Sempre passo nervoso quando leio minha crônica neste jornal e percebo que escapuliu a palavra “coisa” em alguma frase. Acontece que “coisa” está entre as coisas mais deliciosas do mundo.
O primeiro banho da minha filha foi embalado pela minha voz dizendo, ao fundo, “cuidado, ela ainda é uma
coisinha tão pequena”. “Viu só que amor? Nunca vi coisa assim”. O amor que não dá conta de explicação é “a coisa” em seu esplendor e excelência. “Alguma coisa acontece no meu coração” é a frase mais bonita que alguém já disse sobre São Paulo. E quando Caetano, citado aqui pela terceira vez pra defender a dimensão poética da coisa, diz “coisa linda”, nós sabemos que nenhuma palavra definiria de forma mais profunda e literária o quão bela e amada uma coisa pode ser.
“Coisar” é verbo de quem está com pressa ou tem lapsos de memória. É pra quando “mexe qualquer coisa dentro doida”. E que coisa magnífica poder se expressar tal qual Caetano Veloso. Agora chega, porque “esse papo já tá qualquer coisa” e eu já tô “pra lá de Marrakech”.
TATI BERNARDI. Disponível em: www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 3 jan. 2024 (adaptado).
No texto, Tati Bernardi faz referências diretas a letras de músicas famosas, o que caracteriza a intertextualidade — um recurso em que o autor insere citações, referências ou alusões a outras obras dentro de seu próprio texto. Neste caso, a crônica menciona frases como “Alguma coisa acontece no meu coração” (da música “Sampa”, de Caetano Veloso) e “pra lá de Marrakesh” (também uma referência a Caetano Veloso), além de “coisa linda” e “mexe qualquer coisa aí dentro doida”, que também remetem a versos e expressões da obra de Caetano.