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Introdução ao Existencialismo

Descomplique o Existencialismo com o professor Gui de Franco. Confira!

O conceito de liberdade em Sartre

Conceitos existencialistas

Influências do Existencialismo

Um dos mais influentes filósofos contemporâneos, o francês Jean-Paul Sartre é famoso especialmente por ser o maior representante da corrente filosófica conhecido como existencialismo.

Como seu próprio nome indica, o existencialismo é aquela concepção filosófica que tem como meta central buscar compreender a existência humana. Naturalmente, esta pode parecer uma definição bastante vaga, no entanto, para os existencialistas, ela tem um significado bastante preciso. Com efeito, segundo Sartre, o grande mal da filosofia ao longo da história foi a sua excessiva preocupação com temas abstratos e distantes de nossa experiência imediata, como a existência de Deus, a imortalidade da alma, o fundamento das normas morais, as bases do conhecimento seguro, etc. Indo, por sua vez, numa direção inteiramente oposta, o existencialismo entende a busca por compreender a existência humana como uma busca por entender o homem na sua concretude, na sua experiência real e diária.

Em termos teóricos, afirma Sartre, o ponto de partida do existencialismo é a admissão de uma verdade básica: no homem, a existência precede a essência. Ora, o que isto significa? Significa basicamente que, para os existencialistas, não existe uma natureza humana uma essência eterna e inalterável, comum a todos os homens, um modelo prévio ao qual o homem deve se adequar e que lhe cabe realizar. Ao contrário, segundo Sarte, o homem, por si mesmo, naturalmente, é apenas um grande vazio, uma grande possibilidade em aberto. Será a sua história, a sua trajetória de vida, será aquilo que o homem fizer por si mesmo que definirá sua identidade, sua essência.

Diz Sartre a respeito: “O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência.”

Percebe-se aqui facilmente a grande ênfase existencialista no tema da liberdade. De fato, para Sartre, é justamente porque o homem não tem uma natureza pré-determinada que ele é livre. Os animais, os objetos inanimados e as plantas, por exemplo, têm essências fixas e estabelecidas previamente, por isso não são livres, não decidem por si mesmos o que serão. O homem, ao contrário, justamente porque é pura possibilidade, justamente porque não tem uma natureza própria, é inteiramente livre para construir a si mesmo, para fazer a si mesmo, para construir sua própria identidade. Escrevendo tecnicamente, o filósofo existencialista dizia que o homem é para-si, enquanto que os demais seres são apenas em-si. A cada ação que tomamos, a cada decisão que fazemos, nós estamos constituindo nossa própria essência. Tal processo só se encerra com a morte, onde, de acordo com Sartre, nossa essência torna-se destino, isto é, uma realidade efetivamente inalterável e permanente.

Em sua filosofia, Sartre foi um incansável defensor da liberdade. Crítico de todas as espécies de determinismo, o filósofo existencialista francês negava que houvesse qualquer elemento, seja social, psicológico ou histórico que limite nossa liberdade. De fato, para ele, ainda que nós não possamos escolher os fatores que atuam sobre nós, podemos sempre escolher o que fazemos com os fatores que atuam sobre nós. Assim, uma mulher não escolhe quando de seu nascimento viver numa sociedade que lhe exige tais e quais comportamentos, mas ela pode escolher o que fazer com essas exigências, se irá cumpri-las ou não.

Nota-se neste ponto o vínculo imediato que há, para o existencialismo, entre liberdade e responsabilidade. Em verdade, como é inteiramente livre e senhor de si mesmo, o homem é também inteiramente responsável por aquilo que ele faz. A responsabilidade não é oposta à liberdade, mas sim sua consequência inevitável. Vê-se assim que, para Sartre, a liberdade, ao mesmo tempo que é um dom, um poder, é também um fardo, um peso, uma vez que o homem é sempre responsável por aquilo que ele faz. Este conflito entre o poder de autoconstrução permanente que o homem possui e as consequências drásticas de seu exercício (“estamos condenados a ser livres”, diz Sartre) é a origem da angústia, isto é, do desespero diante das inúmeras possibilidades de escolha e da dificuldade de se decidir qual sentido dar à própria vida.

Mais: para os existencialistas, a responsabilidade do ser humano não é puramente individual. Com efeito, ao tomar uma decisão qualquer o homem elege, explicitamente ou implicitamente, valores que julga corretos e que devem servir como critério de conduta. Assim, ao ser responsável por suas ações, o homem é também responsável por toda a humanidade, uma vez que promove um modelo de conduta com pretensões universais. Vê-se, pois, que, ao contrário de um individualismo banal, a liberdade existencialista sempre se constrói na relação (muitas vezes conflituosa) com o outro.

Diz Sartre sobre o tema: “Porém, se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem na posse do que ele é de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é apenas responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. (...) Ao afirmarmos que o homem se escolhe a si mesmo, queremos dizer que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens. De fato, não há um único de nossos atos que, criando o homem que queremos ser, não esteja criando, simultaneamente, uma imagem do homem tal como julgamos que ele deva ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Se, por outro lado, a existência precede a essência, e se nós queremos existir ao mesmo tempo que moldamos nossa imagem, essa imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão em vez de ser comunista, e se, por essa adesão, quero significar que a resignação é, no fundo, a solução mais adequada ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, não estou apenas engajando a mim mesmo: quero resignar-me por todos e, portanto, a minha decisão engaja toda a humanidade. Numa dimensão mais individual, se quero casar-me, ter filhos, ainda que esse casamento dependa exclusivamente de minha situação, ou de minha paixão, ou de meu desejo, escolhendo o casamento estou engajando não apenas a mim mesmo, mas a toda a humanidade, na trilha da monogamia. Sou, desse modo, responsável por mim mesmo e por todos e crio determinada imagem do homem por mim mesmo escolhido; por outras palavras: escolhendo-me, escolho o homem.”

Chegamos aqui ao conceito de engajamento, central na obra de Sarte. Ora, uma vez que não há uma essência universal do homem ou natureza humana, não há um padrão pré-estabelecido a respeito de como homem deve se comportar e, portanto, não faz sentido perguntar-se qual é o tipo de conduta correto ou adequado para o ser humano, como fizeram tantos filósofos morais, como Kant e Aristóteles. Na verdade, dado que esse padrão moral universal não existe, o único critério que resta para a avaliação do comportamento dos indivíduos é o engajamento, isto é, o grau de comprometimento do sujeito com sua própria vida, o nível de responsabilidade que ele assume por ela, em suma, o grau de intensidade com que o homem exerce sua liberdade. Em suma, como não há um sentido pré-estabelecido para a vida humana, cabe ao homem criar o seu sentido - cada um criará o seu - e ser vivê-lo com intensidade. Como diz Sartre, o homem é sempre um projeto que se vive subjetivamente, ou seja, é sempre aquilo que projetar para si mesmo. Neste sentido, o filósofo existencialista distingue dois tipos de comportamento: o autêntico e o inautêntico.

Para Sartre, por um lado, há aqueles indivíduos que tomam conscientemente suas decisões, exercem sua liberdade com franqueza e assumem a responsabilidade por seus atos. Estes são os indivíduos autênticos. Independentemente do que concretamente fizeram, do conteúdo de suas ações, sua conduta tem um mérito: ela possui engajamento e, portanto, é honesta, assume sua própria natureza, reconhece que a existência precede a essência, que o homem é o único responsável por seu ser.

Por outro lado, há os indivíduos inautênticos, aqueles que padecem do que Sartre chamava de má-fé, isto é, aquela tendência de terceirizar responsabilidades, de tentar justificar as próprias ações não pelo puro e simples exercício da própria liberdade, mas por motivos outros, sejam mandamentos religiosos normais morais, convenções sociais, etc. Os indivíduos que agem assim não suportam a angústia e por isso fogem dela, negando sua própria responsabilidade por aquilo que fazem.