O que é antropologia?
Evolucionismo
Estruturalismo
Funcionalismo
Exercícios de Antropologia Cultural
Exercícios de Etnocentrismo
Em nosso cotidiano, tendemos a chamar de “cultura” apenas aquele conjunto de atividades humanas consideradas mais nobres pela sociedade, como o teatro, a música clássica, a alta literatura, o cinema de vanguarda etc. No nosso dia-a-dia, não costumamos considerar cultural o ato de um sujeito comer pipoca ou lavar louça. Apenas certas atividades “superiores” seriam culturais.
Na antropologia (e, portanto, também na sociologia, que é sua parente próxima) é diferente. Nessa perspectiva, cultura é todo e qualquer elemento da vida humana que não seja natural, isto é, que não seja fruto de nossa própria constituição física, química e biológica. Enquanto o natural é aquilo que o homem realiza espontaneamente, em virtude do seu próprio ser, como respirar, por exemplo; o cultural, por sua vez, é aquilo que é criado pelo homem em sociedade e que, portanto, ele adquire através do seu convívio com os outros: a habilidade de escrever, por exemplo.
Vê-se aqui que, enquanto o sentido cotidiano de cultura é bastante restrito, o sentido antropológico de cultura é bem mais amplo, incluindo sim o comer pipoca e o lavar louça como fenômenos culturais. Por outro lado, é bom lembrar que, por mais que a visão antropológica parta de uma diferenciação entre natureza e cultura, estes dois domínios não são completamente separados, mas, ao contrário, por mais que distintos, estão sempre muito conectados no mundo real. O fato cultural da existência da língua portuguesa, por exemplo, só existe em virtude do fato natural da capacidade humana de falar.
E por que estamos falando de cultura? Ora, porque vamos falar de Antropologia! A Antropologia Cultural é uma importante área das ciências sociais. Ela estuda o funcionamento das diversas culturas humanas. Diferente de outras ciências, como a matemática, a física teórica, a economia e até mesmo certos ramos da sociologia, que podem ser desenvolvidos de maneira puramente teórica, por meio de leituras e estudos abstratos, a antropologia é uma ciência que sempre exige a prática. De fato, as culturas são realidades vivas e dinâmicas, que só podem ser verdadeiramente conhecidas de perto. Assim, quando um antropólogo se dedica a estudar certo fenômeno cultural, ele não se contenta apenas em ler o que outros autores escreveram sobre o tema - o que certamente é muito importante -, mas vai ele próprio ter contato com a realidade cultural em questão. Por isto, vemos nos velhos filmes de Hollywood o antropólogo como aquele sujeito que vai para terras distantes, conhecer e estudar tribos isoladas, convivendo com os nativos por um tempo. Este trabalho de campo do antropólogo é chamado tecnicamente de etnografia e não precisa ser feito apenas em lugares distantes, com povos desconhecidos. Há, por exemplo, a antropologia urbana, que produz trabalhos etnográficos sobre fenômenos culturais das grandes cidades, como o hip-hop e o grafite. Por fim, é bom dizer que, desde as origens da antropologia, lá no século XIX, há muitas discussões sobre a pesquisa etnográfica e dos melhores meios de realizá-la: se o pesquisador deve buscar comportar-se como um membro qualquer do espaço social em que se encontra e ocultar sua identidade; se, ao contrário, é importante que, mesmo estando fazendo trabalho de campo, ele se comporte como um observador externo, etc.
Desde seu início a antropologia passou por diversos estágios e teve em seu interior o desenvolvimento de várias correntes. Primeiro é preciso ressaltar que, na divisão clássica da Antropologia a temos a separação entre Antropologia cultural (que é a ciência a qual nos dedicaremos nesse material) e Antropologia Biológica, uma ciência natural de estudo do ser humano, sua evolução, aspectos comportamentais e biológicos. Esses estudos incluem nossos “parentes” primatas e hominídeos ancestrais extintos. Ou seja, é uma ciência dedicada à esfera biológica da existência humana.
História da Antropologia e correntes antropológicas
Quando nos referimos a ciência Antropologia, podemos afirmar que seu nascimento com a publicação de “As Regras do Método Sociológico” de Durkheim, que futuramente publicaria “Formas Elementares da Vida Religiosa” onde o autor busca compreender como surgiu o fenômeno da religiosidade e sua constituição basal. Mas, muito antes disso, pensadores já se dedicavam a questão da cultura e, principalmente, do outro.
Evolucionismo
Nesse período o conhecimento produzido pela antropologia serviu de instrumento para justificação da política colonialista das metrópoles europeias. As correntes do pensamento antropológico defendem uma superioridade do homem europeu sobre as outras “raças” espalhadas pelo mundo. Essa posição é chamada de etnocentrismo.
Sem contato com esses povos, os pesquisadores se debruçavam sobre relatos trazidos por viajantes e analisavam objetos de lugares distantes. As informações sobre povos de terras longínquas foram produzidas desde o início da dominação europeia, mas só no séc. XIX alcança a sistematização. Mas por que tanta informação sobre os outros? Ora, para que a dominação fosse mais bem exercida. O pontapé inicial da Antropologia é esse, uma mistura entre curiosidade científica sobre um ser humano desumanizado (considerado inferior, bárbaro, objetificado) e o interesse em exercer uma dominação cada vez mais eficiente.
Entender essas sociedades estava para os cientistas da Antropologia tal qual Galápagos estava para Darwin. Eles compreendiam essas comunidades como primitivas, arcaicas, ou seja, um laboratório onde poderia ser observada a própria história. A partir de uma concepção evolucionista, pensadores como Morgan, Tylor e Frazer acreditam que as sociedades estão dispostas numa evolução linear e vertical, onde invariavelmente as sociedades europeias já foram como os selvagens ou bárbaros e esses, em algum ponto da história chegariam à civilização europeia.
Esse movimento fica conhecido como Evolucionismo Social ou Darwinismo social, pela influência do pensamento do biólogo na teoria social. Um de seus maiores expoentes é Herbert Spencer, autor da frase “a sobrevivência do mais apto”, que expressa bem como a corrente entende o desenvolvimento das sociedades.
Funcionalismo
Como falamos, a ciência Antropologia surgiu na virada do séc. XIX para o XX, com propostas cada vez menos etnocêntricas de conduzir as pesquisas. Durkheim é um marco importante, assim como seu sobrinho, Marcel Mauss. Partindo da perspectiva de que cada sociedade tem fenômenos que se encaixam harmoniosamente pela sua função, esses pensadores iniciaram uma pesquisa menos pautada na superioridade europeia e mais focada da realidade peculiar de cada comunidade. A proposta de Branislaw Malinowski de um novo método, a etnografia, revoluciona o campo, que até então se baseava na etnologia, um estudo de documentos, objetos e relatos sobre os diversos povos. A etnografia se baseia presença do pesquisador no meio social que investigará, onde ele realiza observação direta (sem intermediários) e observação participante (atuando nos diversos fenômenos culturais estudados. A posição de Malinowski não é mais etnocêntrica, mas adepta do relativismo cultural. Assim o funcionalismo compartilha da visão segundo a qual não existem culturas objetivamente inferiores ou superiores, uma vez que, segundo tal concepção, nenhuma avaliação cultural é neutra, mas sempre depende do ponto de vista do avaliador e é, portanto, relativa. Segundo Malinowski e seus companheiros, é preciso entender que todo fenômeno cultural, por mais estranho ou mesmo errado que possa parecer aos nossos olhos, possui um sentido e uma função na cultura em que habita. Assim, compreender uma cultura não é, como pensavam os evolucionistas, buscar enquadrá-la em uma suposta escala de evolução da humanidade, como mais ou menos civilizada, pois isto significa impor os valores de uma determinada cultura (aquela vista como mais civilizada) como régua para medir as outras. Ao contrário, compreender uma cultura significa apreender sua especificidade, suas características próprias, sem julgamentos ou avaliações.
Culturalismo
Apesar de funcionalista, a antropologia estadunidense se destaca através de Franz Boas com discussão sobre o que é cultura. Naquela época as questões que envolviam cultura eram entendidas como um processo racional evolutivo. Boas não criticou expressamente a noção de evolução social, mas a noção de que inevitavelmente as culturas percorriam uma linha do simples para o complexo e que essa linha era única para a espécie humana. Ele apresenta a noção de que as sociedades, mesmo podendo ser analisadas em termos de evolução, percorrem trajetórias únicas, possibilitando a existência de diferentes desenvolvimentos históricos que não necessariamente o europeu. O fenômeno cultural para Boas era autônomo em relação ao meio e ao tempo, quebrando a noção de determinismo cultural da corrente evolucionista. Na verdade, Boas, com essa proposição, se torna o principal teórico do relativismo cultural.
Estruturalismo
Claude Lévi-Strauss foi aluno de Boas, sendo o maior nome do estruturalismo. Os estruturalistas também fazem uma defesa do relativismo cultural, ou seja, também acredita que toda avaliação cultural é relativa e que não há motivos sérios e aceitáveis para julgarmos determinadas culturas melhores do que as outras. Há, porém, uma importante diferença entre os funcionalistas e os estruturalistas. De fato, ao contrário de Malinowski, que, como vimos, propunha uma análise antropológica especificante, focada em entender cada cultura por si mesma, a partir dos seus próprios valores e crenças e a partir sobretudo da função destes valores e crenças na cultura em questão, Lévi-Strauss propunha uma análise comparativa dos fenômenos culturais. Isto é, para ele e seus companheiros, por mais que não existam culturas superiores e que cada sociedade seja uma universo próprio, é possível perceber certas constantes na ordem cultural, certas estruturas sociais (daí o nome da corrente) que se repetem nas diversas culturas pelo mundo. Algumas dessas estruturas sociais, destes padrões de comportamento constantes nas diversas culturas são, por exemplo, o uso de uma língua para a comunicação, a proibição do incesto e a existência da família. Obviamente, o modo como essas estruturam se manifestam varia de sociedade para sociedade: algumas só têm língua oral, outras têm língua escrita; algumas proíbem o incesto só de parentes muito próximos, outras têm uma lista mais extensa de interdições; algumas possuem famílias monogâmicas, outras poligâmicas; numas, as famílias são matriarcais, em outras patriarcais, etc. O fato, porém, é que a existência dessas estruturas é constante. Assim sendo, compreender uma cultura não é simplesmente entender como ela funciona, qual é a função de cada elemento dentro dela, mas sim apreender as suas estruturas sociais básicas e compará-las com as das demais culturas existentes, notando suas semelhanças e diferenças. Perceba-se, porém, que, ao contrário do que ocorre no evolucionismo, esta comparação não tem qualquer caráter avaliativo, de julgar quem é melhor ou pior. Trata-se apenas de entender as semelhanças e diferenças entre as culturas, para melhor poder explicá-las.
Ou seja, a busca de Lévi-Strauss não é de entender o que há de diferente no ser humano, entender o outro, mas entender a humanidade em sua totalidade. Lévi-Strauss busca aquilo que há de semelhante nas culturas e que pode ser comparado entre elas (sem juízo valorativo), que pode ser considerado uma estrutura. No estudo que faz dos ameríndios brasileiros, o pensador percebe que relações como parentesco, linguagem, música e mitos funcionam de maneira semelhante para todas as pessoas (inclusiva brancos). Sua proposta é a de que todos pensamos em pares de oposição (como se pensássemos em binário numa cadeia de associações e dissociações). Assim, os elementos que aproximam culturas tradicionais das europeias não são sua pretensa ancestralidade arcaica, mas a semelhança no seu modo de pensar. Os mitos ameríndios não perdem em nada no quesito complexidade e lógica – na visão do autor - para a forma de ver o mundo do homem branco, que passa a ser apenas mais uma cosmologia possível como narrativa.
Antropologia interpretativa
Clifford Geertz foi o maior responsável por esse que foi, até o momento, o último grande movimento paradigmático da Antropologia. Sua defesa era a de que cada cultura era tão única que não era possível encontrar semelhanças ou diferenças, nem tampouco entender para que serve cada fenômeno, quais funções carregam. Geertz afirma que nenhum antropólogo, independentemente do método, será capaz de compreender dada cultura como um nativo compreende. De fato, o próprio nativo já faz sua interpretação própria da cultura, não significando aquela interpretação um retrato objetivo da cultura em questão. Mas, como assim? Por que fazer Antropologia se não é possível obter um conhecimento objetivo na pesquisa? Veja bem, como discutimos antes, as Ciências Sociais são diversas das Ciências Naturais naquilo que pesquisam, como pesquisam e no que consideram objetividade científica. Reconhecer que a objetividade absoluta é impossível quando se estuda o ser humano é tão científico quanto as descobertas da física em relação a gravidade. O ser humano é volátil e esse é um dado incontornável. Geertz aponta então para a única possibilidade de conhecer outras culturas: Lê-las como um livro. Não importa saber como uma cultura é, até porque isso está posto como impossível para Geertz. O que podemos fazer é interpretar essa cultura, tentar entender como as pessoas entendem sua cultura. Posto que o próprio nativo é um leitor, os antropólogos são como as pessoas que espiam a leitura de estranhos no transporte coletivo. Nas palavras de Geertz a Antropologia deveria interpretar “quem as pessoas de determinada formação cultural acham que são, o que elas fazem e por que razões elas creem que fazem o que fazem”. Essa é uma proposta voltada para os sentidos de uma cultura (muito próxima da metodologia weberiana, voltada para o sentido das ações dos indivíduos). Além disso, Geertz afirmava que o problema na Antropologia não era estranhar o outro, mas estranhar a si mesmo. O antropólogo deve fazer uma extensa investigação sobre si antes de se propor a pensar sobre os outros.