Desde o século XVI, milhões de africanos foram retirados de suas terras natais para serem escravizados na América. Essa diáspora condenou todo um continente e muitas pessoas a morte e a miséria.
Apesar de toda a desumanização, ainda havia espaço para resistência e a manutenção de suas culturas. Assim, entenda o que foi esse processo de escravidão moderna, suas causas e consequências.
O contexto histórico da escravidão no Brasil
Muitos questionam atualmente as diferenças entre a escravidão moderna, controlada pelos Europeus e a escravidão entre africanos.
Quanto a essas diferenças, podemos destacar inicialmente que a segunda mantinha características da antiguidade. Ou seja, entre os povos africanos havia sim escravidão, mas diferente do que os europeus fizeram.
A escravidão dentro do continente africano era realizada a séculos, mas não se norteava pelo lucro mercantilista. Na África, pessoas eram escravizadas:
- Como espólios de guerras;
- Como forma de pagar dívidas ou tributos;
- Como trocas entre grupos diferentes.
Outra característica que também diferenciava era a falta de requisitos étnicos.
A escravidão entre africanos não fazia essa distinção, assim como não era feita também na antiguidade. Como não havia o pré-requisito étnico/racial, a desumanização dos escravizados também não era uma realidade normal.
Nestes casos, os escravizados não eram tratados como objetos e por vezes conseguiam reconhecimento e funções nobres. Muitas vezes, inclusive, recebiam a liberdade depois de um tempo de trabalho cumprido.
Visto isso, a escravidão moderna, incentivada pelos europeus, diferenciava-se profundamente. Primeiro, a origem do anseio pelas vidas negras era justificada de forma étnica e religiosa. Para o cristianismo, os povos islâmicos eram tradicionais inimigos e infiéis. Já os povos de pele escura, mesmo não-islâmicos, segundo a interpretação católica, seriam amaldiçoados.
Na imaginação cristã da época, a chamada maldição de Cam era inspirada em uma passagem bíblica. A interpretação dizia que Noé teria amaldiçoado os filhos de Cam à servidão, sendo seus descendentes os próprios africanos.
A pele negra, nessa interpretação, seria a marca da condenação.
Enfim, com essa justificativa, a escravidão africana foi praticada e passou a gerar lucros exorbitantes. A retirada de homens, mulheres e crianças do solo africano para serem vendidos em mercados na América atraiu diversos países.
Construiu-se, portanto, um comércio internacional, deslocado pelo oceano Atlântico, desumanizando africanos.
O início da escravidão africana no Brasil
A chegada dos portugueses à América marcou o início de uma nova relação dos homens com a terra. Enquanto os nativo-americanos a exploravam apenas para a subsistência, os portugueses iniciaram um trabalho baseado no sistema de plantation.
Com grandes latifúndios, fruto da devastação de florestas, os portugueses usaram a terra para a grande plantação da cana de açúcar.
Inicialmente, a escravidão indígena chegou a ser utilizada como forma de mão de obra nas lavouras. Entretanto, o contato com os europeus dizimou a população nativa das Américas.
Aos poucos, tornou-se difícil encontrar nativos para esses trabalhos. Além disso, os indígenas brasileiros possuíam um maior conhecimento geográfico, o que facilitava suas fugas e resistência.
Assim, com a escassez de indígenas e o desconhecimento dos nativos do trabalho em grandes lavouras exigiu mudanças. Visto isso, a exportação de africanos para o trabalho nos engenhos de açúcar se mostrou uma opção lucrativa.
Logo, milhares de navios, a partir do século XVI, passaram a realizar o tráfico de africanos para a América.
Os que aqui chegavam com vida eram vendidos nos mercados negreiros a preços variados. Os africanos jovens e mais saudáveis possuíam preços ainda exorbitantes. Desta forma, eram vendidos separados de seus familiares e de outros que falassem a mesma língua.
Essa tática de isolamento evitava rebeliões e conspirações.
Logo, como resultado dessa venda, o escravizado se tornava uma posse de um senhor de escravos (o termo correto, atualmente, é “escravizados”).
Destinado ao trabalho braçal nas lavouras, sendo castigado com chibatadas e vivendo sob condições desumanas, esses homens morriam cedo.
A brava resistência africana à escravidão no Brasil
Apesar da desumanização provocada pela escravidão, os africanos e seus descendentes jamais deixaram de resistir, foi preciso muita bravura e resiliência.
Dentre as principais formas de luta contra esse sistema opressor, podemos citar:
- Fugas;
- Rebeliões e guerras;
- Formação de quilombos;
- Manutenção de práticas culturais e religiosas;
Desde o embarque em navios negreiros na costa africana, a resistência contra o destino se iniciava. Ainda no continente muitos tentavam fugir e escapar, outros, já na travessia, jogavam-se no Atlântico.
A esperança de muitos era que pudessem retornar para África, outros apenas prefeririam o suicídio à vida na América.
Entre os que chegavam vivos nos portos brasileiros, a resistência também não enfraquecia. Como visto, a desumanização provocada pela vida nos engenhos levava muitos à fuga e rebeliões.
As fugas eram tantas que figuras como os capitães do mato (na maioria negros escravizados) e bandeirantes eram utilizados para recuperar os fugitivos.
Muitos se embrenhavam pelas matas na esperança de desaparecer do horizonte da escravidão.
Outros, buscavam trilhas que os levassem aos quilombos. O quilombismo, portanto, tornou-se uma das principais formas de resistência negra na América. Nesses locais, uma grande população de escravizados fugitivos se concentrava, resistindo.
Nos quilombos, grandes comunidades eram formadas, com comércio, agricultura e divisões de trabalho. Nesses locais, reproduzia-se muito da cultura africana, combatendo a desumanização da escravidão.
O maior quilombo conhecido no Brasil foi o de Palmares, no nordeste brasileiro.
Também vale destacar que as comunidades quilombolas desempenhavam uma importante função de estímulo de revoltas. Ou seja, invadiam engenhos e cidades provocando revoltas e libertando outros escravizados.
Esses quilombos também eram responsáveis pela manutenção de culturas que resistem até hoje.
Muitas das práticas religiosas e culturais que descendentes africanos ainda conservam, existem hoje graças a essa resistência.
Seja nas senzalas ou nos quilombos, as músicas, comidas, línguas, religiões e costumes foram realizados longe dos olhos dos colonizadores.
Os homens escravizados de ganho: quem foram?
As formas de resistência citadas acima se relacionam principalmente ao campo. Durante o período colonial ela tiveram uma expressão muito maior.
Entretanto, já no século XVIII e XIX, com a maior urbanização, novas formas surgiram.
A principal delas, muito estudada, é a resistência através do trabalho urbano. Os chamados “escravos de ganho” eram negros que possuíam permissão para lucrar com pequenos trabalhos.
Muitos realizavam pequenos ofícios, sobretudo como comerciantes e repassavam parte do que ganhavam aos seus senhores como tributo.
Entretanto, com os trabalhos urbanos, alguns escravizados conseguiam acumular dinheiro. Esses lucros, muitas vezes, eram utilizados para comprar suas cartas de alforria, documentos que garantiam a liberdade.
Alguns, inclusive, conseguiam maiores lucros e compravam a alforria de outros escravizados.
Consequências da escravidão africana até os dias atuais
Em 1888, a assinatura da Lei Áurea enfim decretou o fim da escravidão no Brasil.
Após séculos de resistência da população escravizada e anos de luta dos grupos abolicionistas, a escravidão chegou ao fim.
Entretanto, os anos posteriores à abolição não foram muito melhores do que se imagina.
Durante o século XIX, o racismo científico aprofundou-se, construindo ao redor do mundo o mito da superioridade branca.
A partir dessas noções, a visão do mundo sobre negros e africanos era a de selvagens, marginais à civilização e modernidade. No Brasil, os negros escravizados também sofreram com esse peso, com a imagem de uma população selvagem.
Logo, o início do século XX ainda manteve essas ideias. A população negra, portanto, apesar de liberta, sofria com o racismo e com os séculos de exploração.
Poucos possuíam terras, estudos ou capacidade de ascensão social. Assim como, não contaram com a assistência do Estado após a libertação.
Desta forma, a população liberta continuou marginalizada e jogada à própria sorte. Seja no interior do Brasil ou nas grandes capitais, os ex-escravizados continuavam morrendo na miséria e por doenças.
Revoltas como as de Canudos e do Contestado são exemplos dessas dificuldades e da continuidade das opressões.
Além disso, o surgimento de novas ideias científicas, como a eugenia e o higienismo marginalizam ainda mais essas pessoas.
Através das políticas higienistas, a população negra dos centros foi cada vez mais marginalizada e favelizada. Enquanto a eugenia, sob as bases do racismo, defendia a exclusão genética dessa população.
Enfim, os mais de 300 anos de escravidão legaram à população negra um considerável peso.
Ao longo do século XX, a marginalização e o racismo se tornaram ainda mais latentes, inclusive com a perseguição e censura às práticas afro-descendentes.
Músicas como o samba, religiões como o candomblé e festas tradicionais chegaram a ser proibidas, por exemplo.
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