Introdução ao filme: Personagens e roteiro
A desigualdade social e a estratificação
O papel das ideologias na manutenção das desigualdades sociais
As relações sociais weberianas
Crítica social e política
No filme "Que horas ela volta?" temos a apresentação de uma relação entre uma família abastada e sua empregada doméstica que é perturbada pela chegada da filha desta empregada que desestabiliza a harmonia desse grupo.
Val é a empregada doméstica que vive para seu trabalho para a família. Jéssica é a filha da Val que chega para prestar vestibular numa grande universidade de São Paulo. Os patrões são Bárbara, Carlos e Fabinho que representam uma família de classe média alta do Morumbi (bairro da cidade de São Paulo).
E apesar de constituir uam relação acomodada, a desigualdade social é escancarada. Jéssica que é uma figura externa a essa dinâmica assume uma postura de enfrentamento às opressões realizadas pela família. Vários filósofos ao longo da história criticaram a propriedade privada como fonte de desigualdade e o filme traz como símbolo dessa propriedade a piscina.
Desde Platão a propriedade privada é criticada. Na Calípolis, a pólis perfeita proposta em "A República", a primeira proposta de Platão é extinguir a propriedade privada. Morus também propõe critica a propriedade privada na ilha de Utopia afirmando que todos teriam acesso ao trablaho e aos bens. Rousseau é também um outro autor que afirma que a propriedade privada que é a origem da desigualdade social. A partir do momento em que um indivíduo cercou um pedaço de terra e disse "isso é meu" surgiu o egoísmo humano. Como é de se esperar, essa lista de autores não poderia deixar de incluir Marx e sua crítica ao modo de produção capitalista, propondo a superação da desigualdade através da revolução e o fim da propriedade privada.
Essa desigualdade gera uma estratificação social, dividindo as pessoas através de seu acesso ou não à bens e riqueza. Essa estratificação acaba por expressar uma visão desumanizadora, justificada pela ideia de mérito que não se manifesta na realidade e impede a mobilidade social.
A estratificação é sustentada por uma ideologia, uma falsa consciência que aliena os indivíduos subalternizados. As instruções de val para Jéssica expressam bem essa ideologia. Ela não só tenta ajudar sua filha a não perturbar uma dinâmica harmoniosa, porém opressiva, ela transparece uma crença nas regras que impõe à filha. A ideologia faz com que os oprimidos pensem o mundo como os opressores.
A partir de uma perspectiva da análise das relações sociais, é possível ainda criticar a relação construída entre os patrões e sua empregada. Em relações primárias, como a família, temos vinculos duradouros afetivos. Já relações secundárias são racionalizadas, como o trabalho. No caso da Val, qual sua posição nesse núcleo familiar? Ela criou o filho dos patrões em lugar de criar a sua, ela convive com eles na mesma casa durante uma década. Val está numa relação intermediária. Mas a chegada de Jéssica faz ruir a ideologia que oculta as contradições sociais. Não há espaço para a tolerância, para o afeto e para o convívio. Jéssica não pode tomar o sorvete de Fabinho. Jéssica não pode ficar na piscina. Jéssica deve ficar "da cozinha para lá". Jéssica se torna objeto de conquista para ostentação. Jéssica não está disposta a se submeter como Val.
O filme, no final das contas, expressa as tensões surgidas na sociedade brasileira com a ascensão da classe C que permitiu o acesso a vários bens de consumo aos pobres e que incomodou as elites sociais. Um dos maiores privilégios que é aberto é o acesso às universidades públicas. No final do filme, com a tomada de consciência de sua condição de oprimida, Val abandona sua má-fé e usa sua liberdade para se demitir, assumindo as responsabilidades por essa liberdade.