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Proposta teórica

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Disposição de classe

Formas de capital

Jogo de classes

Possibilidade de mudança

Pierre Bourdieu (1930 - 2002) foi um importante sociólogo francês, que acabou se tornando um dos pensadores mais importantes do século XX, tendo sido um dos maiores críticos dos processos de manutenção das desigualdades sociais nas sociedades capitalistas contemporâneas. Do ponto de vista sociológico, defendia a utilização de procedimentos metodológicos rigorosos, bem como técnicas estatísticas e etnográficas, no sentido de fortalecer a Sociologia como ciência. Em grande medida, uma das questões mais centrais do seu trabalho sociológico gira em torno da busca de uma explicação para a situação de dominação entre os grupos sociais, assim como a expressão dessa dominação no processo educativo desenvolvido pela escola, o que tentaremos esclarecer na sequência.

Na análise das sociedades capitalistas e suas formas de dominação, Bourdieu se destacou por desenvolver uma teoria focada nos aspectos simbólicos que determinam as práticas sociais. Sua sociologia privilegia a análise da reprodução social, ou seja, como acontece a manutenção da situação atual de uma sociedade, como se perpetua o status quo, hierarquias sociais se mantêm ao longo do tempo.

 

Poder simbólico

 

Capital cultural

Bourdieu considerava a análise marxiana limitada, pois desconsiderava as relações simbólicas da sociedade. Para ele, não se trata apenas de tentar entender o processo de produção da vida material, ou seja, a posse de bens, acesso à riqueza ou controle dos meios de produção, era importante considerar o prestígio, o status e a aceitação social, pois esses também influenciam na posição dos indivíduos na sociedade, Além do capital econômico (acesso e acúmulo de bens e riquezas), é preciso analisar o capital cultural (acúmulo de conhecimentos reconhecidos socialmente), o capital social (relações sociais) e o capital simbólico (prestígio). O conceito de capital é expandido no pensamento social de Bourdieu para qualquer recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. O capital é um ativo social.

Na sua análise sobre a sociedade, Bourdieu considera esses tipos de capital na formação da estrutura social. Ele entende a estrutura social como fortemente hierarquizada, em que poderes e privilégios determinam-se tanto pelas relações materiais, quanto pelas relações simbólicas e culturais.  Há grupos que pertencem a camadas distintas dessa estrutura social justamente porque há desigualdade na distribuição de recursos e poderes para os indivíduos no âmbito de uma sociedade. Bourdieu acredita que a Sociologia, por ser uma disciplina crítica, ao interpretar os fenômenos sociais, é uma ciência que incomoda, principalmente àquelas camadas sociais que visam manter o status quo e, consequentemente, os seus próprios privilégios. Nas palavras do autor: “A sociologia é um esporte de combate”.

Como sabemos, para Bourdieu, os recursos econômicos desempenham um papel importante, mas não exclusivo nas relações de poder e dominação. De maneira geral, ter um carro de luxo é diferente de ter três carros comuns, apesar do custo material ser o mesmo. Outro fator determinante pode ser um título de pós-graduação ou o reconhecimento por um grande feito como ser o arquiteto de um edifício notável ou um medalhista olímpico. Esses eventos constituem poder, mesmo que não sejam poder material. Bourdieu dedica boa parte de seu trabalho para pensar a relação desses capitais com a instituição escolar. Para ele a escola é um instrumento de perpetuação da desigualdade social, atuando na reprodução social. Ela é uma instituição especializada em transmitir aos estudantes a forma de conhecimento das classes dominantes. Seu efeito mais cruel é dar a essa hierarquia uma aparência de neutralidade. É como se o conhecimento escolar fosse oficial porque é “natural”, “normal” e “certo”.

 

Educação e violência simbólica

Quando um indivíduo entra na escola, ele já tem uma carga de conhecimento adquirido. Esse acesso é desigual porque os indivíduos se encontram em diferentes condições socioeconômicas. Além disso, como a escola seleciona aquilo que é certo e o que é errado (e convenientemente o certo é o conhecimento da classe dominante), um indivíduo que tenha uma vida rica de experiências e saberes pode, mesmo assim, estar numa posição subalterna na hierarquia social, já que ele pode estar cheio de saberes “errados”. Isso tudo influencia o desempenho dos indivíduos em diferentes esferas da vida. Os indivíduos que internalizaram os saberes escolares antes mesmo da sua entrada na escola (pela sua vivência como membro da classe dominante) estão em vantagem.

Segundo o sociólogo francês, em sociedades hierarquizadas e desiguais como a nossa, não são todas as famílias que dispõem de uma bagagem cultural que lhes possibilite uma identificação com os ensinamentos desenvolvidos no ambiente escolar. Isso gera um descompasso educacional na medida em que os grupos sociais mais privilegiados se identificam com os saberes ensinados na escola - como, por exemplo, as artes eruditas - mas os grupos sociais menos privilegiados, por sua vez, não possuem esses conhecimentos prévios.  A escola parece ser isenta e imparcial nas suas exigências, mas a verdade é que alguns iniciam a vida escolar melhor preparados que outros, graças a desigualdade social. No final das contas, a escola serve como um instrumento de confirmação de desempenho daqueles que já estão familiarizados com sua forma de conhecimento, legitimando e reproduzindo a hierarquia social. O sistema de ensino cobra igualmente de todos os alunos aquilo que nem todos podem oferecer, não levando em consideração as diferenças sociais fundamentais presentes na sociedade. Trata-se de uma violência simbólica, quando a escola impõe o reconhecimento de uma única forma de cultura, desconsiderando os aspectos culturais referentes às camadas mais populares da sociedade.

 

Campo Simbólico e Habitus

Um dos temas com o qual se ocupou o sociólogo francês diz respeito à produção do gosto nas sociedades. Após uma longa pesquisa qualitativa e quantitativa nas décadas de 60 e 70 do século XX sobre as diferenças de gosto que pode ser observada entre diferentes grupos sociais de uma mesma sociedade, Bourdieu afirma que o gosto cultural é um produto de processos educativos que são ambientados, sobretudo, na família e na escola. Em linhas gerais, portanto, o gosto cultural, assim como o estilo de vida, é explicado pela trajetória social experimentada por cada indivíduo. Isso significa ir contra a ideia comum de que os gostos e estilos de vida nos remeteriam diretamente ao foro íntimo de cada indivíduo. Ao contrário, eles são o resultado de relações de poder que se efetuam principalmente nas instituições da família e da escola.

O campo é um conceito que representa o espaço onde circulam os símbolos e ocorrem as disputas entre os agentes para afirmar quais desses símbolos são importantes e quais não. Nele há a validação, determinação e legitimação de representações simbólicas. Essa disputa instituí o poder simbólico. Esse campo sustenta signos classificados como adequados e compatíveis com um código de valores. Um dos melhores exemplos dados por Bourdieu é o campo simbólico da arte, onde a disputa simbólica define o que é arte e como classificar uma obra de arte, definindo o que é erudito, popular ou pertencente à indústria cultural. Essa luta determina também quais valores e quais rituais de consagração as constituem. O campo goza de relativa autonomia e os indivíduos que seguem seus valores e rituais são considerados seus membros, sendo as “autoridades” do campo os dotados com maior volume de capital.

O habitus é um importante componente do campo. Ele define a relação entre a trajetória do indivíduo e a estrutura social em que ele está inserido. O habitus se constitui como um padrão social, um jeito de ser e estar. Ele está ligado à sensibilidade e ao comportamento que orienta a ação dos indivíduos. Como sabemos, Bourdieu está inserido no grupo de sociólogos que tenta conciliar o impasse agente x estrutura. Retomando Weber, toda ação social é orientada por ações sociais de outras pessoas e pela expectativa de como a ação individual será acolhida. Bourdieu aponta para a importância do conjunto de situações e experiências prévias que orientam as escolhas e motivações dos indivíduos (a ação social), mesmo que de forma inconsciente. Elas estão relacionadas com as possibilidades e limitações dos sujeitos na sociedade, ou seja, com as estruturas que os indivíduos já encontram quando interagem socialmente e a distribuição de poder que é desigual e forma uma hierarquia. Vemos como a teoria social weberiana é articulada com o pensamento durkheimiano.

As práticas sociais dos indivíduos não são tanto escolhas racionais e deliberadas, mas estão relacionadas ao habitus interiorizado de sua posição social. Comportamentos que nos parecem banais, como a forma de usar os talheres, de se expressar em público ou de se vestir, na realidade são resultado da internalização de padrões aprendidos desde a infância. Essas práticas influenciam na maneira como o indivíduo é visto por outros, o que em determinados contextos pode lhe render vantagens ou não.