características:
- cooperação mútua de seus trabalhadores
- consumo autossuficiente
- propriedade coletiva
- produção socializada
Essa forma de trabalho, assim, eliminaria a exploração do homem pelo homem. Contudo, apesar da ideia de Fourier incentivar outros pensadores, pouco atraiu investidores. Fazendas que seguiam o modelo pensado por Fourier chegaram a ser construídas em outros países, mas também sem muito sucesso.
Desta forma, a instabilidade das ideias e o fracasso na prática levaram Marx a definir esse pensamento como uma forma de socialismo utópico. Afinal, não haveria uma proposta real de luta contra o capitalismo e de formação de uma sociedade socialista. r ditaduras do que como forma real de governo.
Perspectiva de um Falanstério – Victor Considérant (século XIX)
2.3 – As cooperativas de Robert Owen.
Assim como Fourier, Robert Owen também foi um grande crítico da exploração humana nas fábricas. Como Fourier, que propôs os falanstérios como resposta para a construção de uma sociedade harmônica, Owen buscou criar uma comunidade ideal.
Mostrando inicialmente uma visão assistencialista, apoiando os empregados de suas fábricas, em 1817, entretanto, Owen passou a criticar mais o capitalismo. Percebendo que uma comunidade igualitária só poderia existir distante desse sistema político-econômico, aplicou suas ideias em New Lanark, na Escócia.
Nessa comunidade, os trabalhadores tiveram jornadas reduzidas para 10h diárias, educação de qualidade e alto nível de vida. O consumo local ainda era muito mais barato do que nas grandes cidades. A proposta de Owen teve certo sucesso inicialmente, entretanto, a perseguição sofrida pelos seus ideais levou-o ao exílio.
Nos Estados Unidos Owen ainda tentou repetir e aprofundar suas ideias com a criação da comunidade de New Harmony. No entanto, não obteve o mesmo êxito.
3 – Teorias socialistas: o socialismo científico.
Como visto, as propostas de Saint-Simon, Fourier e Owen foram denominadas por Marx e Engels como um socialismo utópico. Para esses autores, seria utópico porque não desestabilizavam o cerne do problema da exploração do operariado, que era o capitalismo. Desta forma, sem uma crítica contundente e a superação desse modo de produção, não haveria, para Marx, socialismo.
Para estes autores, o motor da história seria a luta de classes, presente em todas as sociedades. De uma forma dialética, ao longo do tempo, diversas classes representaram a tese ou a antítese, que depois geraram uma síntese. Ou seja, no Antigo Regime, por exemplo, a burguesia seria uma antítese à aristocracia, já a Revolução Francesa seria a síntese dialética. Essa superação estabeleceu, enfim, o que Marx considerava um conflito final, entre burguesia (tese) e proletariado (antítese), que daria início ao socialismo (síntese).
Na visão marxista, o antagonismo entre essas classes reproduzia a exploração de uma classe, que domina os meios de produção, por outra, que é explorada. Entretanto, o capitalismo seria o último patamar, pois, com a revolução do proletariado, chegaria, enfim, uma sociedade igualitária.
Essa sociedade seria organizada pelos princípios do socialismo, que seria alcançada por uma revolução e estabelecida pela ditadura do proletariado. Assim, o capitalismo chegaria ao fim, abolindo a exploração de uma classe pela outra e socializando os meios de produção. Um partido único garantiria, enfim, a organização social, preparando o terreno para a próxima etapa do socialismo, o comunismo.
Por contar com um projeto teórico bem estruturado de crítica e combate ao capitalismo, essa forma de socialismo ficou conhecida como científica.
- Na obra O Capital, Marx e Engels apresentam uma complexa análise sociológica e econômica do capitalismo.
- No Manifesto Comunista, os pensadores formulam um planejamento prático para articular as massas, superar o capitalismo e construir o socialismo.
4 – A difusão e a perseguição ao socialismo.
A construção de um pensamento científico para a crítica ao capitalismo e para a ascensão do socialismo conquistou muitos no XIX. A figura do trabalhador socialista começou a se difundir pelo mundo, fomentando assembleias populares e lutas em diversos países. Esses militantes passaram a chamar tanta atenção que, em 1891, o Papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum novarum.
Ao mesmo tempo que destacava a luta pela justiça social da Igreja e a preocupação humanista, essa encíclica condenou o socialismo. Entretanto, muitos católicos não deixaram de se aproximar das doutrinas marxistas, criando, inclusive, a teologia da libertação.
- Ainda no século XIX, a organização dos operários em sindicatos e na Internacional Comunista incentivou a difusão do socialismo. No entanto, as conquistas práticas ainda se limitavam ao reformismo ou a tentativas frustradas, como a comuna de Paris.
- Apenas no século XX que o pensamento socialista começou a sair das teorias e se estabelecer de forma contundente.
- Já no início do século XX, diversos partidos comunistas se instalaram ao redor do mundo, com fortes propostas revolucionárias.
- Em 1917, enfim, uma grande revolução na Rússia levou à criação da primeira experiência socialista concreta e vitoriosa.
No entanto, apesar do sucesso da revolução russa, não houve uma universalização do socialismo. Assim, militantes ao redor do mundo passaram a sofrer com a perseguição política. Temendo a expansão do bolchevismo, a burguesia internacional articulou diversas formas de proibir partidos comunistas e exilar seus militantes.
Durante a década de 1950, com a Guerra Fria, a construção de uma imagem maligna do socialismo se tornou ainda mais incisiva. Com a política do macartismo, lançada pelo senador americano Joseph McCarthy, socialistas foram perseguidos, torturados e assassinados pelo mundo. Assim, durante o século XXI, o socialismo se tornou o principal inimigo do ocidente, dominado pelo capitalismo e por seus defensores.
Cienfuegos, Cuba!
5 – Alguns países socialistas e suas características.
- U.R.S.S. – Formado em 1917 pela revolução liderada por Vladmir Lênin, a U.R.S.S é até hoje a principal experiência socialista da história. Entre as décadas de 1940 e 1970 viveu o auge do seu poderio econômico e militar. Convivendo intimamente com o totalitarismo, teve como lideranças figuras extremamente autoritárias, como Josef Stálin. Tornou-se um exemplo de socialismo real, combatendo as desigualdades em seu país e desenvolvendo muito a economia e a tecnologia. No entanto, o autoritarismo, a violência, os desrespeitos aos direitos humanos e a corrupção revelaram uma face sombria dessa experiência.
- China – Na China, o socialismo se estabeleceu em 1949, a partir da Revolução Comunista, que criou a República Popular Chinesa, liderada por Mao Tse-Tung. Essa revolução, que também visava libertar a China do domínio imperialista, realizou diversas reformas sociais e econômicas. Focado no trabalhador rural, o socialismo chinês coletivizou terras e criou comunas agrícolas. Apesar de receber um apoio inicial da U.R.S.S, acabou rompendo com os soviéticos na década de 1960. Assim, desde os anos de 1970, até hoje, a China mantém um poder centralizado no Partido Comunista Chinês, extremamente autoritário e aberto a certas práticas capitalistas.
- Cuba – Fruto de um contexto de lutas anti-imperialistas, a Revolução Cubana, inicialmente, visava apenas a libertação do domínio norte-americano. No entanto, o sucesso da empreitada de Fidel Castro e Che Guevara despertou, em um mundo polarizado, a inimizade dos E.U.A e o apoio da União Soviética. Neste cenário, Cuba se tornou uma das principais experiências socialistas do ocidente. Apesar da longínqua ditadura dos irmãos Castros na ilha e da recente e gradual abertura econômica do país, Cuba ainda apresenta ótimos índices. Diferente de outros países latino-americanos, o socialismo cubano apresenta baixas taxas de desigualdade social, um sistema de saúde que se tornou referência mundial e ótima educação pública.
6 – E o Brasil? Já foi um país socialista?
Diferente do que alguns podem pensar, o Brasil jamais passou por uma experiência de socialismo. Apesar de opositores, historicamente, chamarem figuras como Vargas, Lula e Dilma Roussef de comunistas, estes nunca fizeram do Brasil socialista. Logo, durante o século XX e XXI, os governos brasileiros sempre optaram pelo capitalismo, ainda que, por vezes, com viés social-democrático.
É importante destacar que, ao longo do século XX, alguns surtos eufóricos colocaram o socialismo como o grande inimigo nacional. Entretanto, o movimento socialista no Brasil, mesmo em seu auge ou com a difusão de guerrilhas, jamais foi uma ameaça.
- Em 1922, o PCB foi criado, em um momento que a classe operária no Brasil se organizava como movimento. No entanto, já na década de 1930, o fracasso da Intentona Comunista da ANL abriu portas para uma severa perseguição.
- Já em 1935, a ANL foi colocada na ilegalidade. Com a declaração do estado de sítio, seus membros foram perseguidos, sendo presos e condenados. Além da criação do Tribunal de Segurança Nacional, para julgar crimes, em 1936, criou-se também a Comissão de Repressão ao Comunismo.
- Em 1937, Vargas anunciou o falso Plano Cohen, que declarava uma suposta revolução socialista. O plano foi utilizado, assim, para legitimar o início de uma ditadura.
- Em 1947, início da Guerra Fria, o PCB teve seu registro cassado no Brasil, que vivia o retorno da democracia.
- Entre 1964 e 1973, guerrilheiros socialistas lutaram contra a ditadura militar, mas jamais tiveram força para uma revolução. Historiadores defendem, inclusive, que o governo postergava a derrota total desses movimentos para continuar os utilizando politicamente.
Sendo assim, com ditaduras e movimentos socialistas desorganizados, tal prática nunca se instalou efetivamente no Brasil. O socialismo, enfim, foi mais utilizado como articulação para legitima
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