Redação Exemplar

Publicidade infantil em questão no Brasil

Abrindo as cortinas

Brás Cubas, o defunto-autor de Machado de Assis, diz em suas “Memórias Póstumas” que não teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. Talvez hoje ele percebesse acertada sua decisão: a postura de empresários e anunciantes em relação à publicidade para crianças é uma das faces mais perversas de uma sociedade que se despe de valores éticos em nome do estímulo ao consumo. Reverter esse quadro sem ferir a liberdade de expressão – eis a missão de um país que se diz democrático.

É válido considerar, antes de tudo, o poder da propaganda no século XXI. A fim de persuadir os consumidores, empresas utilizam-se de linguagem sugestiva e apelos sensoriais – como trilhas sonoras temáticas e animações – para tornar mais eficaz a venda de seus produtos. As crianças, imaturas e desprovidas de senso crítico aguçado, acabam por se tornar alvos fáceis dessa estratégia de comunicação. Marshall McLuhan afirmou que “o meio é a mensagem”, e os veículos de mídia parecem ter aprendido muito bem essa lição quando trouxeram os personagens, as cores e as músicas infantis para a sua publicidade.

Cabe apontar também o papel da família nesse processo. A sociedade patriarcal do passado, centrada na figura do homem, cedeu lugar a relações mais flexíveis entre pais e filhos, em que estes passaram a ter maior autonomia e poder de escolha. O mercado, sempre atento, percebeu a mudança e passou a investir em atores-mirins para divulgar seus produtos. Prova disso são os recorrentes comerciais de TV que usam crianças para vender eletrônicos e outros produtos “adultos”. Nesse contexto, progenitores acabam por se descobrir reféns dos pequenos influenciadores que habitam seus lares.

Fica evidente, portanto, que excessos na publicidade infantil devem ser combatidos, sem que ocorra o retorno nefasto da censura. Para isso, o governo brasileiro deve regular o setor, fiscalizando e criando leis que limitem os interessados, seguindo as melhores práticas de referências democráticas como Reino Unido e Suécia. A mídia precisa exercer de forma plena sua função social, denunciando e coibindo abusos dos anunciantes por meio de campanhas que trabalhem a questão – sempre seguida de perto por ONGs e comissões de pais que levantem a bandeira. Assim, poderemos, aos poucos, abrir as cortinas do mundo capitalista para nossas crianças, de modo que possam vir a se tornar consumidores realmente conscientes no futuro – e um legado de que Brás Cubas pudesse se orgulhar.