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Contexto social

Comece a estudar pelo contexto social!

Características estilísticas

Primeira fase (modernismo de 1922)

Segunda fase (engajamento político)

Terceira fase (desilusão ideológica)

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, no ano de 1902. Passou a infância nas fazendas de sua família, que foi exploradora da região. Após realizar o curso universitário em Belo Horizonte (se formou em farmácia), começou a participar dos eventos culturais modernistas. Co-fundador de “A Revista”, importante canal de divulgação do Modernismo de Minas Gerais, em 1930 publicou “Alguma Poesia”, que , com “Brejo das Almas” (1934), seu segundo livro, melhor realizou a integração entre a poesia de 1922 e a de 1930. Em 1933, passou a morar no Rio de Janeiro, onde trabalhou como funcionário público e escreveu diariamente para jornais, ao longo de 50 anos. Nesta cidade, veio a falecer em 1987, aos 85 anos. 

 

Considerado a mais viva expressão da unidade entre a geração de 1922 e a de 1930, Carlos Drummond de Andrade começou escrevendo sobre temas cotidianos, em linguagem coloquial e concisa, no estilo dos poemas-piadas que iniciaram o Modernismo.

Desde “Alguma Poesia” (1930), a primeira obra publicada, sua travessia poética pode ser vista a partir de um impasse entre o homem e o mundo, a realidade interior e a realidade exterior. Na condição de homem, de início sente-se um gauche - um desajeitado - e expressa sua inadequação ironicamente, com um humor que lembra o “orgulho mineiro”, a sobriedade que não deixa o coração transbordar, embora o sinta “maior que o mundo”.

Diante do impasse homem-mundo, a poesia de Carlos Drummond de Andrade primeiro tende a se concentrar no homem, sem jamais optar pelo lirismo escapista. Contra ele, o poeta lança mão de suas armas bem conhecidas: a ironia sarcástica, o humor que não faz rir. 

A consciência da solidão e da falta de opções marca a segunda fase da travessia poética de Drummond: o coração, que se julgava maior que o mundo, iguala-se a ele; ambos se equivalem, porque para o poeta a “rima”, isto é, a mera capacidade de criar poesia, não se confunde com a solução. 

É preciso unir poesia e vida, “re-unir” o homem e o mundo, o sonho e a realidade, sem deixar de perceber “a pedra no meio do caminho”. Esse constitui o desafio maior do poeta, que jamais deixa de ser poeta. 

A maturidade humana e poética de Carlos Drummond de Andrade, que corresponde à terceira fase de sua poesia - a do reconhecimento de que o “coração [é] menos que o mundo” - explode em “A rosa do povo”, de 1945, ano em que termina a Segunda Guerra Mundial. 

Além da poesia de temas cotidianos, dos poemas-piadas e itabiranos, e também da poesia social - por alguns denominada poesia pública, ideológica - destacam-se na obra de Drummond mais dois tipos de experiência poética: a poesia filosófica, mitopoética, metafísica e a poesia de mergulho no universo da linguagem.

Em resumo, pode-se atribuir de quatro fases do autor, sendo elas:

  • Fase gauche (década de 30): Alguma Poesia (1930) e Brejo das Almas (1934)
  • Fase social (1940-45): Sentimento do Mundo
  • Fase do “não” (décadas de 50 e 60): Claro Enigma (1951) e Fazendeiro do Ar (1955)
  • Fase da memória (décadas de 70 e 80): Boitempo & a Falta de Quem Ama, Discurso de Primavera, Corpo, etc.

 

Textos de Apoio

 


TEXTO 1

No Meio do Caminho


No meio do caminho tinha uma pedra 

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.


Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra. 


TEXTO 2

Cota Zero


Stop.

A vida parou

ou foi o automóvel?

 

 

 


TEXTO 3

Cidadezinha qualquer


Casas entre bananeiras 

mulheres entre laranjeiras 

pomar amor cantar.


Um homem vai devagar. 

Um cachorro vai devagar. 

Um burro vai devagar. 

Devagar... as janelas olham.


Eta vida besta, meu Deus. 

 

TEXTO 4 

Quadrilha


João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

 

 


TEXTO 5

Hino Nacional


Precisamos descobrir o Brasil!

Escondido atrás as florestas,

com a água dos rios no meio,

o Brasil está dormindo, coitado.

Precisamos colonizar o Brasil.


O que faremos importando francesas

muito louras, de pele macia,

alemãs gordas, russas nostálgicas para

garçonettes dos restaurantes noturnos.

E virão sírias fidelíssimas.

Não convém desprezar as japonesas...


Precisamos educar o Brasil.

Compraremos professores e livros,

assimilaremos finas culturas,

abriremos dancings e subvencionaremos as elites.


Cada brasileiro terá sua casa

com fogão e aquecedor elétricos, piscina,

salão para conferências científicas.

E cuidaremos do Estado Técnico.


Precisamos louvar o Brasil.

Não é só um país sem igual.

Nossas revoluções são bem maiores

do que quaisquer outras; nossos erros também.

E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...

os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...


Precisamos adorar o Brasil!

Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,

por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão

de seus sofrimentos.


Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!

Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,

ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.

O Brasil não nos quer! Está farto de nós!

Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.

Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?


Eduardo Alves da Costa


Quanto a mim, sonharei com Portugal


Às vezes, quando

estou triste e há silêncio

nos corredores e nas veias,

vem-me um desejo de voltar

a Portugal. Nunca lá estive,

é certo, como também

é certo meu coração, em dias tais,

ser um deserto.

 

 

 

 

TEXTO 6

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco. 

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos. 

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

 

 

 

TEXTO 7

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

 

TEXTO 8

O frívolo cronista

Um leitor de Mato Grosso do Norte (sic) escreve deplorando a frivolidade que é marca registrada desta coluna. Hoje não estou para brincadeira, e retruco-lhe nada menos que com a palavra de um sábio antigo, reproduzida por Goethe em Italianische Reisen. Vai o título em alemão, para maior força do enunciado. Os que não sabemos alemão temos o maior respeito por essa língua. A frase é esta, em português trivial: "Quem não se sentir com tutano suficiente para o necessário e útil, que se reserve em boa hora para o desnecessário e inútil". É o que faço, respaldado pela sentença de um mestre, endossada por outro.

E vou mais longe. O inútil tem sua forma particular de utilidade. É a pausa, o descanso, o refrigério, no desmedido afã de racionalizar todos os atos de nossa vida (e a do próximo) sob o critério exclusivo de eficiência, produtividade, rentabilidade e tal e coisa. Tão compensatória é essa pausa que o inútil acaba por se tornar da maior utilidade, exagero que não hesito em combater, como nocivo ao equilíbrio moral. Não devemos cultivar o ócio ou a frivolidade como valores utilitários de contrapeso, mas pelo simples e puro deleite de fruí-los também como expressões de vida.

No caso mínimo da crônica, o auto-reconhecimento da minha ineficácia social de cronista deixa-me perfeitamente tranqüilo. O jornal não me chamou para esclarecer problemas, orientar leitores, advertir governantes, pressionar o Poder Legislativo, ditar normas aos senhores do mundo. O jornal sabia-me incompetente para o desempenho destas altas missões. Contratou-me, e não vejo erro nisto, por minha incompetência e desembaraço em exercê-la.

De fato, tenho certa prática em frivoleiras matutinas, a serem consumidas com o primeiro café. Este café costuma ser amargo, pois sobre ele desabam todas as aflições do mundo, em 54 páginas ou mais. É preciso que no meio dessa catadupa de desastres venha de roldão alguma coisa insignificante em si, mas que adquira significado pelo contraste com a monstruosidade dos desastres. Pode ser um pé de chinelo, uma pétala de flor, duas conchinhas da praia, o salto de um gafanhoto, uma caricatura, o rebolado da corista, o assobio do rapaz da lavanderia. Pode ser um verso, que não seja épico ; uma citação literária, isenta de pedantismo ou fingindo de pedante, mas brincando com a erudição; uma receita de doce incomível, em que figurem cantabiles de Haydn misturados com aletria e orvalho da floresta da Tijuca. Pode ser tanta coisa ! Sem dosagem certa. Nunca porém em doses cavalares. Respeitemos e amemos esse nobre animal, evitando o excesso de graça. Até a frivolidade carece ter medida, linha sutil que medeia entre o sorriso e o tédio pelo excesso de tintas ou pela repetição do efeito.

Não pretendo fazer aqui a apologia do cronista, em proveito próprio. Reivindico apenas o seu direito ao espaço descompromissado, onde o jogo não visa ao triunfo, à reputação, à medalha; o jogo esgota-se em si, para recomeçar no dia seguinte, sem obrigação de seqüência. A informação apurada, correta, a análise de fenômenos sociais, a avaliação crítica, tarefas essenciais do jornal digno deste nome, não invalidam a presença de um canto de página que tem alguma coisa de ilha visitável, sem acomodações de residência. Como você tem em sua casa um cômodo ou parte de cômodo, ou simplesmente gaveta, ou menos ainda, caixa de plástico ou papelão, onde guarda pequeninas coisas sem utilidade aparente, mas em que os dedos e os olhos gostam de reparar de vez em quando: os nadas de uma existência atulhada de objetos imprescindíveis e, ao cabo, indiferentes, quando não fatigantes.

Meu leitor (ou ex-leitor) mato-grossense-do-norte (sic), não me queira mal porque não alimento a sua fome de conceitos graves, eu que me cansei de gravidade, espontânea ou imposta, e pratico o meu número sem pretensão de contribuir para o restauro do mundo. O sábio citado por Goethe me justifica, absolve e até premia. Eu disse no começo que não estou para brincadeira? Mentira; foi outra frivolidade. Ciao.