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Crise geopolítica na Venezuela: fim do bolivarianismo?

Crise geopolítica na Venezuela: fim do bolivarianismo?

Introdução

Para entender a atual crise na Venezuela, é necessário olhar para o passado. Essa crise não é nova e já está no ar há algumas décadas. Em 1989, o presidente eleito, Carlos Andrés Pérez, adotou um pacote de medidas econômicas neoliberais. Uma delas foi o aumento do preço dos combustíveis e, consequentemente, das passagens de ônibus, o que gerou uma onda de protestos em todo o país. Na capital, Caracas, o movimento ficou conhecido como Caracazo.

 

27 de fevereiro de 1989 – El Caracazo

 

Fonte: http://www.efemeridespedrobeltran.com/es/eventos/febrero/caracazo.-hoy-27-de-febrero-de-1989-se-produjo-el-caracazo

 

É nesse contexto que, em 1992, o paraquedista Hugo Rafael Chávez Frías participa de um golpe militar. Não deu certo, ele foi preso e solto posteriormente com a queda do governo de Pérez. Conseguiu candidatar-se em 1998, ganhando popularidade devido às denúncias sobre a corrupção no governo venezuelano e os enormes sacrifícios impostos à população. Com apoio da população e dos militares, foi eleito democraticamente em 1999. Desde então, foi reeleito 4 vezes, ficando no poder por aproximadamente 13 anos, até sua morte, em 2013.

 

Hugo Chávez junto a outros militares rebeldes do MBR-200, em 1992

 

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/

 

Seu governo inaugurou na América do Sul o conceito de socialismo do século XXI. A ideia era manter as relações capitalistas de comércio, mas utilizar o lucro dessas atividades para diminuir a desigualdade. A Venezuela iniciou uma agenda estatizante e centralizadora, com militares sendo a base desse governo. O Bolivarianismo (governos de esquerda na América Latina, que questionam o neoliberalismo e o Consenso de Washington) era o pano de fundo do que ficou conhecido como Chavismo (conjunto de investimentos sociais em assistencialismo para a população carente, fundamentado nos lucros do petróleo).

  

Transição entre governos e uma crise humanitária

A Venezuela está em crise oficialmente desde maio de 2016, quando declarou estado de emergência. Desde então, a situação piorou drasticamente. O país enfrenta uma crise humanitária decorrente de uma crise política e econômica. Os índices de violência são altíssimos, os mercados estão desabastecidos e a inflação parece não dar descanso.

Durante 14 anos, a Venezuela foi governada pelo militar populista Hugo Chávez. Em 2012, ele venceu as eleições para um próximo mandato. Porém, decorrente da grave doença que sofria, não conseguiu comparecer e assumir a presidência. Com sua morte, em 2013, Nicolás Maduro, vice-presidente, assumiu o cargo. Tal condição foi muito questionada pela oposição, defendendo que deveriam ser realizadas novas eleições. Maduro não tem o mesmo carisma que o seu antecessor e possui um menor apoio popular e político.

Em 2015, a oposição (Mesa da Unidade Democrática) conquistou a maioria dos assentos nas eleições legislativas. A pressão da oposição sobre o governo aumentou e, assim, Maduro buscou neutralizar essa força opositiva convocando uma nova assembleia constituinte, em 2017. Criou, assim, uma força legislativa paralela à Assembleia Nacional, eleita pelo povo e de maioria oposicionista. A crise política se agravou ainda mais. Protestos cada vez maiores geravam uma repressão violenta. Mesmo assim, Nicolás Maduro foi reeleito em 2018, com 70% dos votos. O processo democrático na Venezuela passou a ser questionado como nunca.

 

Petróleo – sucesso e crise

É impossível entender a crise econômica na Venezuela sem entender os impactos da variação do preço do petróleo. O país vive o que alguns estudiosos denominam maldição da matéria-prima. Rica em petróleo, concentrou seu desenvolvimento econômico nessa atividade, sem se preocupar em iniciar um processo de industrialização próprio. No ano de 2014, aproximadamente 90% das exportações foram relacionadas ao petróleo. Com sua indústria quase inexistente, necessitava importar quase todo tipo de produto (máquinas, vegetais, produtos animais, comida, bebida, papel).

 

O que a Venezuela exporta? (2014)

 

 

O que a Venezuela importa? (2014)

 

 

O barril custava aproximadamente US$110 no início de 2014. O elevado preço dessa commoditie, desde 2008, justificava o investimento dos Estados Unidos em uma técnica chamada de fracking, permitindo ao país extrair óleo e gás do xisto betuminoso (rocha sedimentar rica em matéria orgânica). Em 2014, os Estados Unidos se encaminhavam para se tornarem o maior produtor de petróleo do mundo. A Arábia Saudita não curtiu muito essa ideia e manteve sua produção elevada. A maior oferta causou uma queda no preço. No final de 2014, o preço do barril chegou a US$50. E caiu ainda mais. A Venezuela não conseguiu se sustentar e teve início uma crise econômica que, aliada a uma crise política, gerou um caos generalizado no país.

 

Crise de abastecimento e refugiados

Devido a essa dependência da importação e com a baixa disponibilidade de capital para subsidiar os produtos, os mercados ficaram vazios e perdeu-se o controle sobre a inflação. A Venezuela, diferentemente do Brasil, não buscou desenvolver sua industrialização com base no modelo de substituição de importações e, com isso, passou a ser dependente das importações. Decorrente dessa crise política e econômica, a violência aumentou significativamente e Caracas passou a ser a cidade mais violenta do mundo, com 120 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Assim, diante dessa situação calamitosa, milhares de venezuelanos buscaram refúgio em outro país. Colômbia e Peru são os principais destinos, abrigando, respectivamente, 1 milhão e 500 mil refugiados, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. No Brasil, estima-se que 100 mil refugiados venezuelanos já entraram no país. Tal movimento ocorre principalmente pelo estado de Roraima e muitos se deslocam para as cidades de Pacaraima e Boa Vista.

 

Dados sobre refugiados e migrantes venezuelanos – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

 

Fonte: https://www.acnur.org/portugues/venezuela/

 

Desses 5 milhões de migrantes e refugiados aproximadamente 2,6 milhões conseguiram algum tipo de autorização de residência. Na tabela abaixo, segundo dados do ACNUR, encontram-se migrantes ou refugiados que conseguiram algum status de residente, seja temporário, visto de trabalho, visto humanitário ou qualquer tipo que possibilite acesso a trabalho e serviços sociais por país. Não incluí dados de pedidos de asilo ou sistema correlacionado.

 

 

 

 

Migrantes ou refugiados com status de regular, incluindo autorização de residência – atualizado 05 jul. 2020

 

Fonte: https://data2.unhcr.org/en/situations

 

Em 2019, a situação não melhorou. A Venezuela possui duas assembleias e dois presidentes (Maduro e sua nova assembleia, e Juan Guaidó e a Assembleia Nacional). Estados Unidos, Brasil e diversos outros países reconhecem o governo de Guaidó. China, Rússia e Índia reconhecem Maduro. Recentemente, a Rússia declarou apoio militar ao governo de Maduro, e os Estados Unidos iniciou um embargo econômico ao governo de Caracas. A oposição liderada por Guaidó já tentou conquistar o apoio das forças militares venezuelanas, mas essas se mantêm fiéis ao governo de Maduro, um dos únicos fatores que garantem sua continuidade. O diálogo entre essas forças opositoras parece difícil e a solução longe do horizonte venezuelano.