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Contratualismo: Visão Geral

Afinal, por que existe o Estado? Iniciando o módulo, a professora Lara nos indica como os pensadores contratualistas respondem esta pergunta.

Contratualismo: Hobbes, Locke e Rosseau

A origem do Estado para Aristóteles

Outras Teorias Não-Contratualistas


Como se formou o Estado? E por quê? Quais condições possibilitaram o surgimento dessa instituição tão específica em sociedades tão diversas é um tema constante na filosofia política. Muitos pensadores ao longo da história se dedicaram a responder essas perguntas, uma tarefa difícil.

Sabe-se que várias sociedades se organizaram e se organizam sem o Estado. Nelas as funções administrativas são distribuídas entre os membros integrantes. No entanto, em dado momento da história da maioria das sociedades, com o aprofundamento da divisão social do trabalho, certas funções político-administrativas e militares acabaram sendo assumidas por um grupo específico de pessoas. Esse grupo passou a deter o poder de impor normas à vida coletiva. Assim teria surgido o governo, por meio do qual foi se desenvolvendo o Estado. Na investigação sobre as origens e os fundamentos das associações políticas, inúmeras respostas foram elaboradas ao longo da história. Vejamos então algumas das questões e formulações mais célebres do pensamento político.

Platão: o rei-filósofo

Um dos primeiros tratados sobre a forma do Estado vem da Grécia Antiga. Platão define que a cidade ideal deveria seguir a categorização das almas dos indivíduos (concupiscente, a irascível e a racional), dividindo-se assim em três grandes grupos:

  • produtores – responsáveis pela produção econômica, como os artesãos e agricultores, criadores de animais etc. Esse grupo corresponderia à alma concupiscente;
  • guardiães – responsáveis pela defesa da cidade, como os soldados. Esse grupo corresponderia à alma irascível;
  • governantes – responsáveis pelo governo da cidade. Esse grupo corresponderia à alma racional.

Assim como o indivíduo deve alcançar o equilíbrio entre as três almas, a justiça na pólis se dará pelo equilíbrio das funções executadas por cada grupo social. Além disso, Platão entende que esse equilíbrio no indivíduo deve ser alcançado pela educação e que a alma racional deve preponderar. Também a organização da pólis deve seguir essa concepção. Os indivíduos então deveriam ter igual acesso à educação para que o processo definisse quem executaria qual função, conforme suas aptidões.

Aristóteles: o animal político

Aristóteles acredita que a formação da sociedade é natural. Para ele o ser humano é um animal político, pois necessita estar entre semelhantes para sobreviver. Como faz parte da natureza humana, a sociedade deve ser guiada pelo mesmo fim que define o ser humano, o bem. Assim a política se constituí numa relação de complementaridade com a ética, já que as duas buscam o bem, seja do indivíduo ou do grupo social. O grupo tem, inclusive, precedência sobre o sujeito já que este não é autossuficiente, enquanto a sociedade não se dissolve por causa da ausência de um indivíduo.

E qual a forma adequada à natureza humana para o pensador? A pólis. Já que o homem é um animal social então a pólis é parte da sua natureza. Um Estado que surge como normal, adequado e realizador da humanidade em sua plenitude, pois, sem a pólis o humano não alcança condição natural completa de animal político

Assim, constituída por um impulso natural do ser humano, a sociedade deve ser organizada conforme essa mesma natureza humana. O que deve guiar, então, a organização de uma sociedade? A busca de determinado bem, correspondente aos anseios dos indivíduos que a organizam.

Maquiavel e o Estado

Já no Renascimento Maquiavel introduziu a noção de realismo político. Criticando a idealização sobre como a política deveria funcionar, o pensador coloca a política no terreno dos humanos, excluindo a religião, a ética e outras esferas da vida da discussão sobre a disputa de poder. Para ele, política não é buscar o bem comum, mas conquistar e manter o poder. Assim um líder deveria, por exemplo, ter seu próprio exército, em vez de confiar em mercenários, que sempre fogem depois de receber seu pagamento. Ele deveria, também, se informar sobre os costumes dos povos que habitam os territórios conquistados. O príncipe precisaria tomar todo cuidado com os nobres e poderosos que pudessem vir a se tornar seus rivais. E não deveria vacilar quando fosse necessário cometer violências e crueldades contra seus inimigos.

A origem do Estado, como vimos, está na guerra e na conquista. Maquiavel foi o grande pensador da fundação dos Estados. Mas o Estado é uma forma de dominação e a dominação precisa ser legítima, precisa convencer quem obedece de que é certo obedecer. Por isso, quando o Estado moderno foi formado, vários pensadores tentaram resolver o seguinte problema: quando o Estado é legítimo?

Um grupo de pensadores se destacou na busca da resposta. Os contratualistas. Eles são conhecidos assim porque viram o Estado como resultado de um contrato entre os cidadãos que concordavam em obedecer a uma estrutura de poder com regras próprias.

Contratualistas

Thomas Hobbes, John Locke e o franco-suíço Jean-Jacques Rousseau se perguntaram como seria a vida sem o Estado, no que chamavam de estado de natureza. Por que as pessoas que viviam no estado de natureza decidiriam criar o Estado?

Para Thomas Hobbes, a vida no estado de natureza seria violenta, pobre e curta. Assim, haveria uma guerra de todos contra todos. Nessa situação, disse Hobbes, o medo levaria as pessoas a fundar o Estado. Nesse momento, elas abririam mão de sua liberdade e concordariam em obedecer ao Estado. Em contrapartida, o Estado deveria garantir a paz e a lei, para que as pessoas, sem medo de serem atacadas a qualquer momento, pudessem trabalhar e prosperar. 

John Locke tinha uma visão bem mais otimista sobre o estado da natureza. Nele as pessoas seriam livres e já teriam direito à propriedade do que produzissem. Mas, se o estado de natureza não era tão abominável como Hobbes imaginava, por que as pessoas fundariam o Estado?

Bem, porque muitas vezes surgiriam conflitos sobre quem teria direito a quê. E ninguém é bom juiz de si mesmo. Dessa forma, seria preciso fundar o Estado para que ele fosse o juiz nesses casos. O Estado, para Locke, não poderia julgar do jeito que quisesse. Quando as pessoas fundaram o Estado, elas já tinham direito à liberdade e à propriedade. Assim, se o Estado ameaçasse sua liberdade ou sua propriedade, qualquer um teria o direito de se rebelar contra ele. 

Para Rousseau, o estado de natureza era ainda melhor do que na concepção de Locke. O humano seria livre e feliz com o pouco que possuísse. Entretanto, o convívio o levaria a se importar cada vez mais com a opinião alheia e a tentar ser melhor que seus semelhantes. O golpe final contra a igualdade viria com a invenção da propriedade, pois seria necessário criar o Estado e as leis para protegê-la.

No estado civil o humano sacrifica sua liberdade natural, mas alcança a liberdade do cidadão. A única forma de preservar a liberdade após o surgimento do Estado seria se todos aceitassem entregar seus direitos uns aos outros (e não ao governante). Nesse contexto, a liberdade é conquista pela participação política, principalmente na elaboração das leis. O Estado só seria legítimo se suas leis fossem criadas pela Vontade Geral, que é a vontade do conjunto dos cidadãos que visa ao bem comum. Se cada um pensar somente em si mesmo ao escrever as leis, o Estado funcionará mal, e aos poucos todos perderão sua liberdade.

Hegel: do Estado surge o indivíduo

Hegel entende o indivíduo sem o Estado como uma abstração. Criticando a abordagem liberal de Locke e Rousseau, ele afirma que não é possível a existência do indivíduo antes da sociedade, isso porque o humano é um ser social que só encontra seu sentido no Estado. Esse Estado, por sua vez, não é um aglomerado de indivíduos nem é formado por um grande acordo entre os membros de um grupo.

Para Hegel a noção de indivíduo está ligada ao Estado. Esse indivíduo corresponde à um momento histórico, com características específicas desse momento. Essas características precedem o indivíduo e são elas que o caracterizam como indivíduo. Assim o Estado vem antes do indivíduo. O Estado que funda a sociedade civil e não o membro da sociedade, pois esse só pode se declarar como membro de dada sociedade por ter existido nela em dado momento histórico e ter adquirido as características que lhe são dadas pelo Estado. O Estado é uma manifestação do espírito e concilia a universalidade humana com os interesses particulares dos sujeitos. Assim, por ser uma manifestação do espírito, o Estado está acima da soma dos interesses individuais.

Marx e Engels: Estado como instrumento do domínio de classe

Marx e Engels acreditam que a sociedade humana dita primitiva era isenta de classes e Estados. Nessas sociedades as funções de decisão ou administrativas eram compartilhadas entre os integrantes do grupo. Mas, em algum momento, a função de organizar a administrar se tornou exclusiva de um grupo. Aí surgiu o Estado. Esse fenômeno ocorreu ao mesmo tempo em que as desigualdades de classe e os conflitos entre explorados e exploradores surgiram. O Estado surge então como um apaziguador dos conflitos, evitando a dissolução da sociedade.

Esse Estado parece muito com o Estado liberal. Acontece que esse Estado foi criado no conflito e, por isso, acabou sempre representando a classe mais poderosa dessa tensão. Ele sempre é usado para controlar a classe dominada e não para mitigar os conflitos. Assim, para Marx e Engels o Estado é um instrumento da dominação de classe. No capitalismo ele objetiva proteger a propriedade privada, contrariando os interesses dos que nada têm. Isso significa dizer que a formação do Estado tem relação direta com as condições e estruturas materiais do seu momento histórico. Além disso, é preciso ressaltar que o Estado é criado para dirimir as tensões que surgem apenas porque vivemos em uma vida civil de caráter antissocial. Marx e Engels se afastam dos outros pensadores sobre a origem do Estado por compreender que ele não visa o objetivo de resolver os conflitos sociais, mas controlar a classe produtora de riquezas para que a ordem social não se dissolva. O Estado é resultado da forma antissocial que vivemos e só poderia deixar de existir com a abolição das classes sociais. Por isso, o Estado falha em suas pretensões universalistas, pois nasce da desigualdade e mantém a desigualdade.