Padre Vieira (contextualização)
Vida e obra de Padre Vieira
Alguns Sermões Importantes
Sermões da Quarta Feira de Cinzas
Interpretação e sentido
Padre Antônio Vieira
A literatura barroca está inserida numa época de Reforma Protestante e Contrarreforma (que é lembrada especialmente pela Inquisição) – ou seja, é um período de choque de ideias por si só. Além disso, o antropocentrismo renascentista encontra oposição no teocentrismo imposto pela contrarreforma. Dentro desse contexto de oposição e embate de ideias é que surge o chamado Barroco, que tem como uma de suas principais características o uso das figuras de linguagem de antítese e parodoxo.
• Antítese: combinação de ideias ou figuras opostas. Ex: “O dia claro, a noite escura”
• Paradoxo: união de ideias e figuras opostas que se contradizem. Ex: “Amor é fogo que arde sem se ver/ ferida que dói e não se sente”
A dualidade é um dos traços principais para se definir o Barroco. Quanto ao estilo, divide-se essa produção literária em dois ramos:
• cultismo: texto mais descritivo, que busca provocar sentimentos no leitor; a linguagem apresenta muitos aspectos visuais
• conceptismo: texto mais dissertativo e persuasivo, com argumentação elaborada e que usa muitas vezes do paradoxo.
É importante lembrar que essa divisão se dá por questões de método e que nenhum texto é puramente cultista ou conceptista; o que acontece é que um texto é predominantemente escrito em ou estilo ou outro. Na literatura brasileira, os maiores nomes barrocos são Pe. Antônio Vieira e Gregório de Matos.
Os sermões de "Quarta-feira de cinzas", data em que marca o período quaresmal na religião católica, aborda textos de Antônio Vieira em uma característica mais reflexiva, trabalhando a morte como cerne da consciência cristã, bem como também objeto de temor que orienta as práticas da existência humana, além de, ainda, como última forma de desejo. No compilado de escritos, também argumenta sobre a definição de eternidade, a hora da morte e a redenção.
Veja abaixo alguns dos fragmentos dos sermões escritos por Vieira:
Sermão de Quarta-feira de Cinza em Roma, ano de 1672
Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança. Que me diga a Igreja que hei de ser pó: Jn pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer. Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó. Vamos, para maior exemplo e maior horror, a esses sepulcros recentes do Vaticano. Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquele pó foi Urbano, aquele pó foi Inocêncio, aquele pó foi Alexandre, e este que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente.
(VIEIRA,1672, p.55)
Sermão de quarta-feira de cinzas, ano 1673
Senhores meus, o dia é de desenganos. Morrer em o Senhor, ou não morrer em o Senhor, haver de ser bem-aventurado, ou não haver de ser bem-aventurado, é o ponto único a que se reduz toda esta vida e todo este mundo, todas as obras da natureza, e todas as da graça, tudo o que somos, e tudo o que havemos de ser, porque é salvar, ou não salvar. Este é o negócio de todos os negócios, este é o interesse de todos os interesses, esta é a importância de todas as importâncias, e esta é e deve ser na cúria, e fora dela, a pretensão de todas as pretensões, porque este é o meio de todos os meios, e o fim de todos os fins: morrer em graça, e segurar a bem-aventurança. E se me perguntardes: essa bem-aventurança, e esse seguro, e essa graça, por que a não promete a voz do céu aos vivos que morrem, senão aos mortos que morrem: Mortui qiu moriuntur? A razão verdadeira e natural, e provada com a experiência de todos os que viveram e morreram, é porque aqueles que morrem quando morrem, hão de contrastar com todos os perigos e com todas as dificuldades da morte, que é coisa muito arriscada naquela hora; porém os que morrem antes de morrer, já levam vencidos e superados todos esses perigos e todas essas dificuldades, porque na primeira morte desarmaram e venceram a segunda.
(VIEIRA, 1673, p.387)