1. O foco da filosofia moderna estava na teoria do conhecimento
Esse primeiro ponto, de fato, é o mais básico e essencial, porque trata do próprio estilo da filosofia moderna, da atmosfera comum que foi partilhada por todos os grandes filósofos que escreveram no século XVI e XVII. Diferente dos pensadores antigos e medievais, que praticavam uma filosofia essencialmente ontológica, os autores modernos construíram uma filosofia fundamentalmente epistemológica. Ora, o que eu quero dizer com isso? É simples: os filósofos da Antiguidade e da Idade Média tinham como meta elaborar teorias que explicassem a realidade, que mostrassem como e porque as coisas são do jeito que são, o que caracteriza o pensamento ontológico (“to ontós” é, em grego, o verbo “ser“), afinal, eles se preocupavam em explicar, acima de tudo, o ser das coisas – centravam-se no objeto de conhecimento. Contrariando esta atitude, os modernos adoraram uma postura epistemológica (“episteme” em grego, significa “conhecimento”), ou seja, procuraram, antes de explicar o que as coisas são, mostrar como é possível o nosso próprio conhecimento, como é possível que nós conheçamos as coisas. Para os autores modernos, não faz sentido o homem tentar entender a realidade, se antes não sabe quais são os limites e os fundamentos de seu próprio saber. Nesta perspectiva, sem uma análise prévia do sujeito do conhecimento, é impossível entender o objeto, ou, em outras palavras, sem uma fundamentação completa de nossa capacidade de conhecer, qualquer teoria ontológica que elaboremos poderá ser posta em xeque.
2. Descartes propôs o método da dúvida
Dentre todos os autores da filosofia moderna, o mais importante, certamente, foi o francês René Descartes (1596–1650). De acordo com o espírito de seu tempo, Descartes pôs no primeiro plano de sua filosofia a busca por uma teoria do conhecimento consistente, capaz de apresentar os fundamentos últimos de nosso saber. Curiosamente, porém, o meio que propôs para se alcançar esta certeza firme e inabalável foi o método da dúvida. Em outras palavras – e é isto que o tornou célebre –, Descartes pensava que o melhor método para se alcançar um saber firme e inquebrantável é questionar tudo aquilo que possa ser posto em dúvida, das mais abstratas crenças às mais cotidianas, não admitindo nada que não seja absolutamente seguro e inquestionável. Naturalmente, o que o filósofo procurava com isso era eliminar do caminho todas as crenças supersticiosas ou incertas e erigir com isso um edifício do saber que jamais pudesse ser demolido. As conclusões do método da dúvida empregado por Descartes estão expostas detalhadamente em seus livros, especialmente no Discurso do Método e nas Meditações Metafísicas. Tanto numa obra quanto na outra, a primeira certeza que Descartes admite como inquestionável é a da própria existência, que é garantida pelo próprio método. Daí a famosa frase “Penso, logo existo”.
3. O empirismo justificava o conhecimento através da experiência
Ainda que não eu tenha desenvolvido em minúcia a explicação da argumentação cartesiana, não é difícil perceber, a partir do ponto 2, em que teoria do conhecimento ela desemboca. Se a primeira certeza de Descartes é o “Penso, logo existo”, isto significa que o que garante todo o edifício do saber cartesiano é o pensamento, isto é, a razão. Em outras palavras, Descartes é o pai do racionalismo, da teoria epistemológica segundo a qual a racionalidade é o fundamento de todo saber humano. Opondo-se a esta perspectiva, que consideravam inadequada, vários filósofos modernos, sobretudo britânicos, propuseram outra teoria do conhecimento: o empirismo. Para os empiristas, como John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776), o fundamento do conhecimento humano é a experiência, ou seja, a percepção fornecida pelos cinco sentidos do corpo humano. Segundo o empirismo, o homem não nasce com qualquer saber prévio, inato. Ao contrário, ao nascer, sua mente é tal como uma tábula rasa, um quadro em branco, que se preenche progressivamente através das ideias fornecidas pela sensibilidade.