Contexto histórico
Filosofia política
Três condições humanas
Proposta kantiana
Sobre o mal
Quem foi Hannah Arendt?
Hannah Arendt (1906 – 1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica, cujo pensamento constituiu um marco importante na análise filosófica dos fenômenos políticos do século XX, especialmente o fenômeno do totalitarismo vivido na Europa – o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. Em seu livro de 1951, “As origens do totalitarismo”, ela aborda a questão, oferecendo uma interpretação bastante original sobre as razões pelas quais governos totalitários conseguem ascender ao poder e sobre a lógica de funcionamento desses governos.
Sapere aude!
Profundamente influenciada por Kant, Arendt viveu as consequências de praticar uma “filosofia sem corrimão”. Sapere aude é a essência do pensamento da autora. Sua obra é fiel a essa postura de não se deixar tutelar, de não ter corrimãos para segurar, tanto que não é fácil encaixar a pensadora numa escola, tradição, ideologia ou campo político. Seu pensamento é tanto conservador como liberal, de direita e de esquerda.
Recentemente (2020) o Museu histórico Alemão montou uma exposição sobre a autora. Como chamada do evento há uma fotografia de Hannah Arendt em uma pose já eternizada pela autora, cigarro entre os dedos, uma das mãos apoiando a cabeça e um olhar profundo. Na imagem a frase "Nenhum ser humano tem o direito de obedecer." Essa frase tem tudo a ver com o pensamento de Arendt. Seja na relação entre poder e violência ou na análise do totalitarismo, o indivíduo deve sempre se manter atento e alerta à ordem que se estabelece na sociedade.
Sobre a banalidade do mal
Em 1961, a filósofa foi a Jerusalém para assistir ao julgamento de Adolf Eichmann, alemão que participou de maneira ativa no extermínio de judeus comandado pelo regime nazista. Seus relatos sobre o julgamento de Eichmann – que viria a ser condenado à morte – ficaram registrados em sua obra “Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal”, publicado em 1963.
Havia, segundo Hannah Arendt, um contraste entre a figura apática e aparentemente comum de Eichmann com as atrocidades por ele praticadas. Como pode uma pessoa, que aparentemente não possui nada de diferente, que não parece ter nenhuma inclinação para a maldade, ser responsável pela morte de tantas outras pessoas? Arendt vai explicar esse fenômeno, então, dizendo que pessoas como Eichmann fazem parte das massas politicamente neutras e indiferentes. Na medida em que são indiferentes às questões políticas, essas pessoas são facilmente manipuláveis, podendo ser levadas a considerar atitudes de crueldade em relação ao ser humano como “normais”. É dessa maneira que a filósofa vai formular a ideia da “banalidade do mal”, ou seja, fenômeno que ocorre quando a crueldade acaba se tornando algo banal, algo corriqueira na vida das pessoas. Elas não se importam mais, pois estão habituadas e naturalizaram a maldade. Eichmann apenas seguia ordens, sem questioná-las e sem refletir sobre as consequências dos seus atos.
Herdando o conceito de mal radical de Kant, Hannah diferencia o mal banal do mal radical não pela intensidade, mas pela raiz. Figuras como Goebbels, Himmler e Hitler encarnavam o mal radical. Eles acreditavam em suas ações e eram realmente antissemitas. Observar Eichmann fez Hannah perceber, no entanto, que havia uma categoria de pessoas no nazismo que simplesmente não questionava, obedecia cegamente e só pensava em questões particulares, como progredir na carreira e ser bem visto. Essas pessoas não necessariamente entendem o mal que produzem, pois ele está banalizado. Segundo Arendt, Eichmann era uma pessoa medíocre, e o mundo estava cheio dessas pessoas medíocres, incapazes de refletir sobre a vida e sobre suas ações. Hannah Arendt, pela primeira vez, não analisou o mal pelo viés moral, mas pelo viés político.
O totalitarismo, no entanto, segundo Hannah Arendt, não teria surgido apenas como consequência da neutralidade política das pessoas em geral. A crise econômica, que traz o desemprego, o aumento da pobreza, e muitas dificuldades, leva as pessoas a se sentirem insatisfeitas e, ainda que não sejam engajadas politicamente, acabam aderindo a projetos políticos cujos fundamentos e objetivos elas desconhecem. Portanto, quanto menos politizados e críticos são os indivíduos, mais eles estão sujeitos a aceitar projetos totalitários ou autoritários de poder de acordo com a filósofa alemã.
Crítica a Marx e o trabalho
A condição humana se dá em dois planos: os da preservação da espécie (coletivo) e da individualidade de cada ser (individual). É nesse ponto que Arendt critica a concepção marxista do trabalho. Diferenciando o trabalho entre os dois planos, a pensadora apresenta os conceitos de labor e de trabalho. O labor se refere às atividades básicas de manutenção da vida, são objetivas e mecânicas. Em essência, o labor não é uma expressão da capacidade criativa humana, antes, é um limitador da liberdade como condição sine qua non (indispensável). Já o trabalho é um nível de atividade individual e de expressão da pessoa. É uma produção espelhada e que busca a inserção social marcada pela subjetividade. Arendt então admite a possibilidade do trabalho produtivo e improdutivo, ambos resultando na produção de objetos.
Um terceiro plano surge no pensamento de Arendt, o da ação. O discurso é a marca distintiva do homem. A capacidade de narrar, discursar e discutir é a expressão máxima da vida humana em comunidade. As atividades humanas inclusive encontram permanência no discurso, que revive a ação e atribuí sentido a ela. É por meio das ações realizadas exclusivamente entre os homens mediadas pelo discurso que é possível construir a sociedade baseada nos planos anteriores.
Esses conceitos também podem ser encontrados no pensamento da autora como: vida (labor), já que se trata da sobrevivência imediata do ser; mundanidade (trabalho), que se relaciona com a produção do mundo a sua volta; e pluralidade (ação), porque traz a construção coletiva para um novo nível, um conceito de forte sentido político.
Entretanto, para a filósofa, no mundo moderno houve uma sobreposição da garantia da vida sobre a criatividade do trabalho. O plano do labor é hipervalorizado e a que esfera social passa a priorizar a reprodução e manutenção da vida. Para Arendt esse movimento é um movimento de inversão de valores em comparação com a Antiguidade clássica. Para os gregos a vida ativa se expressava através da participação nas decisões da pólis, na contemplação do eterno e na dedicação aos prazeres do corpo. N mundo moderno, ao contrário, o que é valorizado é o contínuo fazer, um desassossego de ação e produção constantes. Para Arendt essas características levam a homogeneização dos discursos levando a todo tipo de despotismo moderno, inclusive totalitarismos.