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A escravidão indígena

Os princípios da escravização de indígenas são importantes para o estudo dos processos de colonização, mesmo que esta não tenha sido usada em larga escala e por um longo período, como foi o caso da escravidão negra africana.

A transição para a escravidão africana

O tráfico negreiro

A vida no engenho

A resistência africana

Os escravos no século XIX

Os negros pós-abolição

Depois da conquista de Ceuta pelos portugueses no século XV, os europeus entraram na grande rede de comércio de escravizados que até o século XIX forçou a migração de aproximadamente 100 milhões de pessoas para alimentar a necessidade de mão de obra nas recém dominadas colônias americanas. A justificativa dos portugueses eram que os habitantes de Ceuta eram infiéis, inimigos da fé católica e prisioneiros de guerra.

Desde essa conquista começamos a perceber uma rede de comércio humano em todo o oceano atlântico, praticamente todas as nações europeias utilizaram o modo de produção escravista. Os portugueses adotaram amplamente esse trabalho forçado, já os espanhóis utilizavam como mão de obra complementar nas colônias da América do Sul. No entanto, devido ao extermínio dos povos nativos do Caribe insular, a mão de obra escravizada foi amplamente utilizada em Cuba, Jamaica e Santo Domingo. Os ingleses, por sua vez, utilizavam de escravizados somente no sul das 13 colônias. Ainda assim, praticamente todos os seres humanos eram comercializados por navios portugueses, já que estes detinham colônias em toda a costa do Atlântico africano.

Esse comércio se aproveitava muito das guerras internas entre os povos africanos que dependiam dessa atividade, como o Reino do Congo, onde seu chefe, o Manicongo Nzinga Kuvu fez aliança com o navegador Diogo Cão, que trocava escravos de guerra por técnicas de navegação e armas de fogo. O Manicongo até mesmo se converteu ao cristianismo, passando a se chamar Dom João no fim do século XVI. Os principais locais de negociação eram o Congo e o Andongo, o qual os portugueses chamavam de Angola.

 

A Escravidão Indígena e a Resistência

 

Mesmo com o comércio de escravizados sendo forte na parte insular do império português, como Cabo Verde, os primeiros povos a serem escravizados no Brasil foram os povos nativos. Estes eram capturados principalmente na região que hoje conhecemos como São Paulo, pelos bandeirantes, que se embrenhavam pelo interior brasileiro em busca de nativos para o trabalho na plantação de cana-de-açúcar e no fabrico do açúcar.

No entanto, a cultura de subsistência nativa e a divisão sexual do trabalho indígena (homens com funções militares e de caça e as mulheres na agricultura) atrapalharam a empreitada dos portugueses. Além disso, os constantes ataques aos portugueses por causa da atividade e a alta taxa de mortalidade indígena pelo contato com as doenças europeias fez com que os portugueses desistissem da escravidão de nativos em larga escala. Porém foi o crescimento do comércio de escravos africanos e a pressão da igreja contra a escravidão dos indígenas que fez a atividade ser proibida no século XVIII. Ainda assim encontramos documentos de herança do século XIX que passavam a propriedade de indígenas entre os herdeiros.

A resistência contra a escravidão no Brasil é digna de citação, sua organização e defesa eram extraordinárias. Podemos citar, por exemplo, a própria formação dos quilombos, que eram comunidades e reinos formados por africanos e seus descendentes e localizados no interior brasileiro. Nos quilombos, negros escravizados encontravam refúgio longe dos engenhos e podiam praticar suas culturas e religiões. Em alguns casos, estes quilombos formavam reinos e comunidades tão fortes e respeitados que conseguiam inclusive manter comércio com colonos europeus ou mesmo abrigar alguns fugitivos criminais brancos.

 

A Guerra dos Palmares e a resistência africana (Serra da Barriga, séculos XVI e XVII)

Na região conhecida como a Serra da Barriga, antiga capitania de Pernambuco e, atualmente, parte do estado de Alagoa, formou-se no final do século XVI uma ocupação de resistência e luta contra a escravidão colonial no famoso quilombo dos Palmares. A forçada diáspora africana para a escravidão de negros na América contou com diversas formas de resistência, desde as individuais, que levavam ao suicídio, aborto e revoltas até os levantes coletivos, mais organizados, com fugas em massa e formação de comunidades isoladas e autossuficientes conhecidas como quilombos.

No caso de Palmares, essa comunidade era composta por diversos povoamentos (mocambos), que realizavam funções específicas e chegaram a abrigar mais de 20 mil negros fugidos. Dentre os mocambos mais famosos estavam: a Cerca Real do Macaco, que funcionava como um centro político; Subupira, Aqualtune e Andalaquituche. Ao fim, todos os mocambos teriam uma função básica, cuidar da segurança e da subsistência da comunidade quilombola.

A experiência de organização e luta em Palmares foi um sucesso durante quase um século, configurando-se inclusive em uma das mais longas experiências monárquicas no território que hoje conhecemos como o Brasil. Um dos mais famosos “reis” de Palmares foi o líder Ganga Zumba, que resistiu às dezenas de expedições portuguesas para destruir o quilombo e recuperar os escravizados aproximadamente entre 1645 e 1678. No entanto, apesar da bravura de Ganga Zumba na resistência, o constante ataque dos portugueses, com armas e equipamentos muito mais sofisticados e um suposto sequestro de pessoas próximas a Ganga Zumba, levaram o líder à assinatura do polêmico “acordo de 1678”, que garantia liberdade apenas aos negros nascidos em Palmares e concedia aos portugueses terras no norte alagoano.

A decisão de Ganga Zumba foi tão mal recebida por Palmares que, em 1678, muitos não aceitaram o acordo, continuaram a resistência e, supostamente, ainda envenenaram Ganga Zumba, como punição pelo que muitos consideraram uma traição. O novo líder escolhido para Palmares logo se autoproclamou como Zumbi (palavra de origem quimbunda que se refere a fantasmas e espectros) e iniciou uma liderança muito mais sólida na decisão de não negociar com os portugueses e manter a luta. Graças a essa postura, Zumbi dos Palmares se tornou uma referência na luta contra a escravidão colonial e, futuramente, um símbolo dos movimentos negros antirracismo.

Sobre a questão do uso ou não de trabalho escravo em Palmares e pelo seu líder Zumbi, a historiografia atual tem insistido em afirmar que não podemos comparar as formas de trabalho utilizadas em Palmares com a escravidão mercantilista promovida pelos europeus entre os séculos XVI e XIX. Como Palmares exercia um ideal emancipatório, formando quase um Estado africano paralelo no interior da colônia portuguesa, as formas de trabalho utilizadas espelhavam muito do que já se encontrava no continente africano, sobretudo em Angola. Sem conceitos de propriedade privada ou de mão de obra assalariada difundidos, os trabalhadores quilombolas estavam a serviço da própria comunidade ou do líder, sem a objetificação e a desumanização do trabalhador. Nos casos de trabalhos forçados, muitas vezes estes eram utilizados como punições por delitos ou eram inimigos de guerra capturados. Assim, o trabalho no quilombo dos Palmares estava muito distante da desumanização promovida pela escravidão mercantilista em massa realizada pelos portugueses.


Essa interpretação equívoca ocorre principalmente pela falta de fontes e registros escritos deixados por Palmares. Como as sociedades africanas possuem uma tradição de história oral, com poucos registros escritos, o conhecimento da história desses grupos depende muito do trabalho arqueológico e das memórias repassadas. Portanto, durante anos, para estudar os quilombos, a historiografia brasileira se debruçou sem muitos questionamentos nas fontes portuguesas, presas ao filtro do próprio colonizador que, em cartas e documentos, registrava o que via utilizando a sua própria realidade e visão de mundo. Assim, como a experiência portuguesa era a da escravidão mercantilista e a da monarquia, associavam as relações africanas automaticamente ao que conheciam.

Outro mito também muito difundido durante anos e que hoje é desconstruído pela historiografia é o do isolamento econômico e social das comunidades quilombolas. Apesar de se afastarem das capitanias e dos centros urbanos visando uma melhor proteção, muitos quilombos distantes realizavam comércio e contato entre si e aceitavam em suas comunidades indígenas e até mesmo brancos fugitivos. Muitas vezes esses quilombos também negociavam com os próprios engenhos e bandeirantes, demonstrando o tamanho poder e autonomia que possuíam.

Enfim, ainda que muitos quilombos sobrevivam até hoje como patrimônios históricos, Palmares conheceu a derrota em 1695. O bandeirante Domingos Jorge Velho, contratado pelo capitão-geral da capitania de Pernambuco, iniciou uma expedição com mais de 6.000 homens que conseguiu capturar Zumbi dos Palmares e dar fim ao quilombo. O líder negro teve sua cabeça cortada e pendurada em uma lança em Recife, para servir como exemplo para outros escravizados que tentassem se rebelar.