Reflexão filosófica
Visão filosófica
Existência da alma
Origem do mal
Doutrina da iluminação
Diferença da filosofia platônica
Verdade interior
Coisas materiais
A Patrística foi a primeira fase da Filosofia Medieval. Ela representa a primeira sistematização da fé cristã, produzida pelos primeiros padres, chamados de “pais da igreja” (pater = pai, em latim). Os sacerdotes dos primeiros séculos foram responsáveis pela difusão e defesa da fé. Com eles, os cristãos aprenderam a fidelidade ao magistério. Muitos clérigos tiveram contato com o pensamento clássico grego e, por isso, trouxeram as influências filosóficas gregas para o âmbito religioso. É importante ressaltar que o pensamento filosófico cristão não se restringe ao período medieval, já que os primeiros padres da igreja que viria a se institucionalizar são do século I e consideramos que a Idade Média teve seu início com a queda do império Romano ocidental, momento em que o cristianismo já havia se desenvolvido.
Os padres da igreja fizeram grandes apologias, estas eram discursos feitos para embasar e defender o catolicismo. Os apologistas buscavam a sensibilização dos judeus e o combate às heresias. A necessidade de persuadir os hebreus e hereges fazia com que os sacerdotes lançassem mão de um discurso que versasse com a filosofia e alcançasse o convencimento pela fé e pela razão.
Nos primeiros séculos depois de Cristo as obras de Platão e Aristóteles haviam desaparecido. Como a religião cristã se consolidou no período helenista, houve grande influência das correntes de pensamento dessa época, especialmente do estoicismo. Com o neoplatonismo a obra de Platão reaparece sintetizada à filosofia oriental, que aproximou o pensamento do filósofo ateniense ao misticismo. Essa aproximação permitiu a conciliação entre fé e razão, duas formas de conhecimento potencialmente antagônicas, já que a fé se baseia na crença incondicional e a razão requer o exame e a verificação.
Não há um consenso sobre o período de início e fim da patrística. Mas comumente se considera como pontapé as primeiras defesas da fé cristã, incluindo o apóstolo Paulo. Posteriormente a esse período vieram os apologistas após isso, por volta do ano 300, a solidificação de um corpo teórico, principalmente com o autor que veremos a seguir.
Santo Agostinho de Hipona
Inicialmente dedicada à defesa e difusão da fé cristã, a Patrística esbarrou nas fronteiras das doutrinas filosóficas consolidadas pelo ocidente e oriente. Para alcançar cada vez mais “almas”, os pensadores do cristinianismo, movidos pela noção de que a fé e a razão são complementares e não antagônicas, dedicaram-se à examinar as obras em voga, incluíndo os pensamentos grego, persa, hindú e hebreu. Com a redescoberta de Platão, o cristianismo encontra uma base de apoio sólida para sua expansão.
O pensador mais notável desse movimento foi Santo Agostinho, o bispo de Hipona. Nascido em 354, converteu-se ao cristianismo em 386 e serviu à fé até sua morte em 430. De origem pagã, por parte de pai, e cristã, por parte de sua mãe Santa Mônica, Agostinho teve acesso a uma educação clássica. Era comum cristãos terem rejeição a pensamentos externos à Igreja, mas esse não era o caso do bispo de hipona. Ele, lançando mão de seus conhecimentos clássicos soube unir fé e razão.
Agostinho cria que os grandes pensadores gregos não erraram em suas teorias, mas foram vítimas de uma limitação cabal: a razão. Para o pensador, não é possível ao homem conhecer todas as coisas por si mesmo, mas é preciso que a revelação venha em auxílio de sua inteligência limitada. O conhecimento completo só seria possível no interior da Igreja, onde a fraqueza racional humana encontraria auxílio na fortaleza da revelação divina.
É comum no pensamento clássico nos depararmos com uma concepção limitadora da percepção humana. Platão defendia que os sentidos são limitados para obter o conhecimento verdadeiro. Agostinho dá mais um passo e afirma que a razão também tem limites, impedindo o ser humano de contemplar a Graça divina. Como podemos ver, apesar da conciliação entre fé e razão, Agostinho defende que a primeira tem precedência sobre a segunda, defendendo que a razão é guiada pela luz da fé que nos leva a confirmar e compreender aquilo que primeiro cremos.
E, embora grande devedor da filosofia grega, Agostinho era pessimista em relação à natureza do homem. Para ele, somos todos compelidos ao pecado e, por isso, a razão não é suficiente para elevar o espírito. Afirmando que as boas obras e o esforço individual é necessário para alcançar a salvação, Agostinho sobrepõe à vida ética baseada numa conduta racional a graça divina. Essa graça, que dá a salvação, é oferecida apenas à predestinados por Deus. A questão da graça marca profundamente o pensamento medieval cristão e influencia futuramente a Reforma Protestantel Por ora, basta saber que Agostinho se opõe a noção da filosofia clássica na questão ética. A virtude não é suficiente para alcançar a salvação, mas é necessário receber a graça de Deus.
Sendo o maior destaque da organização dos dogmas do cristianismo, Agostinho apresenta alguns conceitos interessantes que aliam fé e razão, na tentativa de encontrar soluções para as questões da fé, principalmente aos seus detratores. Vejamos a seguir.
A existência de Deus
Na era medieval a ideia da existência de Deus ser tratada apenas como um problema de fé, ou seja, não seria possível prová-la racionalmente, já era bem difusa. Agostinho defendia que se esta fosse apenas uma questão de fé, seria uma questão subjetiva, não haveria uma verdade estabelecida sobre o assunto. Para o Bispo, este era um dado de fé provado pela razão. Ou seja, Deus existe e Agostinho afirmava ser possível provar.
Para embasar sua teoria, categoriza os seres em insensíveis (as pedras), sensíveis (os animais), ser racional (o homem) e Deus (verdade superior). Nessa categorização o homem está acima dos insensíveis e dos meramente sensíveis, por possuir a razão, atributo indispensável para emitir juízos sobre a sensibilidade, para dominá-la. Porém os seres racionais estão abaixo de Deus que é a verdade mais excelente.
O Problema do Mal
Para o cristianismo, o homem é fruto do amor de Deus, que em sua infinita bondade, nos criou. Mas de onde viria o mal se Deus é infinitamente bom? Seria um castigo, uma punição pelo mau uso do livre arbítrio e pecado no paraíso? Para Agostinho, o maniqueísmo (crença que prega a existência concreta do mal) era falso. Para resolver o problema o Santo divide o mal em três tipos: metafísico, moral e físico.
Para o bispo de Hipona o mal não existia. Não havia um ser, uma entidade que pudéssemos chamar de "o mal", mas era na verdade a privação do bem. assim foi explicado o primeiro tipo.
O mal moral é o pecado. Homem foi criado para viver em intimidade com Deus, por isso recebeu de seu criador o livre-arbítrio, para que espontaneamente se ligasse a Ele, mas escolheu o pecar. No paraíso, por orgulho e prepotência, a humanidade decidiu não depender de Deus.
O mal físico é o resultado do mal moral, do pecado. O homem é livre e pode escolher fazer sempre o bem e nem por isso abre mão de seus pecados. As doenças e a morte são consequências do afastamento de Deus.
O combate ao maniqueísmo não apaga a influência dessa doutrina no pensamento agostiniano. Apesar de defender que o mal não existe, sua concepção ainda se baseia numa diferenciação entre bem e mal, alterando apenas a fundamentação ontológica dessa relação. Ou seja, a moral cristã é baseada num dualismo.
Cidade de Deus
Para Agostinho há duas cidades: a cidade dos homens, onde reina o pecado, a injustiça e a morte; a cidade de Deus, onde abunda a justiça, a felicidade e a paz. Os santos e aqueles que vivem na fidelidade da fé estão destinados à pátria celeste, já os pecadores ficam sob o jugo do Diabo na cidade mundana.
Segundo o Santo, um dia a cidade de Deus iria prevalecer sobre a cidade mundana. Durante muito tempo a Igreja usou essa teoria para intervir nas questões políticas.
A influência de Platão na sistematização proposta por Agostinho é profundamente notada nesse ponto. É possível comparar o dualismo platônico a relação entre a cidade dos homens e a cidade de Deus: a primeira é imperfeita, inacabada e transitória; a segunda é eterna, pura e perfeita.
O Tempo
O homem é dotado de livre-arbítrio, ou seja, tem liberdade para fazer o que quiser; Deus é onisciente, isto é, perscruta a mente humana e conhece todos os seus passos. Como é possível haver liberdade se Ele já sabe tudo o que vamos fazer? Se Deus sabe o que vamos fazer então tudo já está determinado? Para Agostinho, o homem e seu criador vivem em dimensões diferentes. Estamos no tempo, onde Há a transitoriedade e Deus está na Eternidade que é anterior e maior do que o tempo e por isso, ele não precisa esperar para formar seus julgamentos.
Teoria da Iluminação
Dentre os pensadores medievais, Agostinho é de longe o mais platônico. A dicotomia platônica aparece fortemente em suas teorias e na ideia da iluminação divina a oposição entre mundo sensível e verdades imutáveis também fica clara.
A alma é eterna e assim sendo é capaz de acessar às verdades imutáveis, o grande problema é que o corpo, com seus sentidos, são dispersos e imperfeitos. Assim como em Platão, na teoria agostiniana, a alma tem primazia sobre o corpo. O homem, através de sua mente é capaz de intuir a verdade, daí vem a prova da existência de Deus para o autor. se mesmo imperfeitos somos capazes de intuir a verdade é porque existe a verdade absoluta que ilumina a nossa mente.
Como o sol ilumina a terra, Deus ilumina a mente humana para que ela alcance a verdade. Para Agostinho, todo conhecimento é por graça de Deus, mesmo um ateu só pode alcançar a verdade pela graça.