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Morte de Deus

Neste vídeo compreenderemos o sentido da famosa e polêmica afirmação de Nietzsche de que Deus está morto.

O último homem

Vontade de poder

Além-do-homem

Paradoxo da vontade e o pessimismo

Nascimento da tragédia

Superação do pessimismo

Schopenhauer

Arthur Schopenhauer (1788 - 1860) foi um grande filósofo alemão, conhecido principalmente por sua obra “o mundo como vontade e representação”. O pensador caracteriza o mundo fenomenal como expressão de uma irracional e talvez maligna vontade metafisica. Para chegar a essa conclusão o pensador se apropria de elementos do budismo e de alguns aspectos da filosofia.

Um dos aspectos que o filósofo alemão vai recuperar da filosofia kantiana é a ideia de que nós não podemos conhecer as coisas em si mesmas, ou seja, não podemos conhecê-las exatamente como são, restando-nos conhecê-las a partir de representações. Portanto, o que conhecemos são os fenômenos - as coisas tais como aparecem para nós - mas não a realidade em si mesma. Já o conceito de vontade diz respeito a uma vontade cega e irracional que move todos os seres vivos.  Assim, todos os seres, em última análise, lutam pela sua própria vida a partir de uma vontade que é egoísta e voltada para a subsistência. O termo “vontade” foi escolhido por Schopenhauer na ausência de um que expressasse melhor sua ideia. Não se trata de uma vontade leve e ingênua, mas da própria definição do que existe.

A Vontade é a essência da subjetividade, aquilo que forma o “eu” em cada coisa. Não pode conhecer, não pode raciocinar nem tampouco ser compreendida. Não tem fundamento nem origem, é imanente (é sua própria causa, sua razão se encerra em si mesma). Ela é geradora de um profundo desejo, busca sempre se afirmar. Nos outros animais a vontade se expressa como instinto. Mas o ser humano sabe que tem vontade e por isso, para nós, é diferente. Nas palavras de Schopenhauer “A Vontade é um cego robusto que carrega um aleijado que enxerga”. A vontade é a força motriz da vida e a nossa consciência (inclusive de que temos ou somos vontade) é a que guia essa energia. Veja que, na história da filosofia, a razão nunca esteve tão desprestigiada. De fato, Schopenhauer é o primeiro filósofo do ocidente a conseguir dar um estatuto de tanta importância para a irracionalidade, que se torna a base da essência ontológica de seu mundo. Com base nessas ideias de vontade e representação, Schopenhauer vai criticar confiança exagerada na razão, já que o homem, segundo ele, não possui o controle racional sobre as coisas e nem sobre si próprio, pois há um desejo cego e incontrolável que os afeta.

Essa relação entre vontade e consciência é paradoxal, pois estamos sempre em busca de saciar nossa vontade, o que nos leva aos desejos gerados por ela que inevitavelmente levam a dor e sofrimento, seja pela frustração e angústia, seja pela saciedade rapidamente suplantada por mais e mais desejo. O mundo é marcado, seguindo esse ponto de vista, pela dor e pelo sofrimento, pois o homem nunca pode satisfazer completamente o seu desejo. A ética da compaixão e da caridade oferece um contraponto ao egoísmo.  Enquanto o egoísmo parte da ideia de que somos o centro do mundo e, nessa mesma medida, acaba por separar os homens, o exercício da compaixão pode, inversamente, unir os homens naquilo que eles têm em comum.  Assim, percebemos que todas as coisas estão unidas quando estabelecemos uma relação de compaixão com elas.

Para o autor a contemplação artística desinteressada permite se encontrar com a vontade, fazer o movimento que Kant negou, comtemplar nosso “eu” e exercer algum domínio. A arte permite a inversão da relação entre a representação e a vontade, já que a representação é a própria verdade artística que, em alguma escala, cria a vontade. A razão passa de atriz dirigida pela vontade para espectadora. A atividade artística tem graus diferentes de revelação dessas verdades e a música ocupa o principal lugar para Schopenhauer. Ela pode exprimir à vontade em sua essência, libertando o homem de seu controle.

Mas nem tudo são flores. Essa solução não é permanente para o autor. Para mitigar o sofrimento permanentemente, Schopenhauer propôs uma postura estoica, de negação do desejo. Contudo, sua maior inspiração é o pensamento oriental. Apoiado em ideias como a de nirvana, o filósofo confia no poder da intelectualidade na superação do sofrimento. É uma felicidade negativa, onde, em vez de alcançar alguma felicidade, o ser humano vive isento de angústias. Segundo o pensador: ““Sem a negação completa do querer, não há salvação verdadeira, libertação efetiva da vida e da dor”.

Nietzsche e a Influência de Schopenhauer

Nietzsche leu “O mundo como vontade e como representação”, de Schopenhauer e passou a se dedicar a filosofia a partir daí. Já em Schopenhauer havia uma forte crítica aos pensadores alemães. Mesmo sendo um grande devedor de Kant, Schopenhauer aponta aquilo que compreende como ponto fraco da teoria kantiana. Hegel também foi criticado, sendo chamado de “charlatão” e “acadêmico mercenário”. Isso porque o pensamento hegeliano abria espaço para a legitimação de todas as formas de governo, mesmo as mais nefastas, já que são consequência do desenrolar racional da história. Para Schopenhauer a história é caos e irracionalidade.

Vontade de potência

Dando outra interpretação para a vontade, Nietzsche rompe com o pensador pessimista, pois acreditava que a felicidade verdadeira era possível. Sua crítica a Schopenhauer se expressa no conceito de vontade de potência, que, apesar de ser semelhante ao conceito anterior, revela uma afirmação da possibilidade de felicidade.

A vontade de potência chegou a ser usada pelo nazismo, numa interpretação que reduz o conceito a teses biológicas e de competição entre os seres humanos. Entretanto, a interpretação hegemônica atualmente é a de que a vontade de potência é mais que um impulso competitivo de sede por poder, ela é a afirmação da existência. A vontade de potência direciona o ser humano a transcender seus limites existências alcançando a plenitude.

Apolíneo e dionisíaco

Um dos alvos mais martelados por Nietzsche foi Sócrates. Para Nietzsche o pensador grego iniciou uma tradição filosófica que nega o próprio ser humano, por negar a possibilidade de sermos, também, irracionais. Nietzsche acusa Sócrates de negar a intuição criadora dos pensadores que o precederam, os filósofos da natureza ou da physis, conhecidos por pré-socráticos. Nietzsche aponta que essa nomenclatura (pré-socráticos) esconde dois preconceitos. O primeiro consiste em supor o pensamento anterior à Sócrates como um pensamento “menor”, uma “infância” da filosofia. Isso significa negar que foram os filósofos da natureza que fundaram o pensamento racional e negar seu pensamento como uma visão completa da existência que via o humano como parte da natureza. O segundo erro se refere a considerar o pensamento socrático uma ruptura com o pensamento da fase anterior, já que é possível observar a continuidade do pensamento pré-socrático na teoria das ideias de Platão, por exemplo, com a influência de Heráclito e Parmênides.

Nietzsche é contra essa visão inferiorizante dos pensadores da natureza. Para ele, esses filósofos lançaram as bases da ciência com conceitos universais que contribuíram para o desenvolvimento do conhecimento humano. Basta pensar no conceito de átomo ou no desenvolvimento da matemática. Olhar a natureza de forma racional e fazer proposições a partir dela também é uma herança dessa época. Lembre como Tales conclui que “tudo é água”, observando a importância do elemento na natureza. A partir de Platão (e Sócrates) a filosofia perde seu brilho por abandonar o mundo real e se fundar num mundo puramente conceitual. Por isso, para Nietzsche, o pensamento socrático-platônico é um erro, um desvio da filosofia que afastou o homem da natureza e o levou a desprezar o mundo se voltando para um lugar que não existe.

Isso porque, para Nietzsche, a realidade e o próprio ser humano são formados por dois princípios que são complementares – o apolíneo e o dionisíaco. O primeiro faz referência ao deus Apolo (deus da razão, da clareza, da ordem) e o segundo a Dionísio (deus da aventura, da música, da fantasia, da desordem). Ao enfatizar o apolíneo e reprovar o dionisíaco, a Grécia socrática cria um verdadeiro culto à razão que anula a força criadora do ser humano em todas as suas atividades, inclusive na filosofia. Para Nietzsche o mundo é consequência da interação entre os dois princípios gerando uma mistura, uma turbulência, uma complexidade. Separações como ideal e real, superior e inferior e sensível e inteligível não ampliam nosso conhecimento, mas limitam.

Nietzsche afirma que, ao convencer a sociedade ateniense de que a perfeição deveria ser alcançada e isso deveria ser feito por meio da razão, Sócrates interferiu na trajetória das atividades humanas, da arte à política, direcionando o ser humano para o caminho de algo que não existe, ou seja, para o nada. A separação do ser humano da natureza abriu espaço para interpretações religiosas que tornaram o homem fraco e impotente.

Genealogia da moral

Nietzsche desenvolveu uma nova abordagem para pensar o comportamento humano, a genealogia. Partindo de uma perspectiva histórica, o filósofo analisa os valores e a filosofia moral desenvolvida até então. A conclusão a que chega é a de que bem e mal não são noções absolutas, mas concepções circunstanciais relativas aos interesses dos indivíduos. Ou seja, o bem e o mal é um produto histórico-cultural.

Como filólogo, Nietzsche investiga morfologicamente a palavra alemã schlecht (mau) e descobre sua relação com a palavra schlicht (simples). Sua origem está na definição do homem simples, plebeu, que era visto como mau pela classe nobre, o oposto dela mesma que espelhava o conceito de bom. Também no latim o pensador aplica a investigação chegando a malus que se relaciona com melas (negro) que era usada para definir o plebeu de cor morena e cabelos pretos. O bom era o nobre, o puro, o loiro. Assim Nietzsche demonstra a moral como intrinsecamente política e psicológica, afastada de qualquer transcendência.

Enquanto a definição anterior da conta da definição da moral do senhor, há ainda a descrição da moral do escravo, uma moral reativa, covarde e, por isso mesmo, ainda pior no pensamento nietzscheriano. Essa é uma moral do ressentimento, do indivíduo que vê no senhor o mal porque esse o domina e o castiga.

Apesar dessa origem prática da moral, essas concepções de bem e mal são impostas por religiões como produto da “vontade de deus”. Essa foi uma prática da classe sacerdotal (parte da elite) para se voltar contra os nobres. A religião é impregnada da moral do escravo, uma moral que adoece e enfraquece o ser humano, fazendo-o carregar um fardo de dever, culpa, dívida e pecado por ser apenas quem é. Nietzsche afirma que a moral do escravo tem maior destaque na cultura judaica e é herdada pelo cristianismo, subjugando inclusive os senhores. O resultado foi a configuração de indivíduos medíocres, tímidos, insossos, não criativos, depauperados e submissos.

Essa é a maior crítica à civilização cristã e burguesa iniciada por Sócrates. É uma moral de rebanho, pois essa moral estaria baseada na submissão irrefletida e acomodada de grande parte das pessoas aos valores dominantes. Para o filósofo os indivíduos devem compreender os valores que guiam suas vidas e saber que são artificiais, produtos histórico-culturais. Isso permite ao indivíduo refletir sobre suas concepções morais (o que para Nietzsche é um dever) e enfrentar o desafio de viver por sua conta e risco. Não há mais uma concepção universal metafísica ou religiosa para nos guiar: “Deus está morto!”.

Niilismo

Quando o cristianismo perdeu espaço como única verdade e forma de explicar o mundo e começou a competir com outras interpretações sobre o mundo a civilização ocidental sofreu um abalo em suas crenças. Assim o niilismo se ampliou, sendo esse niilismo interpretado por Nietzsche como uma expressão intelectual e afetiva da decadência das estruturas culturais e sociais. Niilismo vem da palavra nihil que significa nada e é um sentimento manifesto em diversas atividades humanas que exprime o vazio de sentido daquilo que antes era uma verdade absoluta.

Com a morte de Deus (como forma de explicar o mundo e ordenar a sociedade, ou seja, metafisicamente), morto por nós mesmo que destruímos os fundamentos que sustentavam a ideia de Deus, restou o nada. Para Nietzsche esse é o grande feito de Schopenhauer, identificar o grande vazio, a falta de sentido nas concepções filosóficas dominantes (de Hegel e Kant), e apontar a angústia gerada pelo nada.

Contra o vazio, Nietzsche defendeu valores afirmativos da vida. Para isso é necessário reconhecer os princípios de existência humana, apolínio e dionisíaco, e ser capaz de afirma-los. É preciso expandir as energias latentes em nós. A grande proposta do filósofo é a transvaloração dos valores. Superar os valores morais artificiais e tornados absolutos e afirmar o que foi negado e proibido. Confiar e dizer sim ao ser humano abraçando o que foi desprezado e maldito. A transvaloração é um questionamento dos valores colocados e um rompimento com o homem ideal (que também é uma forma de niilismo há que aponta para algo que não existe) para que voltar para o homem real, sem medo de ser julgado e tachado de imoral por não aderir a valores impostos. Nietzsche afirma que a missão de sua geração é preparar o caminho da humanidade em direção ao super-homem, o ser humano capaz de transvalorar.