Exclusivo para alunos

Bem-vindo ao Descomplica

Quer assistir este, e todo conteúdo do Descomplica para se preparar para o Enem e outros vestibulares?

Saber mais

A ética protestante e o espírito do capitalismo

Confira!

As éticas do trabalho

As condições básicas do capitalismo

De todas as análises concretas elaboradas por Max Weber a partir de a sua teoria sociológica e de seu método, a mais famosa foi aquela que ele desenvolveu a respeito da formação da sociedade moderna e da ascensão do capitalismo. De fato, tal como Durkheim e Marx, Weber preocupou-se muitíssimo em compreender como se deu a construção do sistema capitalista. Durkheim, como já vimos em outra oportunidade, pensava que a formação deste modelo econômico seria explicável mediante a mudança do tipo de solidariedade social dominante: da solidariedade mecânica das sociedades tradicionais, pré-modernas, para a solidariedade orgânica das sociedades moderna e capitalistas. Marx, por sua vez, pensava que a formação do capitalismo deveria ser explicada basicamente através da ascensão de uma nova forma de organização dos meios de produção, o que resultaria numa nova forma de luta de classes, opondo, de um lado, os burgueses, proprietários dos meios de produção, e de outro os operários, donos apenas de sua força de trabalho. Weber, obviamente, não pensava nem de um modo nem de outro. Fiel à sua sociologia compreensiva e ao seu individualismo metodológico, a interpretação weberiana estabelece que o único modo de compreender o surgimento do capitalismo é através não do exame dos fenômenos sociais em si, mas sim pela análise cuidadosa das intenções dos indivíduos que constituíram o modelo capitalista. Foi precisamente este percurso seguido pelo autor em sua obra mais famosa, A ética protestante e o espírito do capitalismo.

Protestantismo, nova forma de ver a riqueza

Como o próprio nome do livro indica, para Weber, um dos eventos não explusivo de maior relevância na formação da sociedade capitalista foi a Reforma Protestante, que dissolveu a unidade do cristianismo ocidental, até então centralizado na Igreja Católica. Longe, porém, de se circunscrever ao âmbito religioso, a Reforma foi, para Weber, a própria causa da ascensão do capitalismo e da mentalidade moderna. De fato, como se sabe, os autores reformados, como Lutero e sobretudo Calvino, criticaram fortemente a perspectiva católica segundo a qual o homem precisa cooperar com Deus para ser salvo. Ao contrário, profundamente pessimistas que eram a respeito da natureza humana manchada pelo pecado, os reformadores criam que o homem é incapaz, por suas próprias forças, não apenas de salvar-se, mas até de cooperar em seu processo de salvação. Por si mesmo, ele é capaz apenas de pecar, de modo que Deus é o único e completo responsável pela ida ao Céu daqueles que se salvam. Assim, não há nada, inteiramente nada que o homem possa fazer por sua salvação. Deus desde toda a eternidade escolheu, de maneira inteiramente arbitrária, quem há de se salvar e quem há de se condenar, de modo que todo homem, ao nascer, já está previamente determinado seja para a salvação, seja para a condenação ao Inferno. Ora, esta ênfase absoluta na predestinação de Deus (insinuada em Lutero e só afirmada plenamente em Calvino), sem deixar qualquer espaço para a liberdade humana, gera um problema prático: se nada do que eu faço, seja boa ou má ação, é indício de que serei salvo, como posso saber que estou no caminho do Céu? Segundo Weber, a resposta a essa pergunta que se tornou mais popular nos países protestantes não foi elaborada diretamente por nenhum grande autor da Reforma, mas sim por certos pastores calvinistas posteriores. Na visão destes pastores, nõa há como ter certeza da salvação, mas há indícios de quem foram os escolhidos. Constantes fracassos e falhas de comportamento são um sinal de que Deus não escolheu esse indivíduo. Por outro lado, ter sucesso na vida em tudo que empreende reflete a graça e a misericórdia divina, inclusive no âmbito econômico. De fato, uma vez que os salvos são aqueles que Deus quer, é natural que Deus proteja e zele por esses a quem ama, garantindo-lhes bênçãos e sucesso financeiro. Assim, concluiu a mentalidade média dos povos protestantes, se dar bem nos negócios é, por excelência, o sinal da graça divina e da salvação. Além disso, o protestante deve ter uma vida inteiramente ascética, ou seja, fazer o máximo para não sucumbir ao pecado. Enquanto a Igreja Católica era reponsável por dizer quem vai ao paraíso ou não, levando os indivíduos uma vida média com pouca atenção ao que faziam no dia a dia, o protestante defende uma doutrina de conexão direta com Deus, tornando-se esse indivíduo inteiramente responsabilizado pelas suas ações. As pessoas não são mais ovelhas de um rebanho, mas cada um o pastor de si. Isso torna o protestante muito menos opulento que  católico, um indivíduo dado ao traballho (como reflexo da salvação) e a poupança (porque uma vida de prazeres não é uma vida consagrada a Deus)

E o capitalismo?

De acordo com Weber, os impactos dessa mentalidade na ascensão do capitalismo foram fundamentais. Vendo no sucesso financeiro um sinal da benção de Deus, os protestantes passaram a desenvolver um forte senso de eficiência e de busca pelo lucro. Obviamente, se o ganho de dinheiro é uma prova do amor de Deus, gastar esse dinheiro de maneira irresponsável, esbanjando-o em diversões e brincadeiras, mesmo que não pecaminosas, acaba por ser um desrespeito contra Deus. Não é à toa, portanto, na perspectiva weberiana, que os países que tiveram maior desenvolvimento capitalista foram aqueles de formação protestante, como a Inglaterra, os EUA e a Alemanha, enquanto os países mais fortemente católicos, como Portugal, Itália e Espanha, nunca alcançaram o mesmo grau de sucesso capitalista. Em suma, para Weber, a mentalidade protestante de busca pelo lucro como sinal da glória e benção de Deus é que foi o grande motor de desenvolvimento do capitalismo. Aqui a ética protestante (trabalho e poupança) se encontra com o espírito do capitalismo (produzir e acumular).

Secularização e racionalidade

Curiosamente – e isso também chama muito a atenção de Weber –, apesar de suas origens religiosas, o que o capitalismo gerou foi justamente um tipo de sociedade no qual a religião não ocupa mais o papel central de antes. Com efeito, todas as sociedades tradicionais, pré-moderna, foram sociedades sacrais, nas quais a religião não apenas era importante, como ocupava o próprio centro da vida em sociedade. A sociedade moderna e capitalista, por sua vez, é uma sociedade secularizada, isto é, uma sociedade na qual a religião ainda é bastante influente, mas não ocupa mais um papel central e determinante. Analisando a proposta protestante mais a fundo é possível encontrar nela própria a semente da secularização. A Reforma tem uma abordagem muito mais racional da religião, além de eleger o indivíduo como o núcleo “responsável” pela salvação. Além disso, as práticas religiosas protestantes são mais racionais, metódicas e pragmáticas (por isso, podem ser chamados também de metodistas) que a liturgia católica. O que aconteceu é que todos aqueles elementos da vida social que até então era dependentes da religião, tais, como a arte, a política, a cultura, etc., foram se autonomizando, se guiando por regras próprias e independentes. No linguajar weberiano, tal processo de secularização, de dessacralização da existência humana, é chamado de desencantamento do mundo e sua principal característica é a cada vez maior racionalização da vida. Enquanto o catolicismo e o luteranismo viam a salvação nos sacramentos (fenômenos mágicos em essência) as seitas puritanas oriundas da reforma defendiam o trabalho ascético a disciplina moral como formas de assegurar a certeza interior da salvação. Porém, a organização social não encontrou mais afinidade com a ética protestante e as duas áreas se afastaram. Sendo um sistema que preza acima de tudo pela eficiência, o capitalismo enfraquece muito as ações sociais de tipo irracional, como a tradicional e a afetiva, dando relevância sobretudo à ação racional com relação à fins, que é a típica ação social econômica, empresarial, e que, portanto, é a síntese do capitalismo. Diferente do mundo tradicional das sociedades sacrais, em que os homens se preocupavam sobretudo com valores, a sociedade moderna e capitalista é aquelas na qual os homens estão preocupados sobretudo com metas. Sua lógica é a da eficiência e isto se mostra em fatores muito concretos. Não à toa, diz Weber, a sociedade capitalista é marcada por uma enorme burocratização e especialização. Em um contexto no qual o sucesso é o critério supremo de avaliação das ações, nada mais óbvio do que promover a divisão de tarefas, que minimiza os riscos e maximiza os ganhos. Nada mais lógico também do que submeter tudo a regras e normas burocráticas. Para que se produza mais, é importante que os indivíduos sejam regulados, disciplinados, normatizados.

Vocação e profissionalização

Não à toa Weber observa um fenômenos interessante do capitalismo e de sua racionalização. Defendia antes por Lutero, a vocação é uma espécie de missão divina, algo que estamos destinados a fazer aqui por Deus. Absorvida pelo ethos capitalista (se ma intenção de Lutero) a noção de vocação se mistura a de profissão. Assim, torna-se pecado, ou pelo menos moralmente inadequado, dedicar-se a atividades que não sejam o trabalho, já que estamos aqui cumprindo uma missão dada por Deus. Quando se conecta com a noção de profissão, a vocação encontra a remuneração, já que recebemos um valor em troca do nsoso trabalho. O resultado disso é uma profissionalização contraditória. Em política como vocação, por exemplo, Weber aponta que existem dois tipos de políticos: os que vivem da política e os que vivem para política. O político que vive da política não tem nenhuma outra fonte de renda além da obtida por essa atividade e que sua luta se confunde com sua busca por sustento. Por outro lado, o político que vive para a política não atua por remuneração, mas por honra ou prestígio, até mesmo “poder pelo poder”. Ora , Weber observa que essa dinâmica acaba por gerar como resultado final da ação política uma relação inadequada com o sentido original da atividade. A atividade científica não estaria muito distante desses problemas. Primeiro, Weber acredita que pesquisador e professor não são atividades compatíveis em nível, sendo aletório que um indivíduo consiga desempenhar bem as duas. Além disso, mostra a contradição de se pagar ao cientista para que faça o que faz, seja do ponto de vista da relação com seus alunos ou por questões mais profundas, como o que o pesquisador desejaria investigar e o que é obrigado a investigar por conta dessa profissionalização.